Opinião e Análise

Yasser Gabriel

Novo capítulo para o debate da multiplicidade de sanções incidentes sobre aquele que pratica irregularidade contra a administração pública. Em 30 de março de 2021, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Tribunal de Contas da União (TCU) não pode declarar inidônea empresa que tenha firmado acordo de leniência (mandados de segurança 35.435 e 36.496). Isso, claro, quando sanção e acordo disserem respeito à mesma conduta irregular.
A discussão teve origem no fato de acordos de leniência celebrados entre empresas e Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União possuírem cláusula estabelecendo que esses órgãos de controle se absteriam de aplicar sanções que as impedissem de celebrarem contratos públicos. O TCU não é signatário desses acordos e, com base em sua lei orgânica (art. 46), poderia declarar essas empresas inidôneas, deixando-as temporariamente impossibilitadas de contratarem com a administração.
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O racional jurídico da decisão do STF, construído no voto do relator Gilmar Mendes, é o seguinte: 1) eventual aplicação da sanção esvaziaria os termos do acordo, uma vez que há coincidência de efeitos práticos entre a sanção do TCU e aquelas negociadas pelos demais controladores; 2) a possibilidade de o TCU impor a sanção pelos mesmos fatos objeto do acordo não é compatível com os princípios constitucionais da eficiência e da segurança jurídica; 3) tal arranjo não prejudica a competência do TCU para apurar danos complementares, que não foram reparados no acordo. Ocorre apenas que, nessa hipótese, a Corte de Contas não poderá fazer uso da declaração de inidoneidade, restando-lhe os demais instrumentos jurídicos que tem a seu dispor.
Entre os vários aspectos positivos da decisão, aponto dois que mais me chamam atenção.
Primeiro é que se deixou claro haver um dever de proteção à segurança jurídica e à confiança depositada pelo particular no estado. Afinal, os efeitos de sanções que sobre ele recaem, decorrentes da atuação dos diversos poderes estatais, são rigorosamente os mesmos, independentemente de sua origem. Uma vez que o acordo tenha sido celebrado e o particular esteja cumprindo com suas obrigações, ele não deve ficar sujeito à instabilidade causada por eventual descoordenação das atuações públicas sancionadoras e sofrer consequências semelhantes às que sofreria caso o negócio jurídico não tivesse existido. Para isso, o argumento da autonomia das instâncias não cola.
Segundo é que intrínseca a ela está ideia (muito lógica) de que é preciso buscar coerência entre as atuações dos diversos agentes incumbidos de proteção da administração contra a prática de irregularidades. No caso do acordo de leniência, a própria efetividade do instrumento depende do concerto entre esses agentes. Controle é bom e necessário. Mas isso não autoriza a instituição de caos jurídico.
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O episódio 56 do podcast Sem Precedentes discute a CPI da Covid-19 e o choque do Supremo Tribunal Federal com o presidente Jair Bolsonaro. Ouça:
https://youtu.be/LQiDzE-3T98
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JOTA

Para STF, multiplicidade sancionadora não pode levar ao descumprimento prático do acordo

Acordo de leniência e declaração de inidoneidade pelo TCU

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