Opinião e Análise

Ana Frazão

Dando <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado" target="_blank" rel="noopener noreferrer">sequência à série</a>, o presente artigo tem por objetivo analisar o equívoco não somente de limitar o Direito Antitruste à maximização do bem estar do consumidor, como de associar este objetivo aos critérios de eficiência, colocando em perspectiva os principais argumentos que permeiam a discussão.
No que diz respeito ao critério da maximização do bem-estar do consumidor, não é novidade que a proposta de Robert Bork é precisamente a de oferecer, por meio dos critérios econômicos de eficiência, parâmetros seguros com base nos quais o Direito Antitruste poderia atingir um alto grau de coerência, transparência e previsibilidade. O autor ainda soube tornar sua proposta ainda mais sedutora, a partir do momento em que associou tais eficiências ao bem estar do consumidor.
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<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Um Direito Antitruste para o século XXI</a>:<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-19082020" target="_blank" rel="noopener noreferrer"> Parte I</a>, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-2-26082020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Parte II</a>, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-3-02092020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Parte III, </a><a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-4-09092020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Parte IV,</a><a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-5-16092020"> Parte V,</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-6-23092020">Parte VI,</a> e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/um-direito-antitruste-para-o-seculo-xxi-7-30092020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Parte VII.</a></li>
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Ora, a busca da eficiência produtiva logo se mostrou uma excelente justificativa para a concentração empresarial, que passou a ser vista não apenas como útil, mas também como indispensável para a geração de economias de escala. É essa a ideia que lastreia a conclusão de que a proteção à concorrência seria, em si, um paradoxo, na medida em que impediria a formação de economias de escala benéficas para o consumidor, porque resultariam necessariamente em produtos melhores e com menores preços.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A partir daí, tais ensinamentos foram consolidados pela Escola de Chicago, que pretendeu demonstrar que não existe relação direta e necessária entre concentração de poder econômico e abusividade do seu exercício, já que pode haver competitividade em mercados concentrados e mesmo monopolizados, desde que não haja barreiras à entrada de novos concorrentes.
Como bem resume Eleanor Fox<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, as consequências da vitória da Escola de Chicago foram essencialmente: (i) o estreitamento “dramático” do escopo do Direito Antitruste –  que passou a se restringir à eficiência –  e o seu total afastamento da economia política, (ii) a minimização do Direito Antitruste, cuja atuação ficou restrita apenas aos casos de ineficiência e (iii) a presunção de que os mercados funcionavam bem, de que seria difícil a conquista e a manutenção do poder de mercado e de que a disciplina do mercado seria normalmente mais eficiente do que a intervenção estatal.
Ocorre que, mesmo sob o ponto de vista teórico, não se pode equiparar eficiência a bem estar do consumidor. Basta lembrar que a eficiência produtiva beneficia, em princípio, somente a empresa, pois nada indica que, produzindo com menores custos, ela irá baixar o preço dos seus produtos ou melhorar a qualidade destes, beneficiando o consumidor. Pelo contrário, não havendo níveis razoáveis de concorrência ou de pressão competitiva, é muito provável que prefira aumentar suas margens de lucro.
Como já se viu anteriormente, Philippon<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> é um dos inúmeros autores que, com base em dados empíricos das últimas décadas, mostram existir verdadeiro tradeoff entre poder de mercado e eficiência nos atos de concentração, o que possibilita a conclusão de que qualquer fusão que possa aumentar o poder de mercado vem resultando em perdas ao bem estar do consumidor, pois os chamados casos win-win, em que todos ganham, têm sido raros na prática.
Assim como ocorre em relação à eficiência produtiva, a eficiência alocativa, especialmente se analisada a partir do modelo de Kaldor-Hicks, pode ser atingida em situação na qual apenas as empresas ganham, em razão da mera possibilidade de que os consumidores sejam compensados, ainda que a compensação não ocorra. Isso sem falar nos danos irreparáveis e insuscetíveis de compensação.
Acresce que as eficiências, longe de serem um critério seguro e introverso, são cercadas de ambiguidades e divergências. Por outro lado, a sua aplicação depende da possibilidade de serem previstas e quantificadas com certo grau de acurácia a partir de modelos preditivos que, como já se viu no artigo anterior, têm poucas certezas a compartilhar.
Aliás, quem tem experiência na área antitruste sabe que as divergências das análises econômicas são tão intensas quanto as jurídicas, de forma que os economistas das partes acabam sendo verdadeiros advogados.
Dessa maneira, fica muito claro que os argumentos em favor da manutenção do status quo são frágeis, como se buscará sistematizar por meio da seguinte tabela, que resume várias das discussões já vistas e antecipa algumas das discussões futuras:
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="283">Argumentos contra a ampliação dos objetivos do Direito Antitruste</td>
<td width="283">Argumentos a favor da ampliação dos objetivos do Direito Antitruste</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Além da superioridade científica, o critério da eficiência funcionou como divisor de águas do Antitruste, salvando-o da sua incoerência e das suas contradições</td>
<td width="283">Nem o critério da eficiência é adequado nem gerou a segurança a que se propunha.
Além do reducionismo, persistiram as incoerências e contradições, especialmente no que diz respeito à mensuração e ao saldo líquido das eficiências.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">O período anterior à Escola de Chicago foi um período das trevas, marcado por uma política antitruste populista, com resultados contraditórios e em guerra consigo própria. Sob essa perspectiva, as novas abordagens são etiquetadas como hipsters ou como a volta do populismo.</td>
<td width="283">Nem o diagnóstico do período anterior é correto nem o que se pretende agora é um mero retorno ao Antitruste pré-Chicago. Várias das propostas para a ampliação dos objetivos do Antitruste baseiam-se em referenciais legítimos e compatíveis com a segurança jurídica.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">A superação do critério da eficiência implica a perda da segurança decorrente de um guia único, a ser substituído por múltiplos critérios políticos e sociais de extrema vagueza
 </td>
<td width="283">Além do reducionismo do critério da eficiência, faz parte da lógica jurídica ter que lidar com valores muitas vezes conflitantes, os quais precisam ser devidamente equilibrados.
Nesse sentido, é Chicago que faz com que o direito deixe de ser direito e que o Judiciário deixe de fazer o seu papel, além de adotar premissas que refletem inaceitável preconceito com questões jurídicas, políticas e sociais.
Ademais, mesmo o critério da eficiência sempre gerou necessidade de vários sopesamentos e ponderações, especialmente no cálculo líquido do resultado de determinadas condutas ou operações.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">A ampliação dos objetivos do Antitruste significa submetê-lo a parâmetros e valores incompatíveis com ele e que já são endereçados por outras políticas ou áreas jurídicas.
 </td>
<td width="283">O Antitruste deve lidar com todas essas questões na medida em que digam respeito ao controle do poder econômico.
As áreas de sobreposição entre o Antitruste e outras searas são comuns - tais como ocorre com a concorrência desleal e o Direito do Consumidor e agora com a lei de proteção de dados -, de forma que cada uma delas deve tratar da questão dentro dos seus propósitos e alcance, sempre com a preocupação de harmonia.
Em outras palavras, não se espera do Antitruste que ele se sobreponha ou mesmo usurpe competências e funções de outras searas, mas tão somente que aja nos casos em que o mesmo problema deve ser também por ele endereçado por estar relacionado ao controle do poder econômico.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">A ampliação dos objetivos do Antitruste requer o exame de propósitos e parâmetros excessivamente amplos.</td>
<td width="283">É normal que o direito tenha diversos propósitos e há diversas abordagens nas quais é possível conciliar a racionalidade jurídica com a segurança jurídica que se espera da política antitruste.
Vários autores que propugnam a ampliação dos objetivos do Antitruste o fazem com base em critérios objetivos e administráveis.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">O poder político não é problema do Antitruste
&nbsp;</td>
<td width="283">Sempre que o poder político decorrer de poder econômico, ele se torna, em alguma medida, problema do Antitruste. Acresce que a economia movida a dados e as plataformas digitais têm obscurecido as fronteiras entre poder econômico e poder político, o que exige maior atenção do fenômeno por parte do Antitruste.
Por outro lado, as preocupações com as relações entre o mercado e o poder político, além de estarem presentes desde a gênese do Direito Antitruste, estão igualmente presentes mesmo na obra de grandes neoliberais ou libertários que, como é o caso de Friedman, vêem na regulação dos mercados um contraponto à concentração do poder político.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">O foco do Antitruste deve ser a concorrência</td>
<td width="283">É a Escola de Chicago que não confia na concorrência. Tanto é assim que, em várias situações, mostra que os monopólios podem ser bons. Acresce que o critério da eficiência tem pouco a ver com o processo competitivo em si.
Dessa maneira, o que se pretende é precisamente ampliar as reflexões do Antitruste, a fim de que elas possam abarcar efetivamente a tutela efetiva e dinâmica da concorrência.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">A incoerência das novas alternativas mina a rule of law 
&nbsp;</td>
<td width="283">Já se viu que Chicago também não assegura a coerência e a previsibilidade tão propagadas.
De toda sorte, não se pode alcançar a segurança ao preço da simplificação e de reducionismos inaceitáveis, muitos dos quais apenas refletem a ideologia neoliberal de Chicago.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">As abordagens ampliativas dos objetivos do Antitruste são ideológicas.</td>
<td width="283">A Escola de Chicago também é fortemente ideológica, embora procure ocultar tal aspecto sob o manto do pretenso tecnicismo.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Os critérios propostos pelas novas abordagens são inconsistentes do ponto de vista da mensuração, da fraca inferência e da falta de identificação
&nbsp;</td>
<td width="283">As mesmas críticas podem ser dirigidas ao critério da eficiência. De toda sorte, há um longo caminho a ser percorrido, em que possam ser depurados critérios que ofereçam segurança à política antitruste</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">As críticas à Escola de Chicago pretendem o retorno do "big is bad" ou do paradigma S-C-P
&nbsp;</td>
<td width="283">As novas propostas não adotam necessariamente uma visão estruturalista simplista, traduzida na expressão "big is bad" ou mesmo na relação necessária embutida no paradigma S-C-P. O que pretendem é acabar com a simplificação de Chicago de que "big is good".
Sob esse prisma, a importância da questão estrutural poderia ser traduzida na expressão "big is powerful", no sentido de que a concentração e o tamanho importam, ainda que não de forma absoluta.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">Não há relação entre concentração e aumento de lucros, uma vez que os estudos sobre relação entre concentração e preços apresentam várias falhas
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&nbsp;
&nbsp;</td>
<td width="283">Além dos vários estudos que comprovam as relações apontadas, falhas metodológicas equivalentes podem ser apontadas para os estudos de Chicago segundo os quais não há relação entre concentração e preços maiores.
Daí por que há necessidade de se ter maior atenção diante das grandes concentrações de poder econômico.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">A superação da Escola de Chicago implicaria a rejeição das evidências econômicas.
&nbsp;</td>
<td width="283">Nada mais equivocado, pois diversas das recentes posturas procuram trabalhar com as evidências econômicas, apenas mostrando os reducionismos de Chicago e procurando atualizar os referenciais metodológicos diante de posturas mais recentes, como a economia comportamental.
De toda sorte, parte-se da premissa de que fatos e evidências não são objetivos como pretende Chicago, pois são selecionados, analisados e lidos de acordo com determinados pressupostos.
As teorias - como a teoria neoclássica que embasa Chicago - são as lentes pelas quais os fatos são compreendidos, motivo pelo qual não há objetividade nem certeza absoluta em nenhuma das análises de fato.
É importante reconhecer tais limitações, o que estimula o Antitruste a adotar um pluralismo metodológico e confrontar os fatos a partir de distintas lentes e teorias.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">As novas abordagens, especialmente o Hipster Antitrust, pretendem a rejeição da metodologia econômica, da evidence-based policy e da error cost-policy.
 
 </td>
<td width="283">Não é verdade. As novas posturas muitas vezes querem apenas mostrar que o Antitruste é também direito e, por essa razão, as metodologias econômicas precisam ser compatíveis com a racionalidade jurídica.
Por outro lado, não há a rejeição da metodologia econômica, mas tão somente o reconhecimento das limitações e dos reducionismos da metodologia neoclássica do mainstream, com a consequente abertura para outras abordagens, como a economia comportamental.
As novas posturas são compatíveis com a ideia de que o Antitruste deve se basear em evidências, apenas realçando que não há verdades absolutas e que mesmo a análise dos fatos não prescinde das teorias e dos pontos de partida que são usados na interpretação dos fatos.
Nesse sentido, várias das novas posturas apenas procuram mostrar que a evidence-based approach tem sido utilizada para criar um ônus da prova em favor da intervenção antitruste com rigor tão elevado que é praticamente insuscetível de ser vencido pelas autoridades concorrenciais. E o resultado disso é a conveniente aplicação do in dubio pro mercatto.
Devem ser mantidas também as preocupações com os custos dos falsos positivos, mas também com os custos dos falsos negativos. Da mesma maneira, devem ser mantidas as preocupações com os custos gerenciais da política antitruste, mas sabendo que essa preocupação gerencial obviamente não pode se sobrepor aos objetivos principais do Antitruste.</td>
</tr>
<tr>
<td width="283">O Hipster Antitrust impede as empresas de competirem, protegendo os ineficientes. Assim, o objetivo do Antitruste deixaria de ser o consumer welfare para ser o corporate welfare.
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&nbsp;</td>
<td width="283">Não é verdade. A proteção do processo competitivo não envolve a proteção do ineficiente, mas tão somente a do processo pelo qual deve ganhar o que tem mais mérito e não aquele que tem mais poder e pode dele abusar por meio de estratégias anticompetitivas. Sob esse prisma, é Chicago que acaba assegurando o corporate welfare, ainda que procure disfarçar tal propósito, sob o fundamento de que busca o bem estar do consumidor.</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Dessa maneira, fica muito claro que, além das evidências empíricas trazidas nos primeiros artigos da série, também não há argumentos sólidos que impeçam o projeto de se construir um Antitruste mais consentâneo com a realidade do século XXI, como se continuará a desenvolver no próximo artigo da série.
<hr />
O Sem Precedentes desta semana analisa <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/bolsonaro-indica-kassio-nunes-stf-01102020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">surpreendente indicação</a> de Kassio Nunes Marques, hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), para o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>). Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=6UbopF1SKqA&amp;feature=emb_title
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FOX, Eleanor M. Post-Chicago, post-Seattle and the dilemma of globalization. In: CUCINOTTA, Antonio; PARDOLESI, Roberto; BERGH, Roger van dan. Post-Chicago Developments in Antitrust Law. Cornwall: Edward Elgar, 2002, p. 78.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> The Great Reversal. How America gave up on free markets. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University, 2019.

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JOTA

A necessária revisão dos parâmetros do Direito Antitruste como imperativo para a preservação da própria economia de mercado

Um Direito Antitruste para o século XXI

Artigo tem por objetivo analisar o equívoco não somente de limitar o Direito Antitruste à maximização do bem estar do consumidor, como de associar este objetivo aos critérios de eficiência.