Opinião e Análise

José Henrique Mouta Araújo

Rodrigo Nery

O cabimento da reclamação às Cortes Superiores muitas vezes faz com que essa medida processual se configure como uma via de impugnação mais célere de outras decisões judiciais, isso quando comparada com a sistemática dos recursos excepcionais. Considerando a dificuldade de acesso ao STJ e ao STF, além de ser um meio mais rápido de obtenção de resultados, é possível dizer que trata-se também de uma medida processual com maior possibilidade de ser devidamente analisada, isso em razão de não se submeter aos mesmos requisitos processuais que o REsp e o RE.
O Código de Processo Civil trouxe regulamentação e sistematização para a reclamação. Trata-se de ação<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> cabível para (i) “preservar a competência do tribunal”; (ii) “garantir a autoridade das decisões do tribunal”; (iii) “garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”; (iv) “garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas e de incidente de assunção de competência”. É o que se depreende do art. 988, I a IV do CPC.
Desde o advento do código, algumas discussões interessantes foram surgindo, e, com o passar dos anos, o Superior Tribunal de Justiça, ante a eficiência do instrumento, vem adotando uma postura restritiva para as hipóteses de cabimento, rejeitando interpretações legais que ampliam a porta de entrada da reclamação.
Uma discussão de relevo é a relacionada ao cabimento de reclamação quando o Recurso Especial ou Extraordinário tiver o seu seguimento negado pelo tribunal da origem, ou for sobrestado.
Nos termos do art.1.030, do CPC, eis as hipóteses de negativa de seguimento:
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:             <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art2">(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) </a><a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art4">(Vigência)</a></blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">I – negar seguimento:             <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art2">(Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) </a><a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art4">(Vigência)</a></blockquote>
<ol start="13">
<li>
<blockquote class="jota-article__citation">a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;             <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art2">(Incluída pela Lei nº 13.256, de 2016) </a><a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm#art4">(Vigência)</a></blockquote>
</li>
<li>
<blockquote class="jota-article__citation">b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;</blockquote>
</li>
</ol>
Por sua vez, a hipótese de sobrestamento é prevista no inciso III do art. 1.030, também do CPC.
Contra a decisão que nega seguimento ou sobresta o REsp ou RE, o recurso cabível não será o de agravo em REsp ou RE, mas sim o de agravo interno (art. 1.030, §2º). Portanto, como se trata de decisão de órgão unipessoal do tribunal da origem, a via procedimental levará a questão à deliberação de um órgão colegiado também do tribunal da origem, e não do tribunal superior.
O problema surge, contudo, após o julgamento do agravo interno. Depois desse julgamento, em tese, não seria cabível mais nenhum recurso ou medida processual. Um de nós já escreveu sobre isso no passado, apontando a divergência hermenêutica quanto a uma eventual medida cabível para evitar o trânsito em julgado da decisão após o julgamento do agravo interno supramencionado<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.  A conclusão à qual se chegou é a de que “O STJ tem julgados no sentido de que, após o AgInt, nenhuma outra medida é cabível”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O STJ já se manifestou no sentido de que, ante a ausência de previsão legal, considerando a posterior exclusão da hipótese de reclamação para a tutela de precedentes em repetitivos, em razão de modificação decorrente da Lei nº 13.256, de 2016, não seria  cabível essa medida, mesmo após o julgamento do Agravo Interno na Corte Local. Ou seja: para o STJ, não cabe reclamação para a tutela de decisão em recursos especiais repetitivos, sendo dos órgãos locais a competência para a verificação da correta aplicação do precedente da Corte Superior. Eis o julgado paradigma:
<blockquote class="jota-article__citation">RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL AO QUAL O TRIBUNAL DE ORIGEM NEGOU SEGUIMENTO, COM FUNDAMENTO NA CONFORMIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (RESP 1.301.989/RS - TEMA 658). INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO NO TRIBUNAL LOCAL. DESPROVIMENTO. RECLAMAÇÃO QUE SUSTENTA A INDEVIDA APLICAÇÃO DA TESE, POR SE TRATAR DE HIPÓTESE FÁTICA DISTINTA. DESCABIMENTO. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">
<ol>
<li>Cuida-se de reclamação ajuizada contra acórdão do TJ/SP que, em sede de agravo interno, manteve a decisão que negou seguimento ao recurso especial interposto pelos reclamantes, em razão da conformidade do acórdão recorrido com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.301.989/RS, julgado sob o regime dos recursos especiais repetitivos (Tema 658).</li>
<li>Em sua redação original, o art. 988, IV, do CPC/2015 previa o cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de "casos repetitivos", os quais, conforme o disposto no art. 928 do Código, abrangem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os recursos especial e extraordinário repetitivos.</li>
<li>Todavia, ainda no período de vacatio legis do CPC/15, o art. 988, IV, foi modificado pela Lei 13.256/2016: a anterior previsão de reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de "casos repetitivos" foi excluída, passando a constar, nas hipóteses de cabimento, apenas o precedente oriundo de IRDR, que é espécie daquele.</li>
<li>Houve, portanto, a supressão do cabimento da reclamação para a observância de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, em que pese a mesma Lei 13.256/2016, paradoxalmente, tenha acrescentado um pressuposto de admissibilidade - consistente no esgotamento das instâncias ordinárias - à hipótese que acabara de excluir.</li>
<li>Sob um aspecto topológico, à luz do disposto no art. 11 da LC 95/98, não há coerência e lógica em se afirmar que o parágrafo 5º, II, do art. 988 do CPC, com a redação dada pela Lei 13.256/2016, veicularia uma nova hipótese de cabimento da reclamação. Estas hipóteses foram elencadas pelos incisos do caput, sendo que, por outro lado, o parágrafo se inicia, ele próprio, anunciando que trataria de situações de inadmissibilidade da reclamação.</li>
<li>De outro turno, a investigação do contexto jurídico-político em que editada a Lei 13.256/2016 revela que, dentre outras questões, a norma efetivamente visou ao fim da reclamação dirigida ao STJ e ao STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção de política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.</li>
<li>Outrossim, a admissão da reclamação na hipótese em comento atenta contra a finalidade da instituição do regime dos recursos especiais repetitivos, que surgiu como mecanismo de racionalização da prestação jurisdicional do STJ, perante o fenômeno social da massificação dos litígios.</li>
<li>Nesse regime, o STJ se desincumbe de seu múnus constitucional definindo, por uma vez, mediante julgamento por amostragem, a interpretação da Lei federal que deve ser obrigatoriamente observada pelas instâncias ordinárias. Uma vez uniformizado o direito, é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto.</li>
<li>Em tal sistemática, a aplicação em concreto do precedente não está imune à revisão, que se dá na via recursal ordinária, até eventualmente culminar no julgamento, no âmbito do Tribunal local, do agravo interno de que trata o art. 1.030, § 2º, do CPC/15.</li>
<li>Petição inicial da reclamação indeferida, com a extinção do processo sem resolução do mérito.</li>
</ol>
</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(Rcl n. 36.476/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 5/2/2020, DJe de 6/3/2020.)</blockquote>
Esta interpretação deve ser criticada e foi objeto de estudo específico já mencionado. A rigor, o controle da admissibilidade da reclamação deve ser feito em cada caso concreto, não sendo razoável simplesmente vedar o seu cabimento de forma genérica, mesmo com previsão expressa de seu cabimento para controle de aplicação dos repetitivos.
De outro prisma, uma importante variável em relação à restrição de cabimento da Reclamação ocorreu no recente julgamento da RCL 43.019/SP – 2ª Seção do STJ – Rel. Min. Marco Aurélio Bellize – J em. 28.09.2022<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Neste caso concreto, a Seção entendeu não ser cabível reclamação para garantir observância de tese fixada em recurso especial oriundo de IRDR.
A peculiaridade desse caso reside no fato de que, em tese, o legislador permite reclamação para garantir a observância de precedente oriundo de IRDR (art. 988, IV, do CPC). No caso de recurso especial interposto contra decisão de IRDR, que tem a possibilidade de expandir a aplicação dessa tese ao âmbito nacional, contudo, entendeu o STJ que não seria cabível reclamação, pois, em suma, não se trataria mais de julgado oriundo de IRDR, mas sim de pronunciamento em advindo REsp repetitivo, o que desafiaria a aplicação do padrão decisório contrário à RCL neste ambiente.
No caso, entendeu a Seção que “revela-se descabida a reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça com fundamento em inobservância de acórdão proferido em recurso especial em IRDR, aplicando-se-lhe o entendimento da Corte Especial exarado na Rcl n. 36.476/SP, dada a equivalência da natureza, regramento e efeitos daquele recurso com o recurso especial repetitivo” <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Observa-se, portanto, uma tendência de limitação do cabimento de reclamação por parte do STJ, especialmente após o padrão decisório advindo da Rcl n. 36.476/SP.
Entretanto, é de se destacar que, ainda assim, é necessária uma maior reflexão sobre a postura que vem adotando a Corte Superior. Hipóteses de desrespeito ou “aplicação” indevida de precedentes são situações de fundamental importância. Considerar  o não cabimento de reclamação, em alguns casos, especialmente os de agravo interno contra negativa de seguimento e sobrestamento, tem repercussões sérias e marcantes em inúmeros casos concretos, cujos efeitos precisam ser sempre objeto de reflexão pelo operador do Direito.
Em última análise, atendendo inclusive o que prevê o legislador (art. 988, §5º, II, do CPC), voltamos a defender o cabimento desta Ação como instrumento de aplicação adequada de precedente qualificado firmado pelo próprio STJ, deixando essa porta de controle do sistema aberta e acessível ao jurisdicionado. Claro que o uso abusivo de tão importante instrumento é controlado, e sancionado, em cada caso concreto, nos termos da lei.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MITIDIERO, Daniel. Reclamação nas Cortes Supremas: entre autoridade da decisão e a eficácia do precedente. 2ª ed. em e-book baseada na 2ª ed. impressa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p.  RB-1.3.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ARAÚJO, José Henrique Mouta. MS e reclamação visando a correta aplicação dos precedentes qualificados. In: <a href="https://www.migalhas.com.br/depeso/354259/reclamacao-visando-a-correta-aplicacao-dos-precedentes-qualificados">https://www.migalhas.com.br/depeso/354259/reclamacao-visando-a-correta-aplicacao-dos-precedentes-qualificados</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> “Dentre outras, ver: AgRg no AREsp 617.182/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T, DJe de 12/02/2015); AgRg no AREsp - 652.000/PB, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª T, DJe de 17/06/2015; STJ, AgRg no AREsp 535.840/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª T, DJe de 16/09/2014 e, já na vigência do CPC/15: AREsp 1170332  (Rel. Min. Luis Felipe Salomão - DJe 07/11/2017).” (ARAÚJO, José Henrique Mouta. MS e reclamação visando a correta aplicação dos precedentes qualificados. In: <a href="https://www.migalhas.com.br/depeso/354259/reclamacao-visando-a-correta-aplicacao-dos-precedentes-qualificados">https://www.migalhas.com.br/depeso/354259/reclamacao-visando-a-correta-aplicacao-dos-precedentes-qualificados</a>.)
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/14102022-E-incabivel-reclamacao-por-desobediencia-a-tese-fixada-em-recurso-especial-oriundo-de-IRDR.aspx">https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/14102022-E-incabivel-reclamacao-por-desobediencia-a-tese-fixada-em-recurso-especial-oriundo-de-IRDR.aspx</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Rcl n. 43.019/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 28/9/2022, DJe de 3/10/2022.

Fachada do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

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JOTA

Reclamação e controle das teses fixadas nos recursos repetitivos

STJ, ante a eficiência do instrumento, vem adotando uma postura restritiva para as hipóteses de cabimento

Reclamação e controle das teses fixadas nos recursos repetitivos

A recente RCL 43.019 no STJ