Opinião e Análise

Ravi Peixoto

A recente Lei n. 14.195/2021 trouxe, dentre outras inovações, uma nova forma de citação por meio eletrônico. O problema é que, aparentemente, ou, com plena consciência, manteve-se outra citação por meio eletrônico, já regulada pela Lei n. 11.419/2006, Lei do processo eletrônico. Essa é uma premissa essencial: há, agora, no ordenamento jurídico brasileiro, por mais estranho que possa parecer, duas citações por meio eletrônico reguladas por duas leis diferentes.
O grande problema é que não houve um diálogo entre essas duas formas de citações. E há uma série de confusões criadas por essa nova lei que podem (ou não) alterar o funcionamento da citação por meio eletrônico regulada pela Lei n. 11.419/2006.
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A citação eletrônica, regulada pela Lei n. 11.419/2006, antes da Lei n. 14.195/2021, tinha regras claras. A citação era disponibilizada no sistema e a parte teria o prazo de consulta de dez dias corridos (art. 5º, §3º). Ultrapassado esse prazo, presumia-se a citação e a parte era considerada citada (art. 5º, §3º). Assim, era admissível uma citação presumida.
Além disso, consultada a citação ou não, de acordo com o art. 231, V, do CPC, “considera-se dia do começo do prazo: (...) V - o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica”. Note-se que, para o início do prazo, era imprescindível a utilização do CPC, face a omissão da Lei n. 11.419/2006.
A citação por meio eletrônico ocorrida com fundamento na Lei n. 11.419/2006 já estava consolidada no ordenamento jurídico, em vigor há quase quinze anos. No entanto, havia um problema, que, aparentemente, tentou ser resolvido pela Lei n. 14.195/2021. Muitas empresas não se cadastraram no sistema e tinham de ser citadas por correio, o que atrasa o processo.
A alteração legislativa teve por objetivo agilizar a citação indo direto às empresas, permitindo sua citação de forma mais simples, por meio eletrônico (que ainda não sabemos qual é, por ser dependente de regulamentação do CNJ).
Não focarei, neste texto, nas formas que o CPC tentou impor esse cadastro, que me parecem, em poucas palavras, frágeis e confusas. Vamos ao suposto funcionamento dessa citação, no caso de cadastro da empresa em meio eletrônico. Um primeiro esclarecimento é o de que essa citação pode ser utilizada tanto em processos físicos quanto em processos eletrônicos, diferentemente daquela regulada na Lei do processo eletrônico que, por motivos óbvios, só pode ser utilizada em processos eletrônicos.
De acordo com o art. 246, § 1º-A, do CPC, a empresa será citada por meio eletrônico, tendo 3 dias úteis para confirmar o seu recebimento. Aqui já temos a primeira diferença para a citação da Lei n. 11.419/2006, que concede dez dias corridos para a sua consulta.
Havendo a confirmação, o início do prazo ocorrerá no “quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico” (art. 231, IX, CPC). Mais uma diferença para a citação da Lei do processo eletrônico.
Não há previsão de uma citação implícita, como ocorre na lei do processo eletrônico, que acontece na ausência da consulta. Não havendo confirmação, a citação será realizada por correio, oficial de justiça, escrivão ou chefe de secretaria, se o citando aparecer em cartório ou mesmo por edital (art. 246, §1º-A, I a IV, CPC).
Nesse caso, surge um ônus ao réu de informar por qual razão não confirmou a citação (art. 246, § 1º-B) na sua primeira oportunidade de falar nos autos. Depois disso, caberá ao juiz analisar se havia justa causa. Em considerando não haver justa causa, o réu será punido em até cinco por cento do valor da causa, por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 246, § 1º-C, do CPC).
Esse é, em resumo, o funcionamento da citação por meio eletrônico do CPC e as diferenças em relação à citação regulada pela Lei do processo eletrônico, que podem ser visualizadas da seguinte forma:
<table>
<tbody>
<tr>
<td width="189"></td>
<td width="189">Citação da Lei n. 11.419/2006</td>
<td width="189">Citação por meio eletrônico do CPC</td>
</tr>
<tr>
<td width="189">Prazo de consulta ou confirmação</td>
<td width="189">10 dias corridos</td>
<td width="189">3 dias úteis</td>
</tr>
<tr>
<td width="189">Consequência da ausência de consulta ou confirmação</td>
<td width="189">Presume-se a citação</td>
<td width="189">Há utilização de outro método para a citação (ex: correios)</td>
</tr>
<tr>
<td width="189">Início do prazo</td>
<td width="189">Dia útil seguinte à consulta</td>
<td width="189">Quinto dia útil seguinte à confirmação</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Há alguns problemas no eventual “diálogo” entre elas: i) não se sabe qual será a preferência de citação, caso uma empresa esteja cadastrada no PJE e por meio eletrônico nos termos do CPC; ii) houve algumas possíveis mudança na citação da lei do processo eletrônico pela entrada em vigor da Lei n. 14.195/2021.
Em relação ao primeiro ponto, o que há é uma total lacuna normativa. Existem duas citações por meio eletrônico em vigor e a legislação não traz qualquer indicativo de qual será utilizada, caso a parte esteja cadastrada nas duas. A única hipótese em que é possível vislumbrar a necessidade da citação por meio eletrônico do CPC será nos processos físicos, em que apenas ela será admitida. Por outro lado, nos processos eletrônicos, provavelmente, vai depender da regulamentação de cada tribunal ou mesmo do CNJ, que o faria em território nacional.
Sobre o segundo ponto, algumas considerações prévias. A Lei n. 11.419/2006 é lei especial, por conta disso, em regra, não será alterada pelo CPC, que é lei geral. Apenas o será nos casos em que seja omissa, quando inevitavelmente haverá necessidade de buscar uma solução no próprio CPC, como é o caso do início do prazo. Essas premissas ajudam, mas não resolvem todos os possíveis problemas criados pela Lei n. 14.195/2021.
Vamos aos possíveis problemas.
Já apontamos que a citação por meio eletrônico tem prazo diferente para sua confirmação do que na Lei do processo eletrônico. Isso altera algo na citação da lei 11.419/2006? Não, pois, como visto, trata-se de lei especial, não alterado por lei geral posterior, então o prazo de dez dias mantém-se em vigor.
Outra possível alteração veio das mudanças ocorridas no art. 231. Antes de passarmos a ela, uma explicação: a lei do processo eletrônico não regula o momento do início do prazo, por conta disso essa questão é regulada pelo CPC.
Parece existir um conflito entre o art. 231, V e IX:
Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:
(...) V - o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica;
(...) IX - o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico.
Para a citação regulada pelo CPC é clara a incidência do inciso IX. Mas e para a citação regulada pela Lei n. 11.419/2006? O prazo começa do dia útil seguinte à consulta ou do quinto dia útil?
São duas as possíveis soluções:
i) o inciso IX revoga, parcialmente, o inciso V, dessa forma todas as citações por meio eletrônico têm seu prazo iniciado no quinto dia útil após a sua confirmação, nos termos do art. 2º, §2º, da LINDB. De qualquer forma, permanece em vigor o inciso V na parte que aponta o início do dia útil seguinte ao término do prazo para a consulta. Da mesma forma, continua a ser aplicado para as intimações.
ii) os dois incisos convivem de forma harmoniosa. O inciso V aplica-se à citação regulada pela Lei n. 11.419/2006 e o inciso IX à citação por meio eletrônico do CPC e, no fim, nada muda na forma de comunicação dos atos na citação regulada pela lei do processo eletrônico.
Essa parece ser a melhor interpretação. Isso porque a própria linguagem do CPC assim parece indicar: o inciso V fala em consulta ao ato, que é a mesma linguagem da Lei do processo eletrônico. O inciso IX fala em confirmação da citação, linguagem utilizada apenas na nova citação por meio eletrônico regulada pelo CPC.  Mais do que isso, garante uma harmonia na comunicação de atos na lei do processo eletrônico, do contrário, apenas na consulta da citação o prazo iria começar apenas depois de cinco dias úteis. Nada mudaria na ausência de consulta e também nos casos de consulta de intimações.
Apesar da falta de esforço do legislador em editar uma lei coerente com o restante da legislação processual, a citação da lei processo eletrônico permanece a mesma, não sendo alterada pela Lei 14.195/2021. A citação por meio eletrônico prevista no CPC será totalmente regulada pelas alterações do CPC.
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código de processo civil CPC

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JOTA

Há, por mais estranho que possa parecer, duas citações por meio eletrônico reguladas por duas leis diferentes

Por um diálogo entre a citação da Lei 11.419/06 e por meio eletrônico do CPC

Há, por mais estranho que possa parecer, duas citações por meio eletrônico reguladas por duas leis diferentes