Opinião e Análise

Gabriela Duque

Parcela relevante dos recursos do orçamento da União transita por contratos administrativos. O fato permite afirmar: (a) as leis gerais de licitações e contratos administrativos consistem em importante instrumento no controle externo exercido pelo TCU; e (b) a interpretação dada pela Corte de Contas a seus dispositivos interfere concretamente no comportamento da Administração Pública brasileira. É fundamental, pois, avaliar continuamente a forma como o TCU os aplica.
Em uma análise retrospectiva, parece que o Tribunal nem sempre se ateve às prescrições da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm">Lei 8.666/93</a>. Sob a justificativa de interpretação lógico-sistemática ou com base em princípios jurídicos, por vezes exigiu do gestor público o cumprimento de regras no processamento de licitações e condução de contratos não expressas na lei, ao menos claramente.
O tema das alterações contratuais, tratado no art. 65 da Lei 8.666/93, certamente foi o que mais recebeu acréscimos pela jurisprudência do TCU. A Corte de Contas definiu a obrigatoriedade de avaliação em separado dos acréscimos e supressões no objeto contratual, para fins de aplicação do limite de 25% (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A749%2520ANOACORDAO%253A2010%2520COLEGIADO%253A%2522Plen%25C3%25A1rio%2522/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520">Acórdão nº 794/2010-Plenário</a>); aplicou o teto também às alterações qualitativas, mesmo que não repercutissem no volume do objeto e valor do contrato (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO:1826%20ANOACORDAO:2016%20COLEGIADO:%22Plenário%22/DTRELEVANCIA%20desc,%20NUMACORDAOINT%20desc/0/%20">Acórdão nº 1.26/2016-Plenário</a>); e ainda disse que as modificações não poderiam implicar na redução da diferença percentual entre o valor da proposta original do contratante e o do orçamento base da licitação (<a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1755%2520ANOACORDAO%253A2004/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520">Acórdão nº 1.755/2004-Plenário</a>).
Embora seja louvável a intenção do TCU (evitar a transfiguração do objeto da licitação e danos ao erário público), a criação de exigências adicionais gera indesejáveis dúvidas no gestor público sobre o valor da lei na correção de seus atos.
Em 2021, adveio a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm">Lei 14.133/21</a>, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. O TCU participou ativamente do processo legislativo. Teve sua jurisprudência absorvida por alguns de seus dispositivos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, e recusada na definição do texto de outros. Diante das inferências extraídas da análise retrospectiva, é irresistível a seguinte pergunta: o TCU se satisfará com o resultado do processo democrático-legislativo do qual participou, ou sua jurisprudência seguirá acrescendo regras à norma geral de licitações e contratos ao avaliar a conformidade dos atos da Administração?
Recentemente, esta <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/tcu-e-a-aplicacao-da-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-29122021">coluna</a> chamou a atenção para o Acórdão n.º 2.458/2021-Plenário, que relativizou o art. 94 da Lei 14.133/21 e orientou a Administração Pública a proceder de forma contrária ao prescrito no dispositivo. Espera-se que a decisão não seja um sinal de que o TCU continuará a colocar em dúvida o valor da lei para a higidez dos atos da administração. O Tribunal, segundo determina o art. 30 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, deve atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1] </a>O tema foi tratado do texto “<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/uma-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-com-carimbo-do-tcu-16122020">Uma nova lei de licitações e contratos com carimbo do TCU</a>”, publicado nesta mesma coluna em 16/12/2020.

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JOTA

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