Opinião e Análise

Rodrigo Becker

Marco Aurélio Peixoto

O Código de Processo mal completou cinco anos de vigência e ganhou mais uma alteração. Em agosto de 2021, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14195.htm">Lei 14.195</a> alterou alguns dispositivos, incluindo aí disposições sobre a prescrição intercorrente tratada no artigo 921 do código. Trazemos aqui algumas palavras sobre essa alteração.
A prescrição intercorrente ocorre após a citação do réu e paralisa o processo por inércia do exequente. Por esse motivo inicia-se novo curso prescricional, com o mesmo prazo relativo à pretensão condenatória, a contar da data da paralisação do processo. Pode vir a ocorrer também após o último ato praticado no processo, quando a paralisação se dá exclusivamente por culpa do autor.
Pode-se afirmar, ainda, que a prescrição intercorrente é a que se verifica durante a tramitação do feito em juízo, paralisado por negligência/desinteresse do autor na prática de atos de sua responsabilidade. Trata-se de espécie de prescrição que ocorre não pela eventual demora na tramitação da ação, mas pela inércia ou desídia do credor em praticar os atos processuais.
Uma vez paralisado o processo em decorrência da inércia do autor, que deveria prezar pelo regular andamento do processo, o CPC/15 prevê a aplicação da prescrição intercorrente <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> em seu artigo 921, especificamente no inciso III, e parágrafos 1º, 4º, 4º-A, 5º, 6º e 7º:
<blockquote class="jota-article__citation">"Artigo 921— Suspende-se a execução: 
(...) 
III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis; 
(...) 
1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de um ano, durante o qual se suspenderá a prescrição. 
2º Decorrido o prazo máximo de um ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. 
3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis. 
4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no §1º deste artigo. 
4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz. 
5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes. 
6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o §4º deste artigo. 
7º Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o artigo 523 deste código".</blockquote>
Assim, de acordo com o §4º do artigo 921 do CPC, a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis inicia o prazo de prescrição intercorrente. Todavia, o mesmo dispositivo regula que, tão logo iniciado esse prazo, será ele suspenso, por uma única vez, pelo prazo máximo de um ano previsto no §1º, findo o qual, retoma-se a prescrição intercorrente.
Essa nova redação, dada pela Lei 14.195/2021, causou alvoroço na doutrina, em razão de certa atecnia em sua redação. Há quem entenda, e com razão, que é incabível iniciar a prescrição e automaticamente suspender esse início. De fato, a norma não foi técnica. O melhor teria sido dizer que a prescrição se inicia após o final do prazo de suspensão da execução, esse sim, que deveria começar com a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis. Todavia, o legislador optou por iniciar a prescrição e imediatamente suspendê-la. Houve confusão entre suspensão do processo e da execução.
Cabe destacar, no ponto, que, na forma do §4º do artigo 921 do CPC/2015, a prescrição só será suspensa uma vez. O problema aqui foi a confusão levada a efeito pelo dispositivo do CPC, como dito, entre suspensão da prescrição e do processo. Veja-se que a redação desse parágrafo peca por não estabelecer de modo claro se se trata de suspensão da execução ou da prescrição, sobretudo porque a palavra vem grafada no feminino (suspensa), mas a expressão a que se refere possui substantivo masculino (o termo da prescrição).
Todavia, a melhor exegese é que a suspensão é efetivamente da prescrição. Isso porque não faz sentido, suspender o processo e deixar correndo a prescrição intercorrente. Seria uma sanção pelo decurso de um prazo (prescrição) que não correria porque o processo estaria suspenso.
Por sua vez, no §4º-A, incluído também na alteração, o Código se refere à interrupção da prescrição. Diz ainda a nova redação do CPC/15 que a efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, o qual não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.
Trata-se de nova causa de interrupção da prescrição não prevista na redação original do Código, que remete à própria existência de interrupção da prescrição com o despacho que ordena a citação em qualquer ação (artigo 240, §1º, do CPC/15), mas com um detalhe sutil. Veja-se que aqui também houve certa atecnia da norma, na medida em que regulou a interrupção da prescrição de modo diverso do que dispõe o Código para as demais ações (a partir da citação e não do despacho que a ordena). Não há problema, em tese, mas gera uma diferença de tratamento injustificável.
Outro problema criado pelas novas disposição diz respeito ao prazo pelo qual a prescrição fica interrompida na hipótese acima do §4º-A. A norma estabelece que não corre a prescrição “pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz”.
Em primeiro lugar, a norma possui uma contradição interna. Ela diz que “a efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor”. Mas se a citação interrompe a prescrição, como pode o tempo necessário para a citação não contar para a prescrição? Afinal, é a citação que interrompe ou tempo anterior a ela, após o despacho do juiz, que já faz não correr a prescrição? Se for a primeira situação, será hipótese nova no CPC; se for a segunda apenas uma reedição do que já dispõe o artigo 240, §1º, do CPC. Realmente, a norma causou confusão e a melhor exegese é seguir o que dispõe a regra geral e considerar o despacho inicial que ordena a citação como marco interruptivo da prescrição.
O segundo ponto é que o artigo dispõe que não corre a prescrição pelo tempo necessário para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz. Mas ela já está interrompida pela citação (ao menos na dicção dispositivo), como pode não correr a prescrição durante as formalidades da penhora, se essas formalidades ocorrem após a citação? Não faz sentido.
Ademais, findas as formalidades, a prescrição volta a correr? Se for isso, e demorar para haver, por exemplo, leilão e arrematação (atos contínuos à formalização da penhora), a pretensão executória poderia prescrever? Trata-se de um absurdo essa interpretação, que levaria a uma punição do credor, sem que ele tenha dado qualquer causa. Realmente não sei o que o legislador quis dizer com essa disposição legal.
Essa possibilidade de retomada do processo, e consequentemente, de início do prazo de prescrição intercorrente, funcionou como uma superação do entendimento do STJ, que, muito embora estivesse mudando, ainda era adotado na vigência do CPC/73, no sentido de que “suspenso o processo de execução por ausência de bens penhoráveis, não flui o prazo prescricional, inclusive aquele atinente à prescrição intercorrente” <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Após a suspensão da prescrição (e por consequência do processo) pelo lapso de um ano, previsto no §1º, o juiz deverá determinar a intimação das partes para que se manifestem no prazo de 15 dias <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Desta forma, a parte exequente terá oportunidade de justificar o motivo de sua inércia diante o processo. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesse passo, que é desnecessária a intimação pessoal do exequente para o reconhecimento da prescrição intercorrente <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Com a manifestação das partes, sendo improcedente a justificativa para a paralisação do processo, o juiz, reconhecendo a prescrição intercorrente, proferirá sentença extintiva do processo, com resolução do mérito, fundamentando-se no inciso V do artigo 924, que prevê, entre as hipóteses de extinção da execução, a ocorrência desse tipo de prescrição <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. Ainda, de acordo com o §5º, o reconhecimento da prescrição pelo juiz não poderá acarretar ônus para as partes. Aqui mais uma vez a redação do dispositivo não foi clara, de maneira que a melhor interpretação é que a palavra “ônus” significa que o juiz não poderá condenar nenhuma das partes em honorários nem em custas processuais.
Por sua vez, caso algumas das partes pretenda alegar nulidade quanto ao procedimento acima, deverá demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação das partes para se manifestarem antes da decretação da prescrição.
O prazo prescricional a ser contado de modo intercorrente será aquele definido em lei para o exercício daquela determinada pretensão (aplica-se, portanto, a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal (STF), no que se refere às execuções de título judicial e os prazos específicos de cobrança de cada título extrajudicial).
De acordo com Araken de Assis, a prescrição intercorrente seria aplicável, ainda, nos casos de abandono unilateral ou bilateral do processo, não extinguindo o juiz o processo antes vencimento do prazo estipulado em lei para configuração desse abandono, com base no artigo 485, II e III <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Não obstante a lição do autor, deve-se observar que, nos referidos dispositivos, não há menção à prescrição intercorrente, como faz o código quando trata da execução.
Vale aqui uma consideração de ordem pessoal quanto ao conceito de prescrição intercorrente regulado no CPC, que não parece se ajustar ao conceito que se tem de prescrição da pretensão, oriunda do direito material.
A prescrição pode ser concebida como a perda da pretensão de postular um direito em juízo em decorrência da inércia de seu titular. Desse modo, por exemplo, se o jurisdicionado possuía um direito a exigir reparação em juízo, em um prazo especificado em lei e deixa fluir in albis o prazo em questão, a falta de provocação do Poder Judiciário implica a ocorrência da prescrição e a impossibilidade, desde então, de postular em juízo e alcançar de forma eficaz a reparação do direito lesado.
Por outro lado, é estranha a configuração da chamada prescrição intercorrente como efetiva prescrição. É que, uma vez exercida a pretensão, não mais cabe falar em prescrição. Por alguma razão, houve uma espécie de deturpação desse instituto de direito material, o qual, de fluência exterior e anterior à instauração da relação processual, passou à condição de ocorrência dentro do próprio processo, decorrente de uma inércia interna. É como se a pretensão tivesse que ser exercida diversas vezes na execução, não apenas no ajuizamento do pedido, mas a todo momento em que se deve impulsionar a demanda.
Esse transcurso de prazo corre dentro de processo, como se fosse qualquer situação de abandono da causa, ou especificamente de perempção (que supõe o abandono da causa pelo autor, dando possibilidade à extinção do processo por três vezes, na forma do disposto no inciso V do artigo 485, combinado com o §3º do artigo 486 do CPC/2015), mas que a lei pretendeu der a roupagem de prescrição.
Outra crítica vem de Leonardo Ferres Ribeiro, para quem soa excessivo e desproporcional impor ao exequente a fluência do prazo prescricional diante de um fato – a ausência de bens do executado – alheio a sua vontade e sobre o qual não exerce qualquer controle. Acrescenta ainda que em algumas situações, sabe-se que o executado, por meio de ardis e atos maliciosos, consegue ocultar seus bens. E conclui: “há, porém, um alento: só passa a correr a prescrição se for arquivada a execução. Enquanto ela estiver 'viva', diligenciando-se na busca de bens do executado, não se cogita do início da contagem da prescrição” <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Por fim, é preciso frisar que, conforme entendimento do STJ, o simples desarquivamento dos autos ou pedidos genéricos de localização de bens não serve para afastar o estado de inércia e suspender a fluência do prazo prescricional <a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. É da vontade da lei que o exequente não fique inerte e, por isso, só se suspenderá o prazo prescricional quando da adoção de medidas concretas de localização e expropriação de bens <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>
[1] O tema ganhou nova regulamentação com as modificações da Lei 14.195/2021, como se verá nesta coluna.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AgRg nos EDcl no REsp 1417228/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 20/10/2015.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> A intimação das partes é baseada no princípio do contraditório efetivo (artigo 10 do CPC/15).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> AgInt no REsp 1712017/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 12/03/2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Art. 924. Extingue-se a execução quando: 
(...) 
V - Ocorrer a prescrição intercorrente.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> ASSIS, Araken De. Manual da Execução (...). Ob. cit., p. 770.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Execução de título extrajudicial in CPC em foco – Temas essenciais e sua receptividade/Teresa Arruda Alvim, coordenação, 2ª edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 617.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> “Ainda que assim não fosse, verifica-se que o acórdão recorrido, em relação ao fundamento de que o pedido de desarquivamento não interrompe a prescrição, encontra-se em consonância com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: REsp 1.155.060/DF, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 10.3.2016 e REsp 1.522.523/ES, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 5.8.2015.” (REsp 1724396/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 13/11/2018).
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> MINATTI, Alexandre. Defesa do Executado (...). Ob. cit., p. 123.

papéis

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Alteração no Código de Processo Civil ainda precisa ser compreendida

Algumas linhas sobre a prescrição intercorrente no CPC

Alteração no Código de Processo Civil sobre a prescrição intercorrente ainda precisa ser compreendida