Opinião e Análise

Davi Tangerino

Inicia amanhã o julgamento virtual da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5729 no Supremo Tribunal Federal (STF) em se impugna o art. 7º, §§ 1º e 2º da Lei n. 13.524/2016, que criou o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Popularmente, vem sendo chamada de Lei de Repatriação de Ativos.
Essas normas submetem a Declaração de Regularização Cambial e Tributária (DERCAT) às regras do sigilo bancário (§ 1º.) e veda o compartilhamento das informações prestadas pelos declarantes com as Unidades da Federação (UF) e Municípios, tanto por parte da Receita Federal do Brasil (RFB), como pelos demais órgãos públicos intervenientes no RERCT.
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A opção legislativa foi clara em criar um guichê único para centralizar a operacionalização de uma lei de anistia, tanto tributária, como penal.
No campo penal, criou uma hipótese transitória de extinção da punibilidade tanto para os crimes tributários (omissão de receita, mediante fraude) e evasão de divisas (na modalidade não declarar), como para alguns delitos antecedentes, que podem ser divididos entre (i) geradores da riqueza omitida (crimes tributários e previdenciário, com exclusão do descaminho); (ii) meio para a remessa ao exterior - evasão de divisas (na modalidade envio); (iii) meio para ocultação dessa riqueza - lavagem de capitais; e (iv) os crimes-meio para esses delitos (delitos de falsidade do Código Penal).
Assim, para além de a riqueza omitida ter sido gerada apenas pela lista de crimes definidos em lei (excluído, portanto, o patrimônio obtido por meio de corrupção, tráfico etc.) a extinção se alcançaria por meio da declaração precisa e detalhada desses bens, com apoio documental quanto à existência e valor efetivo, e o pagamento de 15%, com multa de 100%, a título de acréscimo patrimonial.
Cuidou-se de clara medida de política criminal, e fiscal, em que os benefícios do incremento da transparência, da pretensão arrecadatória estatal e pela expectativa de parte dessa riqueza reingressasse na economia brasileira recomendariam abrir mão de criminalizar esses contribuintes.
E por que um guichê único?
Arrisco que o decisivo foram segurança e previsibilidade, haja vista a baixa confiabilidade do Estado brasileiro. Assim, é um estímulo à adesão que as informações prestadas ficassem confiadas, em princípio, apenas à RFB.
Esse desenho, todavia, gera dois ruídos previsíveis: primeiro, a pretensão arrecadatória das UF e dos Municípios que, arrisco afirmar, se resolve por meio do art. 6º, § 1º, que determina que a arrecadação com o programa seja compartilhada na forma da Constituição Federal (CF).
O segundo seria o uso do RERCT como verdadeiro branqueador de capitais eventualmente gerados por outros crimes não perdoados pela anistia. Entendo que o antídoto esteja na própria lei de repatriação.
O art. 6º da Lei deve ser lido em conjunto com o art. 4º, § 12, que determina que a DERCAT não poderá ser utilizada como (i) indício ou elemento único para fins de expediente investigatório ou procedimento criminal; e (ii) para fundamentar procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos nela constantes.
<blockquote class="jota-article__eye">Ao sujeitar a DERCAT ao sigilo fiscal, ao contrário de proibir o acesso do Estado-Punitivo às informações, permite-o expressamente, condicionado a decisão judicial, mediante indícios de prática de crimes.</blockquote>
Logo, a lei não criou um sistema indevassável, porém apenas restringiu o compartilhamento espontâneo, podendo, porém, os órgãos de persecução provocar o Judiciário para obtê-las. Uma acomodação razoável dos interesses em jogo.
O que aconteceria se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que a norma é inconstitucional?
Oficializaria uma odiosa pegadinha estatal, que pode e deve ser mitigada por dois vetores.
Primeiro, o art. 4º, § 12, não é objeto de impugnação da ADI, de sorte que ainda estaria hígida a vedação a investigações tendo como indício ou elemento único a adesão ao RERCT.
Segundo, caso o art. 4º, § 12 caia “por arrastamento”, é preciso reafirmar o ônus da prova à acusação.
Não se pode ignorar que a prova de origem dos recursos regularizados é, na melhor das hipóteses, escassa, por diversas razões: são bens que vem sendo transmitidos há muitas décadas; ou bens que foram remetidos ao exterior por doleiros e que, por definição, não deixaram rastros; tal como a riqueza gerada por Caixa 2.
Em resumo, a Lei de Repatriação, como em qualquer anistia, buscou um ponto ótimo entre os ganhos estatais e as perdas punitivas. A confiabilidade e previsibilidade do programa – em um Estado pouco confiável – contava com o guichê único, na RFB, a quem incumbiria a fiscalização das declarações, sem compartilhamento espontâneo. A investigação por crimes sempre foi possível, com decisão judicial, desde que não amparada apenas no fato de alguém ter aderido ao programa. Caso o STF declare a inconstitucionalidade, é preciso enfrentar o art. 4º, § 12; se também essa norma desaparecer, é preciso ao menos reafirmar, com clareza, o ônus ministerial em desafiar a origem dos bens declarados.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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JOTA

A opção legislativa foi clara em criar um guichê único para centralizar a operacionalização de uma lei de anistia

STF: ADI 5729 e o cenário criminal do julgamento da Lei de Repatriação de Ativos

A opção legislativa foi clara em criar um guichê único para centralizar a operacionalização de uma lei de anistia