Opinião e Análise

Rodrigo Becker

Victor Trigueiro

Prezados leitores do JOTA,
Esta semana, apresentamos um texto elaborado por Ana Karenina Silva Ramalho Duarte, advogada da união com vasta experiência acadêmica no Direito Processual Civil, em coautoria com Victor Guedes Trigueiro (coautor da coluna). O artigo aprofunda tema debatido pelo STF no RE 612.043/PR. Agradecemos a Ana pela sua contribuição, desejando a todos uma ótima leitura.
Reflexões iniciais da estabilização subjetiva nas demandas coletivas a partir do julgamento do RE 612.043/PR.
Ana Karenina Silva Ramalho Duarte[1]
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No julgamento do Recurso Extraordinário nº 612.043/PR[2], concluído no último dia 10 de maio, o Supremo Tribunal Federal avançou na tentativa de definir parâmetros para limitação subjetiva nas ações coletivas. 
Na última década, a estabilização subjetiva nesse tipo de demanda assume um protagonismo destacado nas discussões referentes à efetividade da tutela coletiva de direitos[3], tudo isso em decorrência do tratamento diferenciado que a Constituição de 1988 estabeleceu sobre a natureza jurídica da legitimidade das associações e dos sindicatos.
Em 2007, o Supremo Tribunal Federal definiu a primeira premissa dessa discussão, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 210.029/RS[4], ao examinar a controvérsia constitucional quanto à interpretação do art. 8º, inciso III, da Constituição Federal, no sentido de que o sindicato atua na qualidade de substituto processual, porque a ele cabe a defesa dos integrantes da categoria que representa. Todavia, o mencionado julgado não foi suficiente para sanar a discussão relativa à natureza jurídica da legitimidade das associações.
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Por meio do julgamento do Recurso Extraordinário nº 573.232/SC[5], o Pretório Excelso definiu a segunda premissa, ao afirmar que a atuação das associações em juízo tem natureza jurídica de representação processual, estabelecendo a indispensabilidade da autorização prévia e específica dos seus associados e a juntada da lista à inicial, conforme dispõe a ementa a seguir:
REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (RE 573232, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001).
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A partir de então, restou claro que a legitimidade dos sindicatos e das associações distingue-se quanto à sua natureza jurídica, considerando que, nos termos do inciso III, do art. 8º, da Constituição Federal, o sindicato atua na qualidade de substituto processual, cabendo-lhe “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria”, ao passo em que , nos moldes do inciso XXI, do art. 5º, da Carta Política, as associações atuam na qualidade de representante processual, vale dizer, “quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. 
Definidas tais balizas, sobreveio o grande desafio – a estabilização subjetiva da demanda coletiva proposta por associações ou sindicatos, o que foi solucionado, de certo modo, no julgamento Recurso Extraordinário nº 612.043/PR, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, tendo o plenário do Supremo Tribunal Federal definido a seguinte tese:
“A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o sejam em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes de relação juntada à inicial do processo de conhecimento”
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Durante as discussões, debateu-se de forma acalorada a questão da aplicabilidade do entendimento que se firmara, em relação a ações coletivas processadas no rito da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) ou ainda, ações coletivas que tutelam os direitos do consumidor, com base no CDC. 
O Ministro Ricardo Lewandowski e a Ministra Rosa Weber externaram preocupação quanto ao ponto, pois entendiam que a restrição da extensão subjetiva aos que expressamente autorizaram e que eram filiados no momento da propositura da ação não se aplicaria nessas hipóteses. 
Ao argumento de que o caso em debate não era oriundo de uma ação civil pública, nem mesmo tutelava direitos do consumidor, mas sim, direitos de servidores públicos relativos a questão tributária, o entendimento restou circunscrito às ações coletivas de rito ordinário, assim entendidas aquelas que discutem direitos individuais de forma coletiva, nos termos já expostos acima.
Seja como for, a nosso ver, a discussão não passa pelo rito adotado para o processamento da ação, mas sim, pelo direito tutelado. Caso discutam-se direitos coletivos stricto sensu ou direitos difusos, não há que se falar em autorização e filiação no momento da propositura da ação, haja vista que os referidos direitos não possuem titulares determinados ou objetos divisíveis – a atuação seria por substituição, mesmo em se tratando de associações. De outro lado, tratando-se de direitos individuais homogêneos, o entendimento é aplicável, dado que os titulares são determinados e o objeto é divisível, a demandar, portanto, autorização expressa e filiação, ainda que o rito seja o da Lei 7.347/85 (ACP) ou demandas relativas a direito do consumidor. 
Prosseguindo, da leitura do thema, vê-se que o citado julgado, para além da exigência legal de autorização expressa, definiu o contingente beneficiado segundo objetivo critério temporal (filiados até a data da propositura da demanda), dispondo, ainda, acerca da juntada do rol de representados à petição inicial das ações coletivas propostas por associações. Entretanto, inovou ao restringir a extensão subjetiva aos domiciliados do juízo prolator.
No ponto, o Ministro Alexandre de Moraes mostrou-se contrário à restrição territorial. Segundo o argumento por ele exposto por Sua Exa., essa limitação poderia gerar uma situação incompreensível, nos casos em que associações (autorizadas expressamente) demandam em favor de seus filiados (no momento da propositura da ação), mas em município diverso. Citou como exemplo associações de âmbito estadual que demandam na capital do estado.
Neste caso, a limitação territorial retiraria o direito do filiado de executar o título, ainda que ele tenha expressamente autorizado o ajuizamento da ação e conste como filiado no momento da propositura da demanda. Para solucionar o caso, sugeriu que se entendesse por território, a competência do Tribunal revisor da sentença proferida. A proposta, no entanto, foi rechaçada, mantendo-se a restrição, como visto na tese acima transcrita.
Deveras, o julgado em análise nos convida a uma reflexão que, avançando além da restrição do julgado às ações coletivas ajuizadas por associações, transpassa pelo alcance da aplicação do art. 2º-A da Lei 9.494/1997[6].   
Poder-se-ia afirmar, de início, que o julgamento da repercussão geral retromecionada não se aplicaria às ações propostas por sindicatos, contudo, tal suposição seria prematura, pelo menos em parte. 
Não se desconhece a comezinha lição pela qual as associações agem como representantes processuais, necessitando de autorização expressa para em juízo defender o direito de seus associados, enquanto os sindicatos atuam como substitutos processuais, estando dispensados da referida autorização, defendendo o direito de toda a categoria substituída.  
Desse modo, a posição do Supremo, manifestada claramente no voto do Ministro relator, no sentido de que não podem ser beneficiados pela eficácia da coisa julgada aqueles que não constem do rol anexo à inicial da demanda, ou seja, quando da formalização do processo de conhecimento, aplica-se exclusivamente às demandas coletivas propostas por associações.
Diversamente, no tocante ao reconhecimento da constitucionalidade da limitação da eficácia da coisa julgada à abrangência territorial do juiz prolator, não há pressuposto jurídico para afastar sua aplicação aos sindicatos, considerando que a limitação territorial não é decorrente da natureza jurídica da legitimidade. 
É preciso deixar claro que esta reflexão não foi realizada pelo STF no julgamento do RE ora analisado, mas não há razões para fazer distinção entre a limitação territorial nas demandas promovidas por associações ou sindicatos, dado que esta circunstância independe de o autor ter litigado na condição de substituto ou representante processual.
O Superior Tribunal de Justiça já realçou tal entendimento ao interpretar o caput do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, considerando que o termo entidade associativa engloba 
não apenas as associações, como também os sindicatos, senão vejamos:
3.A afirmação de que a limitação territorial do art. 2ª da Lei 9.494/97 não se aplicaria aos sindicatos não tem como prosperar, pois criaria uma diferenciação não esposada em lei, que optou pelo termo “entidade associativa”, que engloba toda e qualquer corporação legitimada à propositura de ações judiciais, sem restringir-se às associações.” (AgRg no RESp 1279061/MT, Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 26/04/2012)
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Portanto, o reconhecimento da constitucionalidade da limitação territorial da eficácia subjetiva estabelecida no caput do art. 2°-A da Lei 9.494/1997 é aplicável tanto para associações, quanto para sindicatos, não se podendo concluir, do julgado paradigmático proferido pelo Pretório Excelso, que os sindicatos estariam fora do alcance da norma.
Em avanço, é importante analisar o tratamento jurídico para as demandas ajuizadas no Distrito Federal por entidades associativas de âmbito local e uma possível compatibilidade do art. 2°-A da Lei nº 9.494/1997 com o §2º do art. 109 da Constituição Federal, o qual estabelece que as causas propostas contra a União poderão ser ajuizadas na seção (ou subseção) judiciária em que for domiciliado o autor, onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem, onde esteja situada a coisa ou no Distrito Federal.
É cediço que a Constituição Federal de 1988 elegeu o Distrito Federal como foro universal. A partir de então, inúmeras entidades associativas de âmbito local passaram a ingressar com demandas coletivas na Justiça Federal do mencionado ente. 
Diante da aplicabilidade do art. 2°-A da Lei nº 9.494/1997, alguns magistrados extinguiram, liminarmente, ações coletivas ajuizadas no Distrito Federal por ausência de interesse de agir, na medida em que a eficácia da limitação territorial à competência do juiz prolator não beneficiaria os associados ou categoria com domicílio diverso de Brasília.
A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça que, a partir do julgamento emblemático do Conflito de Competência nº 133.536/SP[7], estabeleceu que “a Justiça Federal do Distrito Federal, na exegese do art. 109, §2º, da Constituição Federal, tem competência em todo território nacional, pois a critério do autor, pode ser instada a processar e julgar qualquer demanda ajuizada em desfavor da União”.
 O Relator, Min. Benedito Gonçalves, destacou em seu voto que, proposta a ação coletiva na Seção Judiciária do Distrito Federal, não há que se cogitar a falta de competência territorial, sendo que a eficácia subjetiva da sentença ficará limitada ao espectro da abrangência da associação autora.
Destarte, o fato da ação ter sido proposta no Distrito Federal não tem o viés de descaracterizar o preceito estabelecido no art. 2°-A da Lei nº 9.494/1997, sendo equivocado entender-se o contrário, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista jurisprudencial.
Por tudo que foi exposto, concluímos ter havido um grande avanço na delimitação dos pressupostos da estabilidade subjetiva, mesmo que não o suficiente para encerrar o debate, pois, como vimos, especialmente no que diz respeito à interpretação da extensão do art. 2°-A da Lei nº 9.494/1997 e sua aplicação aos sindicatos, apesar do encaminhamento sinalizado pelo STJ – e que nos parece ser o mais consentâneo com a legislação vigente e representativo da melhor exegese sistemática do ordenamento jurídico -, ainda resta um espaço de sedimentação do pensamento jurídico também no STF, que, todavia, avaliamos como processo irreversível. 
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[1] Advogada da União, Mestre em Direito pela UnB. Diretora do Departamento de Servidores Públicos e de Militares da Procuradoria-Geral da União da Advocacia-Geral da União. Membro-efetivo da ABPC (Associação Brasiliense de Direito Processual Civil). Membro da ANNEP (Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo).
[2] RE 612.043/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 11-5-2017, Plenário – acordão ainda pendente de publicação.
[3] A tutela coletiva de direito é a proteção conferida aos direitos individuais, quando tutelados coletivamente, por opção legislativa. Por outro lado, a tutela de direito coletivo é a proteção aos direitos transindividuais, ou seja, o direito difuso ou direito coletivo stricto sensu. Nesse sentido, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, Editora Revista dos Tribunais. 2008.
[4] De acordo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, “o art. 8º, III, da CF estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos.” (RE 210.029/RS, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-6-2006, Plenário, DJ de 17-8-2007.)
[5] (RE 573232, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001
[6] Art. 2o-A.  A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator
Parágrafo único.  Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. 
[7] CC 133.536/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2014, DJe 21/08/2014.

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