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Controle Público

Arbitragem em tempos de canetas apagadas

Parte das arbitragens em contratos públicos resulta do medo de decidir

Eduardo Jordão
25/05/2022|15:00
Atualizado em 26/01/2023 às 11:50
arbitragem tributária
Crédito: Pixabay

Algumas das consequências dos excessos do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos demais órgãos de controle são bem reportadas. Eu mesmo já me referi a uma delas: entidades públicas vinham “importando”, para dentro de seus quadros, membros ou ex-membros do Tribunal, com o objetivo de melhorar o relacionamento com ele e evitar as suas punições.

Mas há uma consequência adicional destes excessos, que tem sido notada e comentada pelos profissionais atuantes nos setores de infraestrutura: o crescimento artificial do recurso à arbitragem como forma de proteção dos gestores públicos que lidam com pleitos de empresas concessionárias.

Imagine-se a seguinte situação: um contrato de concessão tem seu equilíbrio gravemente afetado por evento que corresponde a risco atribuído, por lei ou pelo contrato, ao poder concedente.

A situação é corriqueira e tem solução simples de acordo com o nosso ordenamento jurídico: a concessionária tem direito a ter o seu contrato reequilibrado pelo poder concedente, por meio, por exemplo, da recepção de valores do erário, do aumento da tarifa ou da ampliação do prazo da concessão.

Acontece que, para ver seu direito assegurado, a concessionária formulará pleito aos gestores públicos responsáveis pela regulação do contrato. E, num cenário de apagão de canetas, tais gestores não têm quase nenhum incentivo para reconhecer o direito da concessionária e expor-se às eventuais sanções dos órgãos de controle.

Duas são suas atitudes mais prováveis, em atitude de autopreservação. A primeira é negar o pleito, a despeito do seu mérito: “dorme tranquilo quem indefere”. A segunda é sugerir informalmente que a concessionária recorra ao Poder Judiciário ou à arbitragem.

Essa fuga à arbitragem funciona para ambas as partes. Como as sentenças arbitrais têm a mesma força de decisões judiciais definitivas, a concessionária pode finalmente ver os seus pleitos apreciados em tempo adequado e sem contestações adicionais. E como a decisão sobre os pleitos privados terá sido dada pelo tribunal arbitral, o gestor público pode ficar despreocupado que não será responsabilizado nos casos em que o controlador não concordar com a sentença.

Resultado: inflação artificial do número de arbitragens. Enquanto algumas delas são justificáveis para lidar com casos mais complexos e solucionar um real desacordo entre o poder concedente e a concessionária, outras são instauradas para lidar com casos simples, que poderiam ter sido resolvidos administrativamente, não fosse o apagão das canetas.

Nem as empresas privadas, nem os gestores públicos podem ser culpados por este movimento, que corresponde a escolha natural e compreensível no atual cenário de caça às bruxas.

Esse não parece, no entanto, ser um cenário socialmente positivo. De um lado, há o alto custo das arbitragens — que terminará sendo repassado para os usuários do serviço concessionado. De outro, há a transferência de uma parcela das competências regulatórias para as cortes arbitrais. Eis aí uma configuração institucional que não foi pensada por ninguém, mas que está virando realidade, pela mera reação aos excessos dos órgãos de controle.logo-jota