Opinião e Análise

Gilvandro Araújo

Rafael de Alencar Araripe Carneiro

Beatriz Watanabe Silva

Não só a contratação regulada (ACR) e a contratação livre (ACL) têm trazido desafios interpretativos para a Agência Nacional de Energia Elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>). A contratação de energia de reserva também entrou no rol dos embates sobre as possíveis mitigações às obrigações dos concessionários. Explicamos.
Os contratos de reserva são projetos de fontes eólica, solar fotovoltaica e termelétrica a óleo diesel, a óleo combustível, a biomassa e a gás natural com conexão nos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul para suprimento de maio de 2022 a dezembro de 2025.
O fato é que grande parte dos contratos firmados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e os concessionários atrasou. A CCEE tem defendido que a matriz de risco das concessionárias encerrava obrigações peremptórias de resultado que dificilmente seriam relativizadas por eventos de caso fortuito ou força maior. As concessionárias, por seu turno, apontam ter sido impossível cumprir os cronogramas estabelecidos: invocaram a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/covid-19">Covid-19</a>, atrasos nos licenciamentos ambientais, demora na própria agência para deliberar sobre temas essenciais ao cumprimento das obrigações. Em suma: a velha disputa entre a força dos pactos e a revisão de obrigações diante da imprevisibilidade.
A lógica é essencialmente interpretativa. Isso porque o art. 19, caput e parágrafo único, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13360.htm">Lei 13.360/2016</a> permite a apresentação de “eventos caracterizados como caso fortuito ou força maior” para reorganização dos cronogramas. Esses eventos podem ser reconhecidos como excludentes de responsabilidade. Caso aceitos, por exemplo, torna-se factível a recomposição de prazo para a entrada em operação comercial, ou mesmo a postergação da obrigação de fornecimento de energia. Evita-se, também, a aplicação de multas ou outros tipos de sanções, como a proibição de contratar com o poder público por tempo determinado.
Os aspectos que parecem lastrear as decisões da agência reforçam o princípio que os contratos devem ser cumpridos. Tal preceito ancora-se na matriz de risco dos concessionários, que assegura quase uma responsabilidade objetiva integral.
Há de se refletir, todavia, até que ponto esse viés interpretativo encontra lastro na atual legislação e jurisprudência. Afinal, cada vez mais nos parece que a segurança jurídica precisa estar ladeada da eficiência na decisão de reguladores.
Do ponto de vista legal, a Lei 13.655/2018 inseriu os artigos 20 a 30 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm">LINDB - Decreto-Lei nº 4.657/1942</a>). São “instrumentos para que a segurança jurídica e a eficiência sejam viabilizadas pela atuação dos próprios órgãos de controle público” (Carlos Ari Sundfeld - “A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e sua renovação”).
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">Tribunal de Contas da União</a> manifestou-se recentemente que algumas variáveis podem ser observadas ao avaliar a interpretação dos contratos (ACÓRDÃO Nº 1708/2022 – TCU – Plenário). A existência de estudo técnico por terceiros que apontem a vantajosidade da operação, considerando tempo e investimentos despendidos; relevância do empreendimento; externalidades que afetem a relação de trabalho, a economia e o meio ambiente. E, naturalmente, o impacto de judicialização, comprometendo, inclusive, a prestação do serviço. A Corte de Contas atestou que não é prudente interferir na solução vislumbrada pelo ministério para a continuidade do empreendimento, sem prejuízo de que a unidade técnica responsável acompanhe os desdobramentos e a regularidade das medidas adotadas.
A relevância dessa decisão é mostrar que não se pode avaliar as obrigações de forma abstrata, prescindindo-se das consequências da decisão e objetivos do contrato.
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>, ao julgar a ADI 2946/DF, que abordou a transferência subjetiva das concessões, também invocou que a imposição de sanções administrativas deve observar o princípio da proporcionalidade, atentando para a gravidade da conduta perpetrada e suas consequências. Aliás, forçoso reconhecer que os contratos devem ser integrados pela avaliação do momento que implicou o pretenso inadimplemento, circunstâncias que demonstrem a empatia extraída da boa-fé objetiva das partes, da cooperação e a transparência na ação empresarial.
Nesse sentido, parece um bom horizonte interpretativo a exclusão do formalismo que gera atribuição de responsabilidade objetiva às fornecedoras e produtoras de energia. Ao não se contemplar dificuldade oriundas do poder público em todas as unidades federativas (através de licenças ambientais, tempo de avaliação de requerimentos pela própria agência), restringe-se o apetite competitivo para o futuro.
O conceito de interesse público, sempre invocado nas decisões administrativas, deve cada vez mais confrontar as circunstâncias procedimentais e materiais relacionadas às obrigações contratuais, viabilizando uma solução que garanta um ambiente regulatório equilibrado.

icms

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Contratação de energia de reserva tem suscitado embates sobre mitigações às obrigações dos concessionários

Energia de reserva e reserva interpretativa

A contratação de energia de reserva tem suscitado embates sobre mitigações às obrigações dos concessionários