Opinião e Análise

Rafael de Alencar Araripe Carneiro

Juliano Stanzani

O avanço tecnológico na exploração das redes em infraestrutura, como se observa no setor de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/telecomunicacoes">telecomunicações</a>, tem proporcionado o surgimento de negócios disruptivos, que desafiam o mercado e o modelo de regulação tradicional por comando-controle. Algumas dessas mudanças são evidenciadas pela possibilidade de desgaste, obsolescência ou irrelevância do quadro regulatório tradicional, que se preocupa com inúmeros fins (segurança, qualidade, relação de consumo). De fato, a velocidade e o alcance global do ecossistema digital possibilitam aos novos empreendimentos o acesso ao mercado consumidor sem reconhecer fronteiras ou peculiaridades nacionais.
Entretanto, a despeito das finalidades sociais que almejam produzir, as regulações setoriais podem provocar barreiras a novos entrantes e efeitos adversos às soluções inovadoras, conforme já observado na teoria da Public Choice. Isso ocorre porque ao positivar um sem número de questões, muitas vezes atreladas aos modelos de negócios já estabelecidos, a regulação mais tradicionalista funciona como vetor de entrave à concorrência, ao invés de impulsioná-la.
Nesse cenário, é certo que uma postura regulatória restritivo-legalista será causa de enfrentamentos entre a regra positivada e as novas soluções. O início do WhatsApp e do streaming dos canais de TV exemplificam bem esse dilema, que pode resultar em insegurança jurídica, atraso no desenvolvimento e insatisfação social.
Visando a não engessar o sistema regulatório, têm se disseminado mundo afora, e aqui no Brasil, ferramentas com lastro na concepção experimental de inovações regulatórias (regulatory sandbox). Esse fenômeno, cuja origem remete à atuação da administração pública inglesa no sistema financeiro nos idos de 2016, permite que ações que aparentemente poderiam contrariar à primeira vista determinadas regras sejam autorizadas e testadas por certo período, a fim de avaliar o seu efetivo êxito.
Com a suspensão temporária de regras, o regulador consegue aquilatar, a partir não apenas de base teórica, mas também da experimentação, se é o caso de privilegiar o status quo ou a inovação. Ademais, o regime de sandbox dá ao empreendedor e ao investidor boa margem de segurança jurídica sobre a possibilidade de apostar em sua proposta de negócio. Por tabela, essa ferramenta previne o desgaste da interface entre regulação setorial e a defesa da concorrência, vez que afasta provisoriamente o cumprimento de regras que possam estar dificultando a operação de novos competidores.
Pesquisa divulgada em 2020 pelo Banco Mundial apontou que ao menos 57 países adotam a prática do sandbox regulatório. Além disso, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os setores de energia elétrica e gás no Reino Unido já aderiram a experiências com esse novo regime regulatório. As autoridades britânicas, por exemplo, abriram em 2021 consulta pública para ouvir os players interessados no setor de transportes a fim de identificar como o uso da tecnologia pode revolucionar os transportes e quais reformas normativas são necessárias para desonerar o setor a fim de gerar segurança jurídica e inovação.
O setor de desenvolvimento sustentável na Holanda e o de telecomunicações na Colômbia também aderiram a experiências com sandbox regulatório. Em junho de 2022, o regulador francês do setor de telecomunicações (Arcep) anunciou a pretensão de implantar sua bac à sable réglementaire. A prática tem sido endossada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ocde">OCDE</a>), a qual reconhece vantagens para a inovação, além da mitigação de riscos em setores como finanças, transportes e energia elétrica.
No Brasil, a discussão vem avançando. De 2018 para cá, apenas no JOTA, foram publicados ao menos 99 textos sobre <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sandbox-regulatorio">sandbox regulatório</a>. Autoridades brasileiras responsáveis por mercados do setor financeiro iniciaram a regulamentação de seus sandboxes ainda em 2020, como são os casos do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a>, da Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) e da Superintendência de Seguros Privados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/susep">Susep</a>). Essas instituições, inclusive, já realizaram pelo menos uma rodada de seleção de projetos.
Ainda em 2020, a Agência Nacional de Telecomunicações (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anatel">Anatel</a>) publicou consulta pública acerca de melhorias regulatórias, na qual fez constar a hipótese de se adotar o regime de regulatory sandbox. Em 2021, a Agência Nacional de Energia Elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>) aprovou o uso de regulatory sandbox em métodos alternativos de tarifação.
Para além dos casos referidos, importante marco foi a edição da <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-182-de-1-de-junho-de-2021-323558527">Lei Complementar 182/2021</a>, que consagrou a possibilidade de emprego do regulatory sandbox pelos órgãos responsáveis por regulamentar setores econômicos. De igual modo, a Instrução Normativa nº 97/2020 do Ministério da Economia, ao regulamentar o artigo 4º, IV, da Lei de Liberdade Econômica, elenca as barreiras à adoção ao sandbox regulatório como uma das hipóteses de abuso de poder regulatório (geração de enunciado anticompetitivos).
Do exposto, nota-se que a adoção do sandbox regulatório serve como importante ferramenta alternativa à regulação tradicional do setor de infraestrutura, porquanto possibilita o fortalecimento da contestabilidade de mercados em que novos entrantes tradicionalmente apresentam dificuldades de superar. Assim, a suspensão temporária das regras pode estimular a inovação tecnológica ao tempo em que também propicia um ambiente de concorrência mais efetivo. Trata-se, além disso, de boa incitação para autoridades de setores que se depararam com recentes alterações regulatórias, como é o caso do saneamento e da cabotagem.

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JOTA

Suspensão temporária de regras pode incentivar inovação tecnológica e concorrência mais efetiva

Sandboxes regulatórios estimulam inovação e competitividade na infraestrutura

Suspensão temporária de regras com o sandbox regulatório pode incentivar inovação tecnológica e concorrência mais efetiva