Opinião e Análise

Ana Frazão

Não é nenhuma novidade que a questão ambiental é uma das mais importantes do nosso tempo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Para vários pesquisadores, a humanidade já comprometeu a biosfera da Terra a tal ponto que estamos vivendo, desde o século 20, um novo período geológico — o Antropoceno — em que o homem passou a ser o principal vetor de mudanças biogequímicas do planeta<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Por outro lado, é incontestável o número e a robustez das evidências científicas no sentido de que estamos em verdadeiro “ponto de inflexão” no que diz respeito às questões ambientais, de forma que a inexistência de providências imediatas e efetivas em favor da proteção do meio ambiente pode levar a danos irreversíveis e incalculáveis para o planeta e para as pessoas, comprometendo a nossa sobrevivência e a das próximas gerações.
Se o problema apresenta clara dimensão global, encontra no Brasil um foco específico de preocupações, considerando o papel central que a política do atual governo assume no processo de degradação de nossos recursos ambientais.
Uma das principais estratégias utilizadas pelo atual governo tem sido a do “infralegalismo autoritário”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, ou seja, a mudança — muitas vezes sub-reptícia — da regulação ambiental por meio de normas infralegais. É a manobra confessada despudoradamente pelo ex-ministro Ricardo Salles: “passar a boiada” por meio do itinerário caneta-parecer-atos normativos infralegais<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
É por essa razão que, em outubro de 2021, Maurício Voivodic<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> já havia mapeado números alarmantes desse desmonte legal: 1.229 atos infralegais, 37 atos de revisão de regras, 58 atos de flexibilização de regras, 54 atos de desregulação e tantos outros.
Somam-se a isso o corte de recursos, o travamento do Fundo Amazonia, a formação de base parlamentar para aprovação de projetos de lei que enfraquecem a legislação ambiental, o desmonte de instituições de fiscalização e as declarações oficiais que incentivam o descumprimento da legislação ambiental e apoiam grileiros e garimpeiros irregulares<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Isso sem falar na questão indígena.
Os resultados dessa política de agressão ao meio ambiente podem ser observados em vários estudos e pesquisas, entre os quais o mais recente relatório do Observatório do Clima: “A conta chegou: o terceiro ano de destruição ambiental sob Jair Bolsonaro”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Entre os dados mencionados, encontram-se os seguintes: (i) o desmatamento na Amazônia, que atingiu 13.235 quilômetros quadrados em 2021, um aumento de 22% em relação a 2020, (ii) o desmatamento acentuado no cerrado e (iii) o aumento de emissões na pandemia.
Todos esses dados são fruto de perigoso arranjo institucional, que tem por finalidade inviabilizar a proteção efetiva do meio ambiente, bem como a asfixia financeira e operacional do aparato estatal para a execução das correspondentes medidas protetivas.
Nem mesmo do ponto de vista econômico tal tipo de política seria justificável, pois parte de falso “tradeoff”, admitindo que a degradação do meio ambiente seja um preço necessário ou mesmo adequado a pagar pelo crescimento econômico. Entretanto, já se sabe que a degradação ambiental tem efeitos nefastos não somente do ponto de vista ambiental e social, mas também econômico.
Logo, esse tipo de miopia, além de incentivar atividades criminosas, ainda leva a um enorme desperdício da capacidade que o Brasil teria em protagonizar iniciativas vinculadas à chamada economia verde, que é capaz de gerar muito mais valor do que a degradação de recursos ambientais.
Entretanto, indiferente a inúmeras alternativas compatíveis com um desenvolvimento econômico sustentável, que conciliariam crescimento econômico, desenvolvimento e proteção ambiental, o governo brasileiro adotou um conjunto tão amplo e diversificado de condutas omissivas e comissivas em prol da destruição ambiental que o primeiro desafio é identificar todas essas iniciativas e analisá-las em conjunto.
Não obstante todas essas dificuldades, parte relevante dessa política ambiental desastrosa foi impugnada em sete ações constitucionais que estão na pauta do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) do próximo dia 30 de março de 2022. São elas:
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="102">Ações</td>
<td width="475">Atos impugnados e fundamentos dos pedidos</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADPF 760</td>
<td width="475">Atos omissivos e comissivos perpetrados pela União, Ministério do Meio Ambiente (MMA), e entidades federais (como Ibama, ICMBio e Funai) que contribuem para o desmatamento predatório da Amazônia por diversos mecanismos: (i) atuação estatal absolutamente deficiente, em razão da drástica redução da fiscalização e controle ambientais; (ii) atos omissivos e comissivos destinados a inviabilizar a implementação do PPCDAm, incluindo-se a desestruturação dos órgãos e entidades federais; (iii) inexecução do orçamento disponível e congelamento do financiamento da política pública; (iv) atos normativos destinados a inviabilizar a atuação estatal; (v) atos omissivos e comissivos atentatórios aos direitos fundamentais à informação e à participação em matéria ambiental; e (vi) a “extinção branca” do PPCDAm”. Além disso, apontam restrições orçamentárias e de pessoal que inviabilizam a proteção do meio ambiente</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADPF 735</td>
<td width="475">Decreto nº 10.341/2020 e a Portaria nº 1.804/GM-MD de 7 de maio de 2020, que desmontam a política ambiental brasileira, na medida em que retiram a autonomia do Ibama para atuar como agente de fiscalização e outorgam a coordenação da Operação Verde Brasil 2 para o Ministério da Defesa, o que implica indevida militarização da política ambiental brasileira</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADPF 651</td>
<td width="475">Decreto 10.224, de 5.2.2020, que exclui a sociedade civil do conselho deliberativo do FNMA, ofendendo os princípios da participação popular direta, da proibição de retrocesso institucional e dos direitos da igualdade e da proteção ao meio ambiente</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADO 54</td>
<td width="475">Omissão inconstitucional do presidente da República e do ministro do Meio Ambiente na tarefa de combater o desmatamento</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADO 59</td>
<td width="475">Comportamento omissivo lesivo do Poder Público em não dar andamento ao funcionamento sistemático do Fundo Amazônia.</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADI 6148</td>
<td width="475">Resolução Conama 491, de 2018, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar de forma incompatível com os direitos à informação, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.</td>
</tr>
<tr>
<td width="102">ADI 6808</td>
<td width="475">Arts. 6º e 11-A, II, da Lei 11.598/2007, com as alterações que lhes foram atribuídas pelo art. 2º da Medida Provisória 1.040/2021, as quais preveem, no âmbito da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças — inclusive licenciamento ambiental — para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Como se pode observar, se cada uma das ações já seria importante, o seu conjunto tem significado ainda maior, porque reflete como cada iniciativa do governo potencializa os efeitos danosos de outras, de forma que o efeito sistêmico tem abrangência muito mais ampla. Mais do que isso, tais ações são apenas a parte mais visível de uma política muito mais abrangente, cujos efeitos nefastos nem sempre são facilmente perceptíveis.
Dessa maneira, muito mais do que as sete ações mencionadas, o que o STF julgará no dia 30 de março é o futuro do nosso meio ambiente, inclusive no que diz respeito aos deveres e responsabilidades que são exigíveis de todos, e especialmente do governo.
Considerando a situação dramática da questão ambiental no Brasil, mais do que a última palavra, talvez seja a última oportunidade que o STF tenha de conter esse processo perverso de degradação ambiental e de evitar muitos dos seus danos irreversíveis.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Agradeço às pesquisadoras e ex-alunas Paloma Costa e Ana Beatriz Freitas Lazo pela sugestão da pauta.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para maiores informações sobre o assunto, assistir episódio do Podcast Direito e Economia com o Professor José Eli da Veiga: Economia e Sustentabilidade. Podcast Direito e Economia. <a href="http://www.podcastdireitoeeconomia.com/episode/economia-e-sustentabilidade-com-jose-eli-da-veiga-professor-da-usp/">http://www.podcastdireitoeeconomia.com/episode/economia-e-sustentabilidade-com-jose-eli-da-veiga-professor-da-usp/</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Folha de S.Paulo. Infralegalismo autoritário de Bolsonaro afeta 4 áreas-chave do governo. Pesquisa organiza modus operandi bolsonarista para desmontar políticas ambientais, de cultura, armamento e órgãos de controle. <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/infralegalismo-autoritario-de-bolsonaro-afeta-4-areas-chave-do-governo-entenda.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/infralegalismo-autoritario-de-bolsonaro-afeta-4-areas-chave-do-governo-entenda.shtml</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml">https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Valor Econômico. Mil noites do Governo de Jair Bolsonaro. <a href="https://valor.globo.com/opiniao/coluna/mil-noites-do-governo-de-jair-bolsonaro.ghtml">https://valor.globo.com/opiniao/coluna/mil-noites-do-governo-de-jair-bolsonaro.ghtml</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Para um melhor diagnóstico do assunto, assistir o episódio do Podcast Direito e Economia com Maurício Voivodic, Diretor Executivo do WWF Brasil: Economia e Meio Ambiente. Diagnóstico do Brasil. <a href="http://www.podcastdireitoeeconomia.com/episode/economia-e-meio-ambiente-diagnostico-do-brasil-com-mauricio-voivodic-diretor-executivo-do-wwf-brasil/">http://www.podcastdireitoeeconomia.com/episode/economia-e-meio-ambiente-diagnostico-do-brasil-com-mauricio-voivodic-diretor-executivo-do-wwf-brasil/</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Observatório do Clima. A conta chegou: o terceiro ano de destruição ambiental sob Jair Bolsonaro. <a href="https://www.oc.eco.br/a-conta-chegou-o-terceiro-ano-de-destruicao-ambiental-sob-jair-bolsonaro/">https://www.oc.eco.br/a-conta-chegou-o-terceiro-ano-de-destruicao-ambiental-sob-jair-bolsonaro/</a>

O meio ambiente ‘nas mãos’ do STF

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Mais do que a última palavra, os julgamentos do próximo dia 30 podem ser a última oportunidade

O meio ambiente &#8216;nas mãos&#8217; do STF

O meio ambiente 'nas mãos' do STF

STF e meio ambiente: As sete ações constitucionais na pauta do Supremo que questionam a política ambiental desastrosa do governo Bolsonaro