Opinião e Análise

Ana Frazão

Em <a href="https://www.nytimes.com/2022/07/21/opinion/paul-krugman-inflation.html">artigo</a> publicado no jornal The New York Times, em 21 de julho de 2022, cujo título é “I was wrong about inflation”, Paul Krugman reconhece que estava errado sobre as previsões inflacionárias decorrentes do American Rescue Plan arquitetado pelo presidente norte-americano, Joe Biden, cujo propósito envolvia a injeção de US$ 1,9 trilhão na economia.
Krugman reconhece que se estabeleceu, logo no início de 2021, intenso debate entre os economistas sobre as prováveis consequências do plano, o que os dividiu em duas posições bem definidas: o Team Inflation, composto por aqueles que se preocupavam com o potencial perigosamente inflacionário do programa, e o Team Relaxed, composto por aqueles que, como o próprio Krugman, consideravam não haver tantas razões para maiores preocupações com a inflação.
É importante ressaltar, como destaca o próprio Krugman, que a cisão entre os economistas não decorreu de ideologias econômicas contrárias, já que as principais vozes que participaram do debate — de Larry Summers a Dean Baker — eram keynesianos e com tendências políticas mais ou menos de centro-esquerda. Logo, todos tinham, pelo menos em um sentido qualitativo, visões similares sobre como a política econômica funciona, inclusive para o fim de concordarem tanto com o fato de que gastos deficitários podem estimular a demanda como com a circunstância de que uma economia mais forte com menores taxas de desemprego poderia levar a maiores taxas de inflação. O ponto principal de divergência era, portanto, sobre a magnitude dos efeitos do mencionado programa.
Entre as razões apontadas por Krugman para justificar a posição do Team Relaxed, estava o fato de que a experiência histórica, incluindo aí as evidências do pós-crise financeira de 2008, sugeriria que um grande aumento da inflação apenas ocorreria diante de um cenário de superaquecimento da economia.
Entretanto, a inflação nos Estados Unidos disparou mesmo sem esse superaquecimento da economia e mesmo com taxas de emprego que continuam sendo inferiores aos níveis pré-pandemia. Ao tentar encontrar explicações para tal fenômeno, Krugman tenta explorar as disrupções associadas à pandemia, as quais não foram consideradas nem mesmo pelo Team Inflation. Daí a sua afirmação: “The Team Inflation was right for the wrong reasons, but it’s also arguably true”.
Em face do ocorrido, Krugman conclui que a grande lição a ser aprendida com o episódio é a da humildade, no sentido de que os economistas não podem considerar que modelos preditivos que funcionaram bem no passado possam continuar funcionando bem na atualidade, ainda mais diante de fatos únicos, em relação aos quais não há propriamente experiência anterior, como é o caso da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/covid-19">pandemia da Covid-19</a>.
Vale a pena reproduzir o final do seu artigo, ao enaltecer a importância da humildade na compreensão e no endereçamento dos assuntos econômicos:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">“In any case, the whole experience has been a lesson of humility. Nobody will believe this but in the aftermath of the 20o8 crisis standard economic models performed pretty well, and I felt confortable applying those models in 2021. But in retrospect I should have realized that, in the face of the new world created by Covid-19, that kind of extrapolation wasn’t safe bet".</blockquote>
A reação de Krugman, embora louvável, não surpreende diante de suas posições anteriores. Em seu famoso livro “Arguing with zombies”<a href="#_ftn1" name="_ftnref2">[1]</a>, que eu já tive oportunidade de explorar em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/novas-perspectivas-para-a-regulacao-juridica-dos-mercados-parte-x-06052020">duas colunas</a>, Krugman faz uma veemente crítica a muitos economistas que, mesmo diante de evidências contrárias às suas teorias, continuam defendendo-as, muitas vezes em razão de interesses muitas vezes inconfessáveis. Daí a própria noção de zombie ideas, ou seja, ideias que deveriam estar mortas em razão das inúmeras evidências em sentido contrário, mas que permanecem “vivas”, como zumbis.
Daí por que, no caso das projeções inflacionárias decorrentes do Rescue Plan, Krugman fez exatamente o que ensina em seus livros: voltar atrás quando as evidências são contrárias aos modelos e as teorias que embasaram os diagnósticos anteriores e tentar descobrir que outras variáveis podem ter levado aos resultados distintos ou mesmo contrários àqueles que foram inicialmente previstos.
O fato de Krugman ter mencionado a questão da pandemia importa também para mostrar o quanto os modelos e teorias econômicas encontram dificuldades naturais para lidar com as incertezas. Já tive oportunidade de explorar essa questão em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/incertezas-radicais-impactos-analise-economica-10112021">diversas colunas</a>, entre as quais as que abordaram importantes obras nesse sentido, como a de Kay e King — “Radical Uncertainty” — e a de Beckert e Bronx — “Uncertain Futures”.
Ao ler o artigo de Krugman, lembrei-me também do interessante livro de Isabella Weber — “How China escaped shock therapy: The market reform debate”<a href="#_ftn2" name="_ftnref5">[2]</a> — que tem por objetivo mostrar como a abertura crescente do país para uma economia de mercado evitou se basear na chamada “terapia do choque”, que basicamente é a aplicação do receituário teórico neoliberal, a partir de fórmulas e modelos universais e estáticos, para se assentar em uma espécie de experimentalismo gradual e de pesquisas empíricas teoricamente guiadas, que possam acompanhar de perto as complexas variáveis das quais dependem determinados resultados econômicos.
Segundo a autora, a opção chinesa teve resultados positivos, especialmente quando comparada a outras nações que, a exemplo da Rússia, vivenciaram severos declínios econômicos e desindustrialização ao adotarem a terapia do choque. Já a China, no seu entender, cresceu e integrou-se ao capitalismo global sem perder o controle da sua economia doméstica.
O que mostram ambos os textos, tanto o de Krugman como de Weber, é que as teorias e modelos econômicos não são fórmulas universais ou receitas que funcionam sempre para todos os países, independentemente do momento histórico e das conjunturas específicas.
Com o seu artigo, Krugman mostra, também com o seu exemplo, a necessidade de mantermos a postura de humildade e de cautela em relação à utilização de modelos e de experiências passadas para se prever o futuro. Mais do que isso, o importante economista americano ressalta a importância de assumir erros e corrigir rotas sempre que as evidências forem contrárias às perspectivas decorrentes das teorias e dos modelos que orientaram determinadas políticas econômicas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> KRUGMAN, Paul. Arguing with zombies. Economics, politics and the fight for a better future. W.W. Norton &amp; Company, 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> WEBER, Isabella. How China escaped shock therapy. The market reform debate. New York: Routledge, 2021.

Paul Krugman

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JOTA

A importante lição de humildade vinda de um dos maiores economistas do mundo

Krugman reconhece que errou

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