Opinião e Análise

Ana Frazão

Pela lei da oferta e da demanda, sempre que há aumento do preço do produto ou serviço ofertado, haverá uma diminuição da demanda. Tal raciocínio, aplicado aos mercados de trabalho, leva à conclusão de que o aumento do salário mínimo geraria necessariamente a diminuição da oferta de emprego.
Por parecer óbvia e auto-evidente, a conclusão tem sido utilizada há bastante tempo pelos defensores do livre mercado para justificar a desregulação dos mercados de trabalho. O grande argumento é que a regulação em favor do salário mínimo seria ineficiente ou disfuncional, pois, a pretexto de proteger o empregado, teria como resultado efetivo o aumento do desemprego. Trata-se da postura traduzida no mantra tantas vezes repetido pela atual equipe econômica do governo: “mais direitos, menos emprego”.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Ocorre que recentes pesquisas empíricas têm demonstrado que a realidade é bem mais complexa do que supõem os defensores da desregulação do mercado de trabalho e que o aumento do salário mínimo não necessariamente leva ao aumento do desemprego.
Em colunas anteriores, eu já havia tido a oportunidade de tratar de alguns desses estudos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, assim como de apontar obras recentes de economistas que, a exemplo de Heather Boushey<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, têm demonstrado que pesquisas empíricas mais atuais afastam a correlação necessária entre aumento do salário mínimo e aumento do desemprego.
Mais do que isso, estudos recentes têm realçado também os benefícios que decorrem da majoração do salário mínimo, incluindo o efeito multiplicador que o aumento do poder de demanda dos empregados – especialmente daqueles que têm salários mais baixos e que, exatamente por isso, tendem a consumir tudo o que ganham - gera para a economia.
Sobre o tema, vale mencionar o interessante estudo Impacts of minimum wages: review of the international evidence, de Anridrajit Dube<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, em que se buscou analisar o resultado de mais de 50 recentes pesquisas empíricas sobre o assunto. A conclusão do autor foi a de que as evidências são no sentido de que há poucos impactos – ou mesmo nenhum impacto – do aumento do salário mínimo na diminuição dos empregos, especialmente dos empregos com salários mais baixos.
Mais do que isso, Dube realça uma premissa comumente ignorada pelos defensores da aplicação linear da lei da oferta e da demanda aos mercados de trabalho: a circunstância de que dificilmente há concorrência em tais mercados – especialmente nos mercados relacionados aos trabalhadores pouco qualificados -, de forma que o valor do salário não decorre propriamente da interação entre a lei da oferta e da demanda em um ambiente competitivo. Pelo contrário, o valor do salário é usualmente imposto pelo empregador, o que fica ainda mais evidente nas situações de monopsônio.
Outro ponto importante, igualmente salientado por Dube, é que, ainda que houvesse perdas de empregos, haver-se-ia que sopesar tais efeitos diante dos inúmeros benefícios decorrentes do aumento de salário mínimo, o que exigiria também uma cuidadosa análise empírica para se avaliar se a política deveria ou não ser adotada.
Dessa forma, qualquer que seja o ângulo pelo qual a questão seja analisada, a mensagem principal é a de que não se pode aplicar linearmente postulados abstratos e universais da teoria econômica em mercados não competitivos, sem analisar efetivamente as evidências empíricas a respeito dos resultados de tais postulados.
A questão é retomada na interessante reportagem da The Economist, publicada no ano passado, cujo sugestivo título já anuncia a necessidade de que o tema seja revisto: Raising the floor. What harm do minimum wages do? Three decades of research have led to a rethink<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A reportagem começa apontando que, por um longo período, os economistas – cuja média de renda, de acordo com a American Economic Association (AEA), é de $ 104.000 por ano – consideraram o salário mínimo como uma prática prejudicial. Nesse sentido, pesquisa realizada entre os membros da AEA em 1992 mostrou que 79% dos entrevistados consideravam que o salário mínimo aumentava o desemprego entre os empregados jovens e pouco qualificados. Em muitos casos, as razões eram pragmáticas: o pagamento baixo é um problema real, mas a ausência de pagamento é pior.
Segundo a reportagem, esse tipo de pensamento não ficou restrito ao círculo dos economistas, mas passou a ser central para a implementação de políticas públicas no setor. Daí a explicação para o fato de Ronald Reagan não ter aumentado o valor do salário mínimo nenhuma vez durante os oito anos em que ocupou a presidência dos Estados Unidos.
Entretanto, esse cenário está gradativamente sendo modificado a partir de várias pesquisas empíricas. Como exemplo, a reportagem cita o famoso estudo de David Card e Alan Krueger, no qual tiveram a oportunidade de fazer uma comparação entre dois estados norte-americanos vizinhos que adotaram diferentes políticas de salários mínimos em 1992: New Jersey, que aumentou o valor mínimo da hora de $ 4,25 para $5,05, e Pennsylvania, que manteve o valor em $4,25.
Tendo por foco o mercado de restaurantes fast food, porque se trata de setor homogêneo que emprega trabalhadores pouco qualificados, o que os autores constataram é que é que o aumento do salário mínimo não levou à perda de empregos em New Jersey nem afetou a abertura de novos restaurantes.
Não é sem razão que o livro dos autores Myth and Measurement, publicado em 1995, foi capaz de modificar muitas mentes: em 2000, somente 46% dos economistas da AEA estavam certos de que o salário mínimo aumentaria o desemprego entre as pessoas mais jovens e pouco qualificadas, contra 79% que defendiam tal posição em 1992.
A reportagem também pontua que, ao longo dos últimos anos, o que o crescente corpo de pesquisas sobre o assunto vem demonstrando é que uma consideração-chave para o problema diz respeito ao poder dos empregadores.
Com efeito, ainda que estivesse correta a premissa de que o mercado fixa os valores da contribuição marginal de cada um para a economia, esta apenas poderia funcionar em um mercado competitivo. O problema é que, no mundo real, nem as empresas sabem o quanto cada trabalhador contribui para o seu faturamento nem há concorrência nos mercados de trabalho, o que faz com que as empresas provavelmente paguem a seus trabalhadores menos do que seria a sua suposta contribuição marginal.
Dessa maneira, não há como se analisar os mercados de trabalho por meio da abstração do poder de barganha e mesmo do poder de monopsônio ou oligopsônio por parte dos empregadores.
Sob essa perspectiva, adverte a The Economist que o objetivo do salário mínimo não seria propriamente desafiar a lógica do mercado, mas simplesmente impedir as grandes empresas possam estrangular seus empregados.
Em outras palavras, especialmente nos casos de monopsônio, a ideia do salário mínimo é tentar neutralizar a pressão indevida que o monopsonista faz para artificialmente abaixar o valor dos salários dos seus empregados, para aquém daquele valor que seria esperado em um mercado efetivamente competitivo.
É claro que o afastamento da correlação necessária entre aumento do salário mínimo e aumento do desemprego não leva à conclusão oposta, ou seja, de que o aumento do salário mínimo é sempre bom, nem desconhece que pode haver eventuais efeitos negativos. Iniciam-se aí, é certo, importantes discussões, que certamente envolverão analisar (i) os níveis adequados de fixação e reajuste do salário mínimo para que possa produzir efeitos positivos, (ii) quem “pagará” pela fixação ou pelo aumento do salário mínimo – se haverá o repasse aos consumidores ou se as empresas poderão suportar por meio da diminuição das margens; e (iii) em que medida o referido pagamento, apesar dos seus custos, é justificável diante dos benefícios gerados não apenas para os trabalhadores, mas também para a economia como um todo.
Daí a interessante conclusão da reportagem da The Economist: “Economists no longer think that higher minimum wages are always bad. But that is not the same as saying they are always good.”
Por essas razões, o debate atual sobre o salário mínimo tem importância por enfatizar duas conclusões, que transcendem os mercados de trabalho e se aplicam a todos os mercados. Em primeiro lugar, a discussão revela o relevantíssimo papel da competição na análise de qualquer mercado. Afinal, as teorias econômicas não podem ser aplicadas a partir da premissa da concorrência perfeita. Pelo contrário, como bem sintetiza a The Economist, a partir do momento em que se introduzem preocupações concorrenciais nos mercados de trabalho, o debate sobre o salário mínimo tende a ter mais nuances e passa a depender de evidências empíricas.
Em segundo lugar, a discussão sobre o salário mínimo evidencia a importância de se ter muito cuidado com as falsas obviedades ou as conclusões de senso comum, que podem ser lógicas na teoria, mas muitas vezes estão descoladas da realidade.
Tais conclusões reforçam, portanto, que a ciência econômica não é uma ciência exata, composta por leis naturais e que funcionam sempre da mesma maneira. Pelo contrário, diante de uma realidade cada vez mais complexa, temos que abandonar nossa tendência em nos amparar nas soluções mais fáceis e normalmente equivocadas.
Discussões complexas, como a da necessidade da existência ou do aumento do salário mínimo, não podem ser travadas sem a consideração de evidências que mapeiem os seus efeitos no mundo real e sem a consideração de todos os efeitos de tais políticas – não só os negativos, mas também os positivos -, a fim de evitar análises parciais, enviesadas e distorcidas.
Ainda há toda a necessidade de se costurar a análise econômica com a racionalidade jurídica, traduzida nas regras e princípios, especialmente no que diz respeito à necessária observância da ordem econômica constitucional. Afinal, quando se trata de assegurar o direito à sobrevivência digna, que é um dos objetivos fundamentais do salário mínimo, é inequívoco que o raciocínio econômico não pode ser o único a ser levado em consideração.
Consequentemente, a grande contribuição das atuais discussões sobre o salário mínimo é de mostrarem o quanto precisamos ficar atentos e cuidadosos no exame das conclusões econômicas que embasam as políticas regulatórias e o quanto é necessário conciliá-las com a observância das regras e dos princípios jurídicos.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Ver Ana Frazão. Desregulação do mercado de trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas. Partes I, II e III. Jota. https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/desregulacao-do-mercado-de-trabalho-e-flexibilizacao-dos-direitos-trabalhistas.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Unbound: How inequality constricts our economy and what we can do about it. Cambridge: Harvard University Press, 2019.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> http://digamoo.free.fr/dube1119.pdf
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> https://www.economist.com/schools-brief/2020/08/15/what-harm-do-minimum-wages-do.

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JOTA

Efeitos do aumento do salário mínimo e a necessidade de se evitar conclusões apressadas

Diálogo entre Direito e Economia

Efeitos do aumento do salário mínimo e a necessidade de se evitar conclusões apressadas