Opinião e Análise

Davi Tangerino

O <a href="https://senadofederal-my.sharepoint.com/personal/cpipandemia_arquivos_senado_leg_br/_layouts/15/onedrive.aspx?id=%2Fpersonal%2Fcpipandemia%5Farquivos%5Fsenado%5Fleg%5Fbr%2FDocuments%2FRelat%C3%B3rio%20Final%2FRelatorio%5FFinal%5Faprovado%2Epdf&amp;parent=%2Fpersonal%2Fcpipandemia%5Farquivos%5Fsenado%5Fleg%5Fbr%2FDocuments%2FRelat%C3%B3rio%20Final&amp;originalPath=aHR0cHM6Ly9zZW5hZG9mZWRlcmFsLW15LnNoYXJlcG9pbnQuY29tLzpiOi9nL3BlcnNvbmFsL2NwaXBhbmRlbWlhX2FycXVpdm9zX3NlbmFkb19sZWdfYnIvRVVUUjR6Ulo4VlJOcFRtcHBNZ0p5THNCaUdtUXhJV29xM2JvUGF0X2ZnODNDUT9ydGltZT15aGdpOVhhWjJVZw">relatório da CPI da Covid</a> organizou-se a partir de um conjunto de fatos, que ocupam as primeiras 936 páginas do documento:
<ul>
<li>Gabinete paralelo;</li>
<li>Imunidade de rebanho;</li>
<li>Tratamento precoce, incluindo Tratecov;</li>
<li>Oposição às medidas não farmacológicas;</li>
<li>Falsa alegação de supernotificação por Covid-19;</li>
<li>Recusa e atraso na aquisição de vacinas;</li>
<li>Crise do estado do Amazonas e falta de coordenação do governo federal;</li>
<li>O caso Covaxin;</li>
<li>Hospitais federais do Rio de Janeiro;</li>
<li>Caso VTCLog;</li>
<li>Análise orçamentária da pandemia no Brasil, incluindo gastos com cloroquina;</li>
<li>Indígenas;</li>
<li>Impactos da pandemia sobre as mulheres, a população negra e os quilombolas;</li>
<li>Desinformação na pandemia (fake news);</li>
<li>Prevent Senior.</li>
</ul>
O tratamento jurídico desses fatos se inicia no item 11, página 937.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
O ponto de partida é a figura da omissão penalmente relevante, cf. art. 13, § 2º, do Código Penal (CP). Os crimes omissivos contam com um agente particular, chamado de garante ou garantidor, a quem tem a priori um dever de cuidado, proteção ou vigilância diante de determinados bens jurídicos, estabelecido por lei, pela assunção ou pela ingerência (criação de risco anterior).
Há quem denomine essa posição a priori de obrigado, merecendo apenas a condição de garantidor quando se corporifique um risco atual ou iminente ao bem jurídico, ou seja, quando surge o dever concreto de agir para evitar o resultado típico. Como na imputação comissiva, só se pode falar em dever de agir quando há a possibilidade concreta de realização da conduta mandada.
No campo do dolo, o omitente sabe, no limite da certeza, que sua abstenção gerará o resultado típico e, mesmo assim, permanece inerte.
Depois de algumas curtas incursões na imputação objetiva e subjetiva, no que interessa ao artigo, chega-se ao debate quanto às figuras típicas.
Seria possível responsabilizar o presidente da República pelas mortes desnecessárias por Covid-19, assim entendidas aquelas que superaram a quantidade mínima que eram inevitáveis mesmo com a adoção de políticas públicas de isolamento social, robustecimento da rede de saúde para os infectados e aquisição célere de vacinas?
O primeiro e mais óbvio caminho seria o crime de homicídio.
Aplicação ao presidente, como visto, dependeria de considerá-lo garantidor da vida de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Assim, diante do perigo atual iminente, teria o dever de agir para evitar o resultado para cada uma dessas pessoas. Por fim, como o tipo diz “matar alguém”, seria preciso apontar nexo de causalidade com aquelas vítimas determinadas que tiveram a vida ceifada pelo Covid-19 a partir da omissão presidencial.
Jair Bolsonaro não é garantidor da vida concretamente considerada de todos os brasileiros, por impossível. Tampouco seríamos capazes de apontar quem morreu desnecessariamente, e quem fatalmente entraria na conta mínima de mortos.
Diferente é caminho do crime de epidemia com resultado morte.
O artigo 267 do CP criminaliza “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”, com pena de reclusão de 10 a 15 anos.
Crime de baixíssima aplicação, mereceu pouca atenção da doutrina, que no mais das vezes centra a atenção naquele que deu o passo primeiro, isto é, deflagrou a epidemia. Isso porque tomam o núcleo do crime como causar e lhe emprestam um sentido semanticamente restrito.
Causar, todavia, é verbo que empresta pouco sentido ao tipo. Matar é causar a morte; furtar é causar a subtração de coisa alheia móvel, para si outra outrem, sem violência ou grave ameaça etc. Causa, aliás, é definida pelo próprio Código Penal como aquele evento que, se mentalmente suprimido, deixa de permitir a ocorrência do resultado.
Vejamos, pois, como se trata aquela contribuição posterior à conduta primeira, quando o resultado é passível de agravamento.
Se Caio desfere três tiros em região letal de Tício, e Mévio adiciona outros três disparos, nas mesmas regiões, Caio e Mévio serão criminalizados por homicídio, salvo prova de que Tício já havia falecido antes dos tiros de Mévio.
A vida, porém, é um bem jurídico binomial – ou existe, ou não. Pensemos, pois, exemplo com bem jurídico que admite intensidade de ofensividade.
Se Caio picha o muro da residência de Tício, incide na figura dos crimes ambientais; se depois Mévio adiciona nova pichação, também ele comete o fato típico.
Logo, o sentido mais consentâneo do núcleo do crime de epidemia é o de propagar, formulado como causar mediante propagação. E propagar, à luz do bem jurídico saúde pública, admite níveis diferentes de ofensividade.
Uma interpretação excessivamente literal do tipo faria com que um cientista que criasse germe patogênico e o liberasse dentro do prédio do laboratório responderia pelo crime, ao passo que seu comparsa, que abrisse todos os ralos do prédio para que logo os germes ganhassem alcance territorial, não. Afinal de contas, apenas o cientista teria causado a epidemia. A adesão posterior, incrementando a ofensividade ao bem jurídico, é claramente causa da epidemia, tal como compreendida pela Parte Geral do Código Penal.
Chega-se, pois, à majorante em razão do resulto morte, que dobra a pena.
O artigo 19 do Código Penal impõe que o agravamento do crime pelo resultado que sua produção se dê ao menos culposamente. E, ao contrário do tipo de homicídio, não requer um “alguém”, isto é, uma vítima determinada.
Dito de outro modo: aplica-se a majorante sempre que o agente causador da epidemia pudesse prever que dela pudesse resultar morte de pessoas. É da própria natureza do agravamento pelo resultado culposo que não houvesse vítimas certas e determináveis, precisamente porque na imputação culposa não há um alinhamento entre a conduta e o resultado, porém uma postura negligente passível de gerar resultado previsível, no caso, a morte por Covid-19.
Chega-se, aqui, ao ponto faltante na análise: é passível construir na postura do presidente da República condutas que contribuíram para o agravamento da pandemia?
A resposta é claramente positiva.
De maneira comissiva, Bolsonaro fez campanhas diuturnas de remédios sem nenhuma comprovação na prevenção ou no tratamento da Covid-19, sendo tristemente célebre a foto que o captura perseguindo uma ema do Palácio da Alvorada com uma caixa desses remédios na mão; questionou a eficácia do uso de máscaras, deixando-a de usá-la em quase a totalidade de vezes que se deixou ver em público, retirando-a, inclusive, do rosto de criança a quem pegou no colo em aparição pública, quando não determinando que participantes de reuniões ou coletivas de imprensa as retirassem; da mesma forma, campanha pública contra as medidas de isolamento social; promoveu, por fim, incontáveis aglomerações desnecessária, na quase totalidade das vezes sem máscara.
Até o surgimento da vacina, a contenção da epidemia dependia apenas de duas medidas: isolamento social e uso de máscaras, ambas cabalmente boicotadas e a cujo boicote o presidente conclamou, reiteradamente, a população em geral. Há, ainda, diversas tomadas de decisão comissivas de enfraquecimento do aparelho de saúde, muito bem desenhados pela equipe da saúde pública liderada pela Profa. Deisy Ventura.
De maneira omissiva, isto é, no campo da decisão pela inação diante de periclitação da saúde pública, mesmo havendo medidas capazes de mitigar a ofensividade ao bem jurídico, a mais retumbante é, sem dúvida, o boicote à aquisição contemporânea de vacinas da Pfizer, ainda em final de 2020, com o quê, de maneira inquestionável, dezenas, senão centenas de milhares de vida teriam sido poupadas. Diversas outras omissões são apontadas no relatório da Profa. Ventura, a que remetemos o leitor.
Assim, há desenho típico claro para fins de epidemia com resultado morte imputável ao presidente da República, com pena entre 20 e 30 anos de reclusão.
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>

51631567031_4ffdabe77a_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Bolsonaro tomou atitudes que contribuíram para o agravamento da pandemia? A resposta é claramente positiva

Os crimes do presidente, parte I: Homicídio e epidemia com resultado morte

Bolsonaro tomou atitudes que contribuíram para o agravamento da pandemia? A resposta é claramente positiva