Opinião e Análise

André Rosilho

O Brasil tem um sistema de controle da administração pública complexo, do qual participam órgãos com responsabilidades e jurisdições muitas vezes sobrepostas e conflitantes. As oportunidades para contestar a ação administrativa são crescentes. Com o avanço da agenda anticorrupção, controles ganharam ainda mais prestígio e musculatura. O Executivo, por outro lado, parece fragilizado, a despeito de relevantes esforços para aprimorar sua governança e sua capacidade de criar e implementar políticas públicas.
Esse é o caldo de cultura no qual se insere o debate sobre o chamado “apagão das canetas” — a inação, ou a tomada de decisão subótima pelo gestor público, em função de um medo difuso de, mesmo sendo diligente e honesto, acabar punido ou obrigado a responder a processo punitivo.
<h3><a href="https://conteudo.jota.info/marketing-lp-newsletter-por-dentro-da-maquina">Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina</a></h3>
<a href="https://portal.tcu.gov.br/data/files/CB/E6/9C/EB/7300371055EB6E27E18818A8/Relatorio_pesquisa_contratacao_solucoes_inovadoras_administracao_publica.pdf">Pesquisa</a> conduzida pelo Laboratório de Inovação do Tribunal de Contas da União (TCU/coLAB-i) para medir a percepção de gestores públicos acerca dos desafios para a contratação de soluções inovadoras pela administração identificou que o receio de controles é real e pode influir na própria decisão de inovar — cerca de 60% das respostas válidas fornecidas por ocupantes de cargo ou função de natureza gerencial, por exemplo, concordaram que “o medo do controle é um empecilho para o gestor público contratar soluções inovadoras” (p. 49).
Visando aprofundar esse debate e colaborar com o mapeamento de causas do déficit de capacidade do Executivo de implementar políticas públicas, a Fundação Tide Setúbal, sob a coordenação de Vera Monteiro e Gabriela Lotta, desenvolveu <a href="https://fundacaotidesetubal.org.br/publicacoes/o-fenomeno-do-apagao-das-canetas/">pesquisa</a> para investigar os efeitos do controle (com foco em Ministérios Públicos e Tribunais de Contas) sobre o trabalho de servidores do Executivo das três esferas federativas.
O trabalho se desdobrou em três etapas.
A primeira consistiu em uma revisão da literatura sobre o fenômeno do “apagão das canetas”. A segunda, de caráter qualitativo, consistiu na realização de 30 entrevistas com servidores públicos das áreas de saúde e educação das três esferas federativas. A terceira, de caráter quantitativo, envolveu um survey do qual participaram 163 gestores públicos de todo o Brasil.
Há muitos achados interessantes. Cito alguns deles.
Todos os entrevistados concordaram que tem havido crescimento na atuação dos órgãos de controle. Em suas falas, mencionaram, com frequência, ingerência indevida de controles em políticas públicas; postura intimidadora e pouco colaborativa de controladores; baixo conhecimento dos controladores acerca das políticas públicas; excesso de tempo gasto em respostas a demandas de controladores; descontentamento com controladores como causa de desilusão, desmotivação e estresse na carreira de gestores; e percepção de paralisia decisória.
No plano quantitativo, detectou-se que, apesar do baixo percentual de servidores federais que tiveram contato com processos que resultaram em condenações, 68% dos respondentes da survey afirmaram ter seu trabalho diretamente afetado por demandas de controladores, 77% se mostraram constantemente preocupados em evitar problemas com controladores e 78% entendem como determinação uma simples recomendação emitida por controladores.
Há indícios de curto-circuito na relação entre gestão pública e controles. É preciso tentar entender as causas do fenômeno e discutir estratégias para superá-lo. O futuro da gestão pública passa por aqui.

esplanada-poder-publico

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Pesquisa indica a necessidade de repensarmos a relação entre gestão pública e controle

Controladores, gestores públicos e 'apagão das canetas'

Pesquisa indica a necessidade de repensarmos a relação entre gestão pública e controle