COLUNA DA ABDF

A venda de imóveis no lucro presumido: o fim das contingências?

Receita Federal consolida entendimento em tema relevante para contribuintes do setor imobiliário

31/01/2022|05:03
Atualizado em 31/01/2022 às 16:32
venda de imóveis
Prédios na região central de São Paulo. Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil

As discussões tributárias na área imobiliária possuem características bastante próprias do setor e muitas delas estão bastante fundadas nos regimes de tributação adotados para a apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): lucro real, lucro presumido ou mesmo o Regime Especial de Tributação (RET).

Especificamente em relação às empresas sujeitas ao lucro presumido, boa parte dos potenciais conflitos envolve transações com ativos registrados como não circulantes que são originalmente locados e posteriormente alienados — tudo isto dentro do objeto social da empresa. É natural que nessa situação duas visões possam aparecer:

  • a empresa registraria uma receita operacional sujeita à aplicação de percentual de presunção para definição do lucro tributável — resultando em uma carga tributária efetiva de IRPJ/CSLL de 3,08%; ou
  • a empresa registraria um resultado não operacional, sujeito à tributação pelas regras de ganhos de capital e, consequentemente, à incidência de IRPJ/CSLL a uma carga tributária efetiva de 34%.

A insegurança sobre o tratamento tributário adequado historicamente surge em primeiro lugar pela falta de orientação formal da legislação. Nunca houve uma preocupação específica sobre o assunto nos textos legislativos aprovados pelo Congresso Federal — não consideramos possíveis orientações administrativas neste ponto porque elas representam apenas a visão enviesada da Receita Federal sobre o assunto.

Em segundo lugar, a incerteza também reside no fato de que a contabilidade, sobre a qual a legislação se apoia, por vezes acaba sendo detratora do próprio contribuinte, contaminando o efeito tributário. Neste caso, os pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) nº 16 e 27 dão pouca margem às empresas ao determinarem que o imóvel deve ser contabilizado conforme sua finalidade inicial: venda, locação ou manutenção das atividades da empresa (com utilização como sede da empresa, por exemplo).

Seguindo a orientação, está claro que o imóvel destinado à venda deve ser registrado como ativo circulante (estoque), cuja receita da alienação é considerada operacional e, portanto, está sujeito ao tratamento tributário indicado no item a acima.

Por sua vez, o imóvel destinado à locação ou destinado à manutenção das atividades da empresa (com sua utilização como sede, por exemplo) deve ser contabilizado como ativo não circulante (imobilizado). O ganho decorrente da venda de bens contabilizados no ativo imobilizado é considerado como não operacional e, portanto, estaria sujeito, em tese, ao tratamento indicado no item b acima.

A legislação tributária determina que as regras de ganho de capital são aplicáveis à alienação de ativo imobilizado ainda que este seja reclassificado para o ativo circulante com a intenção de venda.

Logo, a leitura binária de tal situação tende a levar à conclusão rápida de que, se um imóvel é adquirido com finalidade imediata de venda (contabilizado como estoque), sua venda será tributada como receita operacional, ao passo em que o imóvel que é inicialmente objeto de locação (contabilizado como imobilizado), e somente depois vendido, terá o produto de sua venda tributado como ganho de capital.

Essa leitura, no entanto, muitas vezes deixa de capturar a efetiva substância de determinada realidade fática: por exemplo, não raros são os casos em que os contribuintes possuem efetiva pretensão originária de dar destinação imediata de venda ao imóvel, mas por circunstanciais casuísticas — por exemplo, uma escassez momentânea de mercado comprador — acabam optando por (ou sendo compelidos a) alugá-lo ou por utilizá-lo na manutenção das atividades da empresa antes, para somente depois efetuar a alienação. Essa circunstância, contudo, não altera o fato de que a destinação pretendida para o ativo sempre teria sido a alienação.

E o que se dizer do imóvel de fato adquirido com a clara intenção de venda (e registrado como estoque), mas que, em razão de demora no fechamento da operação, é alugado para neutralização dos custos? E o imóvel adquirido com esta mesma intenção de venda que já é adquirido com um contrato de locação em curso?

Em todos os casos temos a cumulatividade dos elementos locação e venda. As nuances, no entanto, determinariam o registro contábil e, mais importante, os efeitos tributários.

As possíveis interpretações sobre o tema levaram à incerteza sobre o tratamento tributário a ser adotado, tendo sido o tema objeto de várias decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ao longo dos anos — tanto no sentido de que a venda de imóveis estaria sujeita às regras de ganhos de capital quanto no sentido de que se trataria de receita operacional sujeita ao regime presumido de apuração. Em dezembro de 2018, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 251 seguindo a orientação dos CPC no 16 e 27: a destinação atribuída originalmente ao imóvel (e consequente registro contábil) é que determinaria a tributação aplicável quando concretizada sua venda. Assim, seriam aplicáveis as regras de ganho de capital na alienação de imóvel anteriormente contabilizado no ativo imobilizado.

Mais recentemente, no entanto, em março de 2021, a mesma Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 7 com entendimento diverso: mesmo no caso de venda de imóveis anteriormente contabilizados como ativo imobilizado em razão de locação, a receita deveria ser considerada como operacional e, portanto, sujeita ao regime de apuração por presunção.

É importante notar que tanto a Solução de Consulta publicada em 2018 quanto aquela publicada em março de 2021 tinham como pano de fundo o mesmo contexto fático: a alienação de imóveis que inicialmente foram objeto de locação e, portanto, foram contabilizados como ativo imobilizado antes de sua alienação.

Apesar da semelhança contextual, os entendimentos de ambas as manifestações oficiais da Receita Federal demonstram uma evolução de entendimento por parte das autoridades tributárias quanto à situação específica do imóvel alugado e posteriormente alienado.

Na primeira manifestação, de 2018, a Receita Federal considerava a destinação atribuída ao imóvel no momento do ingresso no patrimônio do contribuinte, tomando como base a classificação que lhe foi atribuída na contabilidade.

Já na segunda manifestação, de março de 2021, a nosso ver corretamente, a Receita Federal privilegia a substância do fato ocorrido e sua vinculação ao objeto social da pessoa jurídica imobiliária, apontando expressamente que seu entendimento está atrelado ao fato de a venda de imóveis se tratar de atividade operacional do contribuinte, o que sobreleva a sua classificação contábil. Nesse sentido, aponta que:

“a alienação de ativos não circulantes classificados como investimentos, imobilizado ou intangível, devem se submeter à apuração do ganho de capital, contudo, como já comentado, desde que tal alienação não represente objeto ou atividade principal da pessoa jurídica”.

Vê-se, portanto, uma evolução na análise realizada pelas autoridades tributárias, antes focada apenas na destinação originária dada ao imóvel, com base exclusivamente nos elementos contábeis. Passa-se, assim, a uma análise mais aprofundada, focada no objeto social/atividades da empresa e nas próprias características da operação.

Em nossa análise, o posicionamento mais recente mostra um maior apego à substância e ao contexto fático das operações, em detrimento do mero formalismo da escrituração contábil da empresa, o que consideramos uma importante evolução que aproxima a aplicação das normas sobre a matéria com sua efetiva finalidade.

Fato implícito nas discussões, no entanto, é a importância de que o contribuinte tanto possua previsão das atividades de locação e compra e venda de imóveis em seu objeto social, quanto efetivamente desempenhe na prática tais atividades e seja capaz de comprovar isso. A manutenção de sólidos registros da utilização do imóvel objeto de transação também será elemento importante para assegurar o adequado tratamento tributário, o qual não dispensará uma análise caso a caso.

O entendimento exposto na Solução de Consulta COSIT nº 7 foi reiterado pela Receita Federal em outras duas oportunidades durante 2021 — nas Soluções de Consulta Disit nº 6.003 e 3.015, esta última publicada no apagar das luzes daquele ano.

A publicação de três manifestações formais consecutivas pela Receita Federal parece indicar uma positiva consolidação do entendimento das autoridades fiscais sobre o tema, dando segurança aos contribuintes atuantes no setor imobiliário e sujeitos ao regime do lucro presumido para aplicar o regime de presunção sobre a venda de imóveis que tenham sido anteriormente objeto de locação.

Por outro lado, cabe ressaltar que, segundo expressamente consignado pela Receita Federal nas recentes manifestações formais, esse entendimento não se aplica ao caso de imóvel que tenha sido inicialmente utilizado para as atividades da pessoa jurídica (figurando como sua sede, por exemplo) — um terceiro propósito, portanto, diverso da locação e da venda.

A nosso ver, este terceiro propósito não seria em essência diferente da locação seguida de venda, pois em ambos os casos o imóvel teria sido adquirido, temporariamente explorado pela empresa para uma destinação diversa e apenas depois vendido conforme pretensão originária de sua destinação.

A Receita Federal, entretanto, ressalvou, sem maior aprofundamento, que essa seria uma situação diversa, ensejando a apuração de ganho de capital nessa hipótese específica.

Em nossa análise, essa última restrição expressada pela Receita Federal merece uma reflexão mais aprofundada: assim como uma empresa do setor imobiliário pode adquirir um imóvel visando sua comercialização e, no meio-tempo até a concretização da venda, poderia optar por alugá-lo, poderia também optar por utilizá-lo como sua sede de forma temporária, sem que isso desnature sua intenção originária de comercialização do dito imóvel ou a natureza operacional da venda, englobada em sua atividade imobiliária.

Assim, parece-nos arbitrária a exceção criada pela Receita Federal aos imóveis para uso próprio. A nosso ver, deve existir bons argumentos para que os contribuintes possam defender que a alienação desses bens também deva ser considerada como operacional e que, portanto, a correspondente receita esteja sujeita à aplicação da apuração por presunção pelas empresas que tenham objeto imobiliário incluindo a venda.logo-jota

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