Opinião e Análise

Gabriela Duque

Há uma percepção geral de que a postura dura e repressiva dos órgãos de controle, aliada a um ambiente de insegurança jurídica, estaria produzindo gestores públicos apáticos. O receio da responsabilização teria paralisado a tomada de decisão da Administração Pública. O fenômeno não é novo e ficou popularmente conhecido como “apagão das canetas”.
Ao examinar consulta feita pelo Ministro da Saúde sobre a validade de cláusulas contratuais que, fixadas com base nas Medidas Provisórias 1.003/2020 e 1.026/2020, infringissem outra “disposição legal expressa” ou a “ordem pública”, o Tribunal de Contas da União (TCU) se viu diante da necessidade de neutralizar os efeitos desse fenômeno.
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As referidas Medidas Provisórias foram editadas para viabilizar a aquisição, pela União Federal, de vacinas, insumos, bens e serviços destinados à imunização da população contra a Covid-19 e a adesão ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19, o Covax Facility, mediante a criação de ambiente legal compatível com as condições de mercado e urgência impostas pelo contexto. O propósito da consulta era delimitar o espaço de decisão que os gestores teriam na negociação dos contratos relacionados às medidas contra a doença.
Na sessão de julgamento do respectivo <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/push/processo?numero=00685120215" target="_blank" rel="noopener noreferrer">processo</a>, o ministro-relator, Benjamin Zymler, disse que as decisões do Ministério da Saúde naquele contexto estariam sobejamente amparadas por princípios como o da dignidade da pessoa humana e da proteção à saúde, destacando: “o que queremos é basicamente é tranquilizar os gestores do ministério da saúde para que busquem implementar o plano nacional [de vacinação], viabilizando e abrindo o leque de possibilidades de contratação de vacinas”.
O ministro Bruno Dantas reforçou a posição do relator e emendou: “não podemos esquecer que vivemos tempos em que os gestores têm medo dos órgãos de controle e se era necessário esse Tribunal reunir-se em plenário e desse resposta a uma consulta, que assim seja”. Como desfecho, registrou: “esse Tribunal está dizendo com todas as letras, façam o que tiver que ser feito para comprar e vacinar a população brasileira com o máximo de urgência”<a href="applewebdata://A4D9A78E-784A-4884-97A5-8388B2C49D8E#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Ao que parece, os ministros do TCU buscaram evitar que o receio da responsabilização impedisse o Governo Federal de adotar uma postura proativa. Manifestaram uma espécie de salvo conduto em abstrato aplicável às ações extraordinárias praticadas em prol da compra de vacinas.</blockquote>
O relato confirma que gestão pública e controlador não podem prescindir da análise de contexto determinada pelo art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb). Fica, contudo, a dúvida se a posição adotada em tese pelo TCU terá efeitos práticos no propósito de neutralizar os efeitos do “apagão das canetas”. Podem os gestores confiar na fala dos ministros que os encoraja a fazer “o que tiver que ser feito”? Ou há razão para o receio de que a orientação não se concretize nas fiscalizações do Tribunal frente às circunstâncias de cada caso? Como o TCU avaliará decisões tomadas por gestores nesse contexto de especial incerteza?
A resposta ao questionamento será dada nos próximos meses. Espera-se que o discurso do TCU no julgamento da consulta seja concretizado em suas ações fiscalizatórias futuras.
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<a href="applewebdata://A4D9A78E-784A-4884-97A5-8388B2C49D8E#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O vídeo da sessão de julgamento pode ser acessado através do link <a href="https://portal.tcu.gov.br/sessoes/20210317-plenario-telepresencial-publica.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://portal.tcu.gov.br/sessoes/20210317-plenario-telepresencial-publica.htm</a>

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JOTA

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