Opinião e Análise

Davi Tangerino

Os acontecimentos do dia 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes, tristemente falam por si. O noticiário oscilava na denominação dos arruaceiros: radicais? golpistas? terroristas?
Antes de uma análise mais jurídico-penal, convém lembrar que o Direito confere sentido técnico a determinados vocábulos, mas não tem o monopólio das palavras. Quem se levanta em silêncio do assento do ônibus porque ao seu lado se sentou uma pessoa negra, age de modo racista, mas não comete o crime de racismo. Da mesma forma, chamar de terrorista uma turba que invade prédios públicos, os depreda, dele furta bens públicos e neles defeca é perfeitamente possível e socialmente preciso.
Do ponto de vista técnico-jurídico, porém, não é terrorismo. O crime é definido na Lei n. 13.260/16 como uma prática de um conjunto de atos descritos nos incisos, desde que presentes: (i) razões de xenofobia, discriminação ou preconceito, de raça, cor, etnia e religião (o porquê do crime); (ii) e com a finalidade de provocar terror social ou generalizado (o para quê do crime); (iii) desde que exponha a perigo pessoa, patrimônio, paz pública ou a incolumidade pública. 
Parece claro que a razão dos crimes de 8 de janeiro é política, ainda que subjacente à ideologia da extrema-direita haja um marcado racismo, sem falar na cruzada anti-católica empreendida por parte dela. Todavia, esse não era o ponto do dia 8: era causar comoção social que, por via de uma compreensão tão particular quanto equivocada do artigo 142 da Constituição Federal, levasse à destituição do presidente eleito.
Há, porém, um tipo penal específico para essa conduta: o art. 359-M criminaliza, com reclusão de 4 a 12 anos, sem prejuízo do concurso com outros delitos, quem tenta depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
Surge então, uma pergunta óbvia: e quem não depredou nada e sequer entrou nos prédios? Ou, ainda, e a turma que estava acampada?
É preciso, antes, enfrentar outra pergunta: se organizar publicamente, ocupando espaços públicos, demandando a destituição de presidente legitimamente eleito, por meio de intervenção militar, é crime?
Entendo que sim, mais precisamente o de incitação, seja na forma do caput do art. 286, do Código Penal, “incitar, publicamente, a prática de crime”, seja no parágrafo único, já que “incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas com os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”. A pena é de detenção, de três a seis meses, ou multa, que poderá ser aumentada da metade, se houver prova de que o resultado mais grave era previsível (art. 29, § 2o, CP).
Ausente, nesses casos, violência ou grave ameaça, em que pese o esperado de alguém que discordasse dos rumos do movimento seria que deixasse a manifestação, entendo que não há tipicidade para o art. 359-M.
Não se pode descartar que também entre em cena o tipo de organização criminosa, desde que outros atos de vandalismo, e com o mesmo objetivo – 12 de dezembro, em Brasília; atentado a bomba frustrado, no final de dezembro, em Brasília; sabotagem de torres de transmissão de energia, em janeiro –, guardem relação interna, ou seja, tenham autores mediatos comuns.
Basta que haja ao menos quatro pessoas, agindo de modo estruturado, já que o requisito da pena mínima dos crimes praticados pela organização, quatro anos, está cumprido, bem assim a finalidade de obter “vantagem de qualquer natureza”.
Aqui entram em cena os sujeitos por trás da turba, notadamente os financiadores.
Não há maiores dificuldades de enquadrar o financiador como autor mediato do crime do art. 359-M, e mesmo de incitação, pelas regras de autoria do Código Penal, considerando-se apenas o que aconteceu em 8 de janeiro.
A longa permanência dos acampados, sempre nutridos fartamente com churrasco, alojados em tendas alugadas, o frete de uma centena de ônibus, explosivos etc. sugerem não só que houve financiamento, como uma coordenação continuada desse fluxo de dinheiro. Esse é o germe para a configuração de organização criminosa.
E é esse front que poderá associar a família Bolsonaro, não apenas como incitadores, se o caso, porém como integrantes da organização, desde que se mostre, claro, papel na coordenação do todo. 
Não é diferente a tipificação dos agentes de segurança pública que se omitiram diante da turba terrorista.
Os policiais militares no Distrito Federal, a polícia legislativa do Senado, e a Guarda Presidencial têm um específico dever de zelar pela integridade dos Palácios dos Três Poderes, bem como do pessoal que nele exerce suas funções. Logo, têm o dever de agir quando se concretiza um risco iminente a esses bens jurídicos sob sua guarda, proteção e vigilância. 
A decisão dolosa de deixar de exercer tal dever os coloca como responsáveis criminais do evento, na modalidade omissiva imprópria. Trocando em miúdos: respondem, ao lado da turba, pelo art. 359-M.
Se, todavia, e isso se torna mais plausível para as posições hierárquicas superiores, o planejamento dolosamente falho, insuficiente, da segurança tenha se dado de maneira alinhada aos financiadores e incitadores – controladores do “todo” – tornam-se também agentes da organização criminosa.
Por fim, os crimes de dano, lesão corporal, furto qualificado (inclusive de armas de fogo) e outros que tenham sido cometidos quando do ataque não ficam absorvidos pelo art. 359-M, ou seja, serão punidos em concurso. 
Entendo haver uma exceção: como a omissão imprópria dos agentes de segurança se dá precisamente pela quebra de dever funcional, entendo que a prevaricação, nesse caso, fica absorvida pelo delito-fim.
Encerro com um pequeno exercício de futurologia: o Supremo Tribunal Federal, fazendo malabarismos com normas internacionais, integrando o tipo contra legem, deverá enquadrar os atos do dia 8 de janeiro como terrorismo, em interpretação contra o acusado, vedada no Direito Penal. Será mais um erro do Tribunal na constituição ativa de normas incriminadoras.

atos golpistas

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JOTA

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