Opinião e Análise

Doris Canen

Diversos assuntos vêm agitando os debates tributários recentemente. Entre questões locais, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/problemas-praticos-do-limite-de-alcada-no-carf-06032023">tem-se a atual situação do Carf</a>, o voto de qualidade, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/coisa-julgada-stf-nega-modulacao-e-contribuintes-devem-recolher-csll-desde-2007-08022023">a decisão do STF envolvendo a coisa julgada</a> e regras de preços de transferência; em âmbito internacional, a saga da tributação da renda oriunda das atividades da economia digital, que enfrenta desafios cada vez mais complexos, bem como a precificação e tributação do carbono.
Assim, propõe-se o enquadramento do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no artigo 7º - “Lucros da Empresa” dos Tratados Internacionais Tributários. Justifica-se o tema porque o direito ambiental está se tornando cada vez mais protagonista e decisivo no mundo corporativo.
Iniciativas de Environmental, Social and Corporate Governance (ESG) têm sido essenciais nas decisões de investidores e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) criou um novo marco regulatório para fundos de carbono e rotulagem <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">ESG</a> (Resolução CVM 175/2022). A interseção direito tributário e direito ambiental também foi vista em painel do 74º Congresso da International Fiscal Association (IFA) em 2022 em Berlim, com debates acerca dos desafios na precificação do carbono e sua tributação.
Ademais, o princípio do poluidor pagador (poluidor deve arcar com os custos dos danos que tal poluição causa ao meio ambiente) foi aplicado em sua escala máxima através de decisão proferida pela Corte Holandesa (Dutch District Court, The Hague, No. C/09/571932/HA ZA 19-379 julgado em 26/05/2021), que condenou a empresa Shell a reduzir suas emissões globais de carbono. A condenação englobou, no que tange às operações próprias, redução de 45% até o final de 2030 em comparação com 2019, além das emissões de seus fornecedores e varejistas, mostrando que uma decisão local, nesse aspecto, afeta os negócios globais do grupo.
Nos termos da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm">Lei 6.938/81</a>, deve-se compatibilizar o princípio da defesa ao meio ambiente e o desenvolvimento econômico, de modo a se buscar o desenvolvimento sustentável. A proteção ambiental não pode ser esquecida nas transações comerciais, tendo em vista que o direito ao meio ambiente sadio é reconhecido como direito humano e o artigo 225 da Constituição da República deixa claro que o meio ambiente também é dever da coletividade, não apenas do Estado, “impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo”.
Entretanto, o que ainda não está sendo discutido é o enquadramento de pagamentos por serviços ambientais nos tratados internacionais tributários pois, embora o nome leve a crer que tais pagamentos podem ser classificados como serviços (item de maior carga tributária em nosso país), existem aspectos que podem mudar essa interpretação, como será exposto ao longo do presente artigo, cujo objetivo é fomentar debates e ações adicionais.
<h3>Pagamento por Serviços Ambientais: definição, objetivos e desafios tributários</h3>
O PSA foi instituído no Brasil através da Lei 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que criou uma política focada em ações de manutenção, recuperação ou melhoria da cobertura vegetal em áreas consideradas prioritárias para a conservação, combate à fragmentação de habitats e para a formação de corredores de biodiversidade e conservação dos recursos hídricos.
Serviços ambientais são definidos como “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos” e seu pagamento, a ”transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes” (Lei 14.119/21, art. 2º, III e IV).
Os pagamentos podem tomar as mais diversas formas, sendo que a legislação apresenta um rol exemplificativo que inclui pagamento direto, monetário ou não monetário, prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas, compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação, títulos verdes (green bonds), comodato e Cota de Reserva Ambiental (CRA) (Lei 14.119/21, art. 3º).
Depreende-se dos artigos 4º e 5º, que tratam dos objetivos e diretrizes da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), o claro crescimento da pauta verde e da educação ambiental no Brasil bem como do cumprimento efetivo dos princípios do provedor-recebedor e usuário-pagador. Assim, inquestionável o incentivo à conservação e desenvolvimento sustentável pela remuneração em troca do bem preservado.
Do ponto de vista tributário, a referida Lei isenta os pagamentos do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins (Lei 14.119/21, art. 17), o que não impede a existência de dúvidas acerca da tributação aplicável a cada espécie de pagamento considerando, por exemplo, o IOF, ISS e ICMS. Daí a relevância dos apontamentos de Fernando Scaff (https://www.conjur.com.br/2022-out-17/justica-tributaria-tributacao-creditos-carbono-servicos-ambientais), que afirma ser a “baixa carga fiscal a forma pela qual o direito tributário contribui para o meio ambiente [...] Está corretíssimo afastar o máximo possível a tributação sobre esse mercado, a fim de ampliar a proteção ambiental e ajudar a concretizar o artigo 225, CF, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
O PSA aguarda a efetivação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei 14.119/21, art. 16) para ser aplicado e, enquanto isso, vale discutir tais medidas que podem atrair diversos investidores dispostos a colaborar com o meio ambiente brasileiro. Dessa forma, é importante ter clareza acerca do tratamento tributário a ser dado aos valores investidos no âmbito dos tratados internacionais tributários celebrados pelo Brasil.
<h3>O objetivo do PSA e a política fiscal brasileira</h3>
Antes de adentrar aos comentários acerca da política fiscal internacional brasileira, insta analisar: o objetivo do PSA é preservar o meio ambiente ou prestigiar a arrecadação aos cofres estatais? É possível conciliar o interesse arrecadatório com o incentivo ao investimento nas diferentes modalidades do PSA?
Destaca-se que um país que se diz de origem “verde” como o Brasil e que preza pela proteção ambiental facilmente pode não tributar os valores investidos nos serviços ambientais pelo bem maior do meio ambiente mundial sadio.
Faz-se essencial a ponderação do desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente. É possível argumentar que um ajuste na política fiscal internacional brasileira (no que tange a não tributar os pagamentos por serviços ambientais) em muito pode ajudar nessa questão.
A origem da dicotomia da tributação internacional girava em torno dos países desenvolvidos (que defendiam a tributação no local de residência das empresas) enquanto os países em desenvolvimento, importadores de capital, defendiam a tributação na fonte através da retenção do imposto de renda na ocasião da remessa. Um exemplo é a preferência pelos países “desenvolvidos” de a tributação ocorrer no país de residência (privilegiando o artigo que trata da tributação dos lucros das empresas e aloca o valor ao país de residência, em geral o 7º) e os países em desenvolvimento privilegiarem a tributação na fonte, com retenções, por exemplo, na remessa de dividendos, juros, royalties e serviços técnicos (geralmente artigos 10-12).
Destaca-se que o Brasil tem uma política de tratados única, extremamente favorável ao país de “fonte”. Um exemplo é o artigo sobre ganhos de capital onde, diferentemente dos conhecidos Modelos OCDE (favorável aos países desenvolvidos) e ONU (favorável aos países em desenvolvimento) nos quais a competência tributária é exclusiva do país de residência do beneficiário para tributação, os tratados brasileiros (com exceção do tratado com o Japão) estabelecem que a tributação ocorrerá no país de fonte. Outro exemplo é o artigo sobre royalties que, nos tratados brasileiros, permite ao país de fonte tributar a referida remessa, e, em sua maioria, inclui receitas provenientes do uso de equipamentos científicos, comerciais ou industriais, diferente do modelo da OCDE em que os royalties são tributados apenas no país de residência.
Os serviços técnicos na maioria dos tratados brasileiros também devem ser tributados como royalties devido às disposições do Protocolo (com exceção da Áustria, França, Finlândia e Japão, onde, devido à ausência da determinação de tratar serviços técnicos como royalties no protocolo, os serviços técnicos são tributados como lucros da empresa de acordo com o artigo 7o – a Suécia também está nessa exceção até a entrada em vigor de mudança no protocolo ocorrida em 2018 que acabou com tal benefício). Diferentemente dos outros tratados, o mais recente, celebrado com o Reino Unido (ainda não em vigor) incluiu um artigo que reduz gradativamente a alíquota do imposto de renda na fonte sobre serviços chegando a 0% em alguns anos.
As autoridades fiscais brasileiras são conhecidas por não classificar muitas receitas no artigo 7º e priorizar classificações como serviço técnico, que sofre retenção na fonte do imposto de renda nos tratados e, localmente, tem uma elevada carga tributária.
Assim, preocupante a nomenclatura dada ao pagamento “por serviços ambientais”. Isso pode levar a uma diferença na tributação no caso concreto eis que dependendo da “atividade” realizada (o já mencionado conceito de serviços na legislação remete à palavra “atividades”), pode ocorrer uma diferença no seu enquadramento no tratado.
Acrescenta-se que tributar apenas as verbas oriundas de fontes internacionais (como anteriormente ressaltado, IRPJ e CSLL, tributos englobados nos tratados, são isentos localmente) pode resultar em debates acerca da aplicação do artigo da não-discriminação (em geral o 24 dos tratados) pelos países que têm tratados com o Brasil a casos como esses.
Cabe, assim, demonstrar porque o Brasil deveria, em homenagem à proteção ao meio ambiente e interpretação conforme princípios protetivos nacionais e internacionais, tratar tais pagamentos como lucro das empresas no artigo 7º dos tratados tributários, deixando o país do investidor/prestador do “serviço” decidir acerca da tributação no caso de investimentos internacionais.
<h3>Protagonismo do Brasil no cenário global caso haja expressa inclusão do PSA no artigo 7º dos tratados</h3>
A política fiscal arrecadatória do Brasil e o complexo sistema tributário são conhecidos de todos que tentam operar no país e resulta, muitas vezes, em perda de valores que poderiam ser investidos, gerando empregos e melhoras na qualidade de vida da população. O Brasil é notoriamente conhecido pela elevada carga tributária na importação de serviços técnicos, o que pode desmotivar o investimento estrangeiro no programa proposto pela Lei 14.119/21.
Em paralelo, a proteção ao meio ambiente encontra guarida, como já mencionado, não só na constituição, legislação e jurisprudência como também em princípios internacionais, sendo os tratados ambientais considerados supralegais ou, se aprovados pelo rito do artigo 5º, § 3º da Constituição Federal, com status de emenda constitucional.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também demonstra a importância de se garantir na interpretação a proteção do meio ambiente:
<ol start="4">
<li>
<blockquote class="jota-article__citation">A definição da norma a incidir sobre o caso deve garantir a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/1988, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade. (STJ, 1ª S., REsp 1.770.760/SC, rel. min. Benedito Gonçalves, j. em 28/04/2021, DJe 10/05/2021)</blockquote>
</li>
</ol>
Dessa forma, em homenagem à proteção ao meio ambiente, sugere-se tratar remessas ao exterior para pagamentos por serviços ambientais (independente da forma do pagamento) como lucro das empresas inserido no artigo 7º ou, alternativamente, expressamente excluir os referidos pagamentos da definição de “serviços técnicos” que atraem a incidência do imposto de renda retido na fonte (resultando também na aplicação do artigo 7º).
A adoção do protagonismo nesse assunto pelo Brasil através da implementação em seus tratados seria uma demonstração ao exterior e aos investidores de como o país valoriza sua riqueza ambiental e está disposto a isentar os tributos e não ter arrecadação fiscal quanto a tais valores, mudando sua política tributária de praxe em nome da atração de investimentos nesse sentido.
<h3>Conclusão</h3>
No presente artigo, foi trazida para reflexões no âmbito do direito tributário internacional uma recente forma de preservação do meio ambiente através da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais instituída pela Lei 14.119/2021.
Tal tema, aplaudido do ponto de vista da proteção ao meio ambiente e com isenção no Brasil de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, ainda não foi discutido do ponto de vista da tributação internacional eis que as atenções globais estão voltadas à tributação de renda oriunda da economia digital e, do ponto de vista ambiental, da precificação e tributação do carbono.
Também foi levada em consideração a política fiscal internacional do Brasil, em sua maior parte voltada à proteção da base tributável com elevada carga tributária na fonte, principalmente sobre serviços.
A nomenclatura de “pagamento por serviços ambientais” pode, sem a devida análise, atrair a referida tributação e desestimular investimentos oriundos do exterior. Dessa forma, cabe analisar o objetivo da referida política de pagamento por serviços ambientais que é preservar o meio ambiente e não aumentar a arrecadação.
Assim, sugerimos que o Brasil, que tem um rico meio ambiente natural, inclua os referidos pagamentos no artigo 7º dos tratados (ou, alternativamente exclua os referidos pagamentos da definição de “serviços técnicos”, tendo o mesmo efeito), consequentemente afastando a incidência do imposto de renda retido na fonte e deixando ao país de residência do investidor a opção de tributar ou não esses valores, mostrando, assim, globalmente que o país efetivamente usa o direito tributário para o bem ambiental.
Com isso, o Brasil estaria assumindo um protagonismo internacional nessa questão e incentivando o investimento estrangeiro no uso da referida política ambiental.

meio ambiente

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JOTA

Direito ambiental está se tornando cada vez mais protagonista e decisivo no mundo corporativo

O enquadramento do Pagamento por Serviços Ambientais nos tratados internacionais

Pagamento por Serviços Ambientais (PSA): o direito ambiental está se tornando cada vez mais protagonista e decisivo no mundo corporativo