Opinião e Análise

Fernanda Drummond Parisi

Conforme é sabido, a tributação de certas atividades é realizada de forma “customizada”, isto é, levando-se em consideração as particularidades da operação, com o intuito de se promover a eficiência tributária.
Com base nessa premissa, as obras civis estão submetidas a um regime próprio de apuração e fiscalização dos tributos sobre elas incidentes, em especial a contribuição previdenciária patronal, e têm uma apuração individualizada por obra, nos termos do art. 225 do regulamento da previdência, aprovado pelo <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm">Decreto 3.048/99</a>.
Há, inclusive, uma certidão de regularidade fiscal específica da obra, que deve ser apresentada para fins de validação e expedição do “habite-se”, o que revela a sua crucial relevância para as construtoras.
Ocorre que muito frequentemente as obras civis são realizadas em etapas e por mão de obra de diferentes pessoas jurídicas, haja vista a realização de empreendimentos imobiliários por consórcios ou a construção com o emprego de sub-empreitadas, o que pode dificultar a reunião e apresentação dos diversos documentos comprobatórios da ocorrência dos fatos geradores da contribuição previdenciária, e dos seus respectivos recolhimentos, nos moldes exigidos pela Receita Federal.
Ciente dessa realidade, o legislador estatuiu, por meio do art. 33, §4º e 6º, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm">Lei 8.212/91</a>, a possibilidade de, em não sendo possível a realização da aferição direta da contribuição previdenciária de uma dada obra, a Receita Federal aferi-la de forma indireta.
É importante destacar que muito embora o retromencionado §6º, do art. 33, da Lei nº 8.212/91 preveja que o uso da apuração indireta deva ocorrer somente no caso de se constatar irregularidade ou falta de clareza na contabilidade da obra, isto é, que inviabilize a aferição direta, tal metodologia vem sendo cada vez mais utilizada pela Receita Federal, porquanto facilita o processo de fiscalização e revisão dos lançamentos a título de contribuição previdenciária sobre a mão de obra empregada na obra civil.
É dizer, antes mesmo de analisar a documentação da obra, a Receita Federal aplica a aferição indireta, sobretudo nas obras civis desenvolvidas por empresas de portes pequeno e médio, que empregam diversas sub-empreitadas em suas construções, tornando muito grande o volume de documentos e informações a serem analisados pela Receita.
A consolidação dessa praxe é tão concreta que já foi referenciada na doutrina especializada de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">“A aferição indireta pode ser conceituada como método ou procedimento de que dispõe a RFB para as apurações das bases de cálculo das contribuições previdenciárias, quando ocorrer recusa ou sonegação de documentos ou informações, ou mesmo na sua apresentação deficiente, por parte do contribuinte, bem como na apuração do salário de contribuição decorrente de obra de construção civil de responsabilidade de pessoa física, não incorporada, na forma da Lei nº 5.491/64.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(…)</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">A utilização da aferição indireta como método para a apuração das bases de cálculo das contribuições previdenciárias é alvo de severas críticas, pois passou a ser regra, quando deveria ser exceção”.</blockquote>
Ocorre que, se de um lado a aferição indireta facilita a vida da Administração Tributária, de outro implica violação à lei, à Constituição Federal e pode trazer grandes prejuízos financeiros para as construtoras. Explica-se.
Até 2021 a aferição indireta era calculada com a aplicação do índice intitulado Custo Unitário Básico (CUB), com alíquotas progressivas conforme o tamanho e tipo de obra, o qual era embasado em dados fornecidos pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil, órgão conhecedor das peculiaridades e salários do setor.
Com a edição da INRFB nº 2021/21, a sistemática mudou e a Receita Federal tomou exclusivamente para si a prerrogativa de estabelecer os critérios para o cálculo na aferição indireta, substituindo o antigo CUB pelo Valor Atualizado Unitário (VAU), que emprega a alíquota única de 20% em vez de alíquotas menores e progressivas, e que ainda aplica diferentes valores em função da destinação da obra, abandonando os antigos referenciais relativos à área construída e padrão da obra.
A depender das caraterísticas da obra, a nova metodologia implica significativo aumento na contribuição previdenciária devida, isto é, a exigência de tributo majorado sem observância da estrita legalidade, da capacidade contributiva, vedação à tributação confiscatória e da isonomia, ou seja, em descompasso com o que determina a Constituição Federal.
Além disso, para obras iniciadas sob a vigência da INRFB nº 971/09 e concluídas após a instituição do VAU, pode haver ofensa à irretroatividade da lei. Como é sabido, a pandemia do coronavírus afetou o calendário de diversas obras, causando atrasos e o encerramento de obras iniciadas sob a vigência do CUB após 1º de junho de 2021, quando entrou em vigor a INRFB nº 2021/21.
Nesses casos, fica patente a prática da maior parte ou integralidade dos fatos geradores da contribuição previdenciária sob a égide da metodologia do CUB, sendo apenas parcela da obra ou mesmo a fase procedimental final realizada sob a vigência do VAU, o que causa justo receio aos contribuintes que se encontram nessa situação de serem cobrados de forma indevida e absolutamente dissociada da previsão de custos da obra no que tange aos tributos.
De fato, as construtoras que fizeram o orçamento do custo da obra, inclusive em relação aos tributos sobre ela incidentes, já considerando a possibilidade da aferição indireta da contribuição previdenciária, tinham a expectativa de serem oneradas conforme determinados critérios e com base em alíquotas progressivas aplicadas conforme a metragem e tipo de obra (alvenaria, madeira ou mista), e de repente, poderão ser obrigadas a recolher a contribuição com base em alíquota única de 20%, independentemente do tamanho e tipo de obra em curso.
Logo, conquanto as obras iniciadas após 1º de junho de 2021 já tenham levado em consideração em sua quantificação a nova metodologia em caso de aferição indireta, certamente as iniciadas antes dela não a computaram e, seguramente, haverá fatos geradores da contribuição previdenciária ocorridas sob a vigência da norma anterior.
Além disso, a INRFB 2.021/21 substituiu os elementos objetivos como o padrão da obra previstos no Decreto 3.048/99 como critérios discrímen da quantificação da contribuição previdenciária, por outros muito menos técnicos e ineficazes para estabelecer a correlação da presunção com o trabalho e mão de obra empregados na construção. Dentre esses novos referenciais, destaca-se a destinação de obra (por exemplo, residência unifamiliar, comercial, galpão industrial ou projeto de interesse social), sendo algumas espécies de construção a exemplo das multifamiliares, inadvertidamente mais oneradas que as outras, em total descompasso com o princípio da isonomia.
Cabe ponderar que embora a substituição do CUB pelo VAU, considerada isoladamente, possa representar vantagem econômica para alguns contribuintes, a depender do tipo de obra e características da construção empreendida, para outros reitera-se o destaque para o caso de imóveis multifamiliares, que pode ensejar um enorme aumento da contribuição devida sem o devido lastro legal e constitucional para tanto.
Nesses casos, e munidos do justo receio de serem cobrados em valor superior ao que seria devido, as empresas poderão se insurgir em juízo, visando a proteger o seu direito ao recolhimento da contribuição previdenciária por meio de aferição indireta de forma condizente com a Constituição Federal, com a Lei 8.212/91, e com a INRFB nº 971/09 para os fatos geradores praticados sob sua vigência.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> In Manual de Direito Previdenciário, editora Forense, 22ª edição, Rio de Janeiro, 2019, p. 272.

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JOTA

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