Opinião e Análise

Gustavo Leonardo Maia Pereira

A conferência International Society of Public Law (ICON) de 2020 – cancelada por causa da pandemia – teria como tema central a (des)confiança nas instituições. “Public Law, (Dis) Trust and Dissent” seria o mote do mais importante evento de direito público do mundo, que teria ocorrido na Polônia<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, não fosse a COVID-19. O escopo do encontro era bem amplo, alcançando até mesmo a cada vez mais disseminada descrença na democracia e em suas noções e instituições mais elementares.
Embora o evento não tenha ocorrido, o tema nos coloca para refletir sobre o papel da confiança na interação entre controle e gestão pública.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
A literatura internacional procura colocar em evidência, de um lado, o papel da confiança pública como um item indispensável para o funcionamento dos governos, sendo vista como a peça que dá “liga” ao sistema; e, de outro, a necessidade de uma dose de desconfiança para manter a democracia em “boa forma”<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Estudos mostram que a correlação entre controle e confiança não é simplória. Em certa medida, o controle público pode ajudar a estimular a confiança da sociedade na Administração; mas, ao mesmo tempo, só haverá aprendizado e evolução organizacional na gestão pública onde e quando o controle não encarnar a figura de um “dedo acusatório”<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.</blockquote>
No Brasil, os órgãos de controle parecem excessivamente movidos pela desconfiança. O TCU, por vezes para justificar intervenções para as quais não tem competência formal, argumenta que reguladores são capturados, que órgãos e entidades públicas são mal estruturados<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, que a gestão pública não tem a mesma maturidade institucional encontrada nos controladores<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, levantando, assim, suspeitas genéricas sobre a idoneidade de agentes públicos e sobre a capacidade de instituições.
O argumento de que o controlador possuiria maior capacidade institucional do que os gestores públicos parece embutir uma visão em certa medida idealizada de si próprio, como já apontado nesta <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-tcu-e-o-risco-da-autoidealizacao-06112019">coluna</a>.
Essa postura tem o efeito de minar, e não de estimular, a confiança da sociedade e de outras instituições na Administração Pública.
A desconfiança, então, passa a funcionar não mais como um ingrediente necessário para o controle, mas como o próprio fundamento da ação controladora. E, com isso, procura-se naturalizar a inversão de presunções básicas, como a de inocência, boa-fé e legitimidade dos atos administrativos.
Não podemos deixar de almejar um controle independente e atuante, mas precisamos encontrar um caminho para equilibrar a dose de (des) confiança, em prol do bom funcionamento do Estado.
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<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> https://www.icon-society.org/previous-conferences/2020-conference/call_2020
<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> GREILING, Dorothea. Accountability and Trust. In: BOVENS, Mark; GOODIN, Robert E.; SCHILLEMANS, Thomas. The Oxford Handbook of Public Accountability. Oxford, 2014.
<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Idem.
<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cf. Acórdão nº 1.174/2018, rel. min. Bruno Dantas.
<a href="applewebdata://A4B3404F-C053-4D1C-98FC-0C4723826E54#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Cf. GRIN, Eduardo. A atuação do TCU no policy making da administração pública federal: modernização gerencial ou expansão dos papeis do controle externo? In: CAVALCANTE, Pedro Luiz Costa; SILVA, Mauro Santos (orgs).  Reformas do estado no Brasil: trajetórias, inovações e desafios. Rio de Janeiro: IPEA, 2020.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

A confiança como ingrediente para a gestão pública

Desconfiança e controle público

A confiança como ingrediente para a gestão pública