Opinião e Análise

Bruna Camargo Ferrari

Em 2018, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ocde">OCDE</a>) e a Receita Federal do Brasil lançaram projeto conjunto para avaliar similaridades e divergências entre as diretrizes de preços de transferência da OCDE e as regras brasileiras.
Em 2019, os resultados do trabalho foram publicados em um relatório<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> conjunto no qual se concluiu que as regras simplificadas brasileiras, apesar de facilitarem a observância pelos contribuintes e o controle da administração tributária, não alcançam os objetivos fundamentais das regras de preços de transferência, de acordo com as diretrizes da OCDE e o princípio do arm’s lenght — garantir a alocação de base tributária adequada a cada jurisdição, evitando a dupla tributação e oportunidades de dupla não tributação.
Em 2020, o projeto realizou uma consulta pública para que contribuintes e partes interessadas pudessem contribuir com o desenvolvimento de mecanismos de simplificação e de redução disputas de preços de transferência, mais especificamente os regimes de porto seguro (safe harbour) e os acordos de precificação antecipada (APA).
Em abril deste ano, em conferência conjunta, foi anunciado um novo sistema de preços de transferência, alinhado à conclusão já apresentada em 2019 de convergência total ao padrão OCDE.
A provável mudança gera expectativa de avanços. No entanto, é preciso cautela e parcimônia.
É louvável o esforço da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/receita-federal">Receita Federal</a> e da OCDE na comunicação com a sociedade civil e seus representantes. Mas isso não é garantia de que a legislação promoverá avanços reais. Tudo dependerá da eficiência do diálogo com o Legislativo e da regulamentação e interpretação das novas regras.
Sabe-se que a insegurança jurídica hoje existente no país é um dos principais fatores para sua baixa competitividade internacional<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Também é de conhecimento que a implementação das diretrizes da OCDE para preços de transferência depende, em essência, de um relacionamento de segurança e confiança entre o fisco e o contribuinte, prevenindo incertezas e disputas que levem ao aumento do contencioso tributário.
A convergência com as diretrizes da OCDE fará com que todas as variáveis para a determinação dos preços a serem praticados, nos mais variados tipos de operações entre partes relacionadas (e não relacionadas, mantendo-se a aplicação a países de baixa tributação ou regime fiscal privilegiado), dependam de análises subjetivas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, comprovadas por meio de documentações a serem apresentadas pelos contribuintes e validadas pelo fisco.
Neste contexto, o desenho, a implementação e a interpretação eficaz dos regimes de safe harbour e dos APA são fundamentais. A segurança tributária, em nível doméstico e internacional — por meio da manutenção da simplicidade, previsibilidade e praticidade da legislação atual, alinhada às diretrizes da OCDE —, é e deve ser uma das principais metas de convergência<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Tendo como premissa as perguntas constantes da consulta pública, os mecanismos de simplificação e de redução de disputas tendem a ser aplicados a setores e a transações específicas, a depender da complexidade das operações e dos riscos envolvidos. Com base na última conferência realizada, sabe-se apenas que os safe harbour seguem em estudo e deverão ser regulamentados em legislação secundária. Os APA serão celebrados por meio de processo de solução de consulta específico.
Diversos são os pontos de cautela e preocupações, analisando-se não só as complexidades do sistema tributário brasileiro, como a experiência de demais países latino-americanos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e que adotam as diretrizes da OCDE em sua legislação doméstica.
Entre os mais relevantes, destacam-se: a) a definição de operações que poderão ser padronizadas por setores; b) os critérios para a formação da base de dados de comparáveis; c) a possibilidade de eleição ou obrigatoriedade de aplicação dos métodos de simplificação e de resolução de disputas setoriais; d) os prazos de análise e de aplicabilidade dos APA; e) a periodicidade de atualização das margens dos safe harbour e APA aplicáveis a cada setor; f) os prazos para adaptação em caso de majoração da carga tributária.
A adoção de um novo sistema de preços de transferência pode trazer vantagens importantes e um passo a mais na potencial inclusão do Brasil como membro da OCDE. Porém, deve-se atentar ao sistema tributário nacional como um todo, inserido em um contexto de competitividade internacional e definição clara da política tributária do país. O risco, não sendo esta abordagem, é de se aumentar, ao invés de reduzir, a insegurança jurídica.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> OECD/Receita Federal do Brasil (2019), Transfer Pricing in Brazil: Towards Convergence with the OECD Standard, OECD, Paris. Disponível em: <a href="https://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.htm">www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.htm</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> De acordo com relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), em 2020, o Brasil está entre os países em que há menor confiança nas instituições públicas e no governo. Esta falta de confiança, dentre outros fatores, deve-se à falta de segurança jurídica. Disponível em: <a href="https://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2020.pdf">https://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2020.pdf</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Estudos contemplando a análise de riscos, funções e ativos das operações de cada contribuinte, assim como a determinação do melhor método aplicável e margens, com base em dados de comparabilidade.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> OECD/Receita Federal do Brasil (2019), Transfer Pricing in Brazil: Towards Convergence with the OECD Standard, OECD, Paris, página 20. Disponível em: &lt;<a href="http://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.htm">www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.htm</a>&gt;
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Somente o México possui uma experiencia prática eficaz com a aplicação e implementação de APA, mas por conta de uma operação muito específica e de baixa complexidade realizada no país (maquilas ou maquiladoras). No Chile, Peru e Costa Rica não existem APA implementados. Na Argentina não há experiência com o tema. Na Colômbia, somente um APA desde 2011. No Uruguai, menos de cinco APA foram implementados. Além do México, apenas o Uruguai possui regras de safe harbour em sua legislação de preços de transferência. Informações baseadas nos Country Tax Guides dos países, atualizados em março 2022 e disponíveis.na plataforma de pesquisas do International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD). Disponível em: <a href="https://www.ibfd.org">https://www.ibfd.org</a>.

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JOTA

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