Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Rodrigo Becker

Prezados leitores do JOTA,
Na coluna desta semana, abordaremos recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do Recurso Especial n.º 1.311.899/RS<a href="applewebdata://A7A1FE84-0C41-4D1B-8576-1042F05770C4#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, que entendeu que o procurador da Fazenda Nacional que assinar a Certidão da Dívida Ativa (CDA) pode perfeitamente atuar na mesma execução fiscal, em nome da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O tema, a princípio parecia de simples deslinde, revelou-se de extrema relevância porque, acaso o entendimento firmado no STJ houvesse sido no sentido da impossibilidade de atuação do procurador, ainda que não se tratasse de recurso especial afetado pela sistemática dos recursos repetitivos, poderia gerar um verdadeiro efeito cascata em milhares, talvez milhões de execuções fiscais ajuizadas não apenas pela Fazenda Nacional, mas pelas Fazendas Estaduais e Municipais, na medida em que todas estariam, de algum modo, eivadas de vício.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&utm_medium=Artigos&utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
No caso concreto, cuidou-se de Recurso Especial, interposto pelo devedor, contra acórdão oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o qual negou provimento ao recurso de apelação por ele interposto, de modo a manter a sentença que havia julgado improcedentes os Embargos à Execução Fiscal.
Dentre os argumentos preliminares esposados pelo devedor, tanto nos embargos à execução, como na apelação e no recurso especial, estava a impossibilidade de atuação, na execução fiscal, do mesmo Procurador da Fazenda Nacional que emitiu a certidão da dívida ativa, na condição de representante da Fazenda Nacional.
Para o devedor, o art. 28, inciso VII, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), vedaria o exercício da advocacia aos ocupantes de cargos ou funções que tenham, dentre sua competência, o lançamento, a arrecadação e a fiscalização. Dessa forma, o Procurador da Fazenda Nacional que estava a atuar na execução fiscal não poderia ter realizado a tarefa de lançamento. Havendo o título executivo sido criado unilateralmente pela própria Fazenda Nacional, seria nulo, não se prestando ao fim ao qual foi destinado. O argumento era, pois, de nulidade da CDA, porque levada a efeito por profissional que a lei expressamente proibiria de fazê-lo.
Referida alegação não foi objeto de acolhimento nem pelo juiz singular e nem tampouco pelo TRF/4ª Região, os quais compreenderam pela inexistência de qualquer nulidade no ato do Procurador da Fazenda Nacional que assinou a CDA e atuou na execução fiscal do mesmo título.
Não obstante os embargos e conseguintes recursos também versassem sobre outros temas, como multa, encargos e taxa SELIC, o que mais despertou atenção no feito submetido à análise da Segunda Turma do STJ foi mesmo o dito argumento preliminar de nulidade do título, posto que é extremamente comum que os entes públicos, quando do ajuizamento das execuções fiscais, tenham em sua representação em juízo o mesmo advogado/procurador que houve por assinar a CDA.
No acórdão, a Turma entendeu que não procederia o argumento de vedação ao Procurador da Fazenda Nacional que emitiu a CDA de atuar como representante judicial da Fazenda Nacional, na respectiva execução fiscal. Para ela, ambas as atividades estariam prescritas no art. 12 da Lei Complementar n.º 73/93, quais fossem, a apuração da liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, com a correspondente inscrição para fins de cobrança, bem como a representação da União na execução de sua dívida ativa de caráter tributário.
Da mesma forma, o acórdão demonstrou que a Lei de Execução Fiscal (Lei n.º 6.830/80) prevê, em seu art. 2º, § 3º, que a dívida ativa da União será apurada e inscrita pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Destarte, as únicas vedações legais à atuação de um Procurador da Fazenda Nacional seriam as que constam dos arts. 28 a 31 da já referida Lei Complementar n.º 73/93 – dentre as quais não se encontra o fato apontado pelo devedor. Rejeitou, com isso, o argumento de incompatibilidade sustentado pela parte recorrente, relativamente ao Procurador que assina a CDA.
Parece-nos plenamente acertada a decisão da Segunda Turma do STJ.
Ora, é sabido que o Procurador da Fazenda Nacional, nos termos do art. 20 da Lei Complementar n.º 73/93, é membro efetivo da Advocacia-Geral da União, cujas atribuições estão descritas nos arts. 12 e 13 do mesmo diploma legal. Logo, nos dois primeiros incisos do art. 12, constam as competências de apuração da liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, com a conseguinte inscrição, assim como a representação privativa da União, na execução da sua dívida ativa de caráter tributário.
É clara, portanto, a competência atribuída à PGFN, por seus procuradores, tanto para apurar a liquidez e a certeza, como para inscrever e para executar. De outra sorte, em nenhuma passagem da lei complementar em questão existe previsão de que devem ser distintas as atuações de quem apura e inscreve e de quem executa.
Não se está a falar em atuação específica do procurador A, B ou C. O procurador não age em nome próprio, mas em representação à União (Fazenda Nacional), por meio de seu órgão, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Pretendesse o legislador distinguir, em profissionais distintos, os papeis de quem apura, inscreve e executa, deveria tê-lo feito expressamente, o que não veio a ocorrer.
Na mesma linha, se pensássemos assim, também teríamos que dizer que o advogado público que emitiu um parecer em um edital de licitação ficaria proibido de defender este ato em eventual ação judicial movida conta o ente público respectivo.
<blockquote class="jota-article__eye">Se a lei não distinguiu ou restringiu, não é dado ao intérprete assim o fazer, para criar nulidade que o favoreça no caso concreto.</blockquote>
Do que se depreendeu das alegações do recorrente (devedor), a nulidade decorreria do estado de incompatibilidade para o exercício da advocacia, o qual seria oriundo do art. 28, inciso VII, do Estatuto da OAB. Ora, a se reconhecer a aludida incompatibilidade, perderia o Procurador da Fazenda Nacional a possibilidade de exercer todas e quaisquer atribuições. Isto porque a condição de advogado é pressuposto para a assunção no cargo em questão. Sendo a incompatibilidade, como prevê o art. 27 do Estatuto da OAB, a proibição total para o exercício da advocacia, acaso lhe fosse reconhecida essa condição, pelo fato de proceder à inscrição em dívida ativa, nem mesmo Procurador da Fazenda Nacional poderia continuar a ser. Observa-se, pois, a total incongruência dos argumentos contidos no recurso especial.
A vedação pretendida pelo legislador, para o exercício da advocacia, contida no inciso VII acima citado, foi destinada aos que desempenham funções típicas de inspeção, controle e execução de trabalhos de administração tributária, fiscalização de receitas e lavraturas de autos de infração, como ocorre com os ocupantes da carreira de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, os Auditores Fiscais do Trabalho ou os fiscais de tributos estaduais e municipais.
Pretender estender essa proibição, contida no inciso VII, para os ocupantes da carreira de Procurador da Fazenda Nacional, equivaleria, aí sim, a negar vigência ao contido no art. 12, I e II, da Lei Complementar n.º 73/93 e no art. 2, §3º, da Lei de Execução Fiscal.
Para tanto, o acórdão do STJ, já objeto de trânsito em julgado, traz alívio àqueles que desempenham a árdua tarefa, não apenas no âmbito da PGFN, mas das Procuradorias Estaduais e Municipais, de atuar com execuções fiscais. Se, conforme dados do Justiça em Números 2020<a href="applewebdata://A7A1FE84-0C41-4D1B-8576-1042F05770C4#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, divulgados pelo CNJ, os processos de execução fiscal representam 39% dos casos pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%, imaginar que um entendimento pudesse ser emplacado poderia vir a representar incalculáveis prejuízos ao Erário Público, tamanha a quantidade de nulidades (inexistentes, ressalte-se) que viriam a ser reconhecidas em situações análogas, quando a execução fiscal é subscrita pelo mesmo procurador que assinou a CDA.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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<a href="applewebdata://A7A1FE84-0C41-4D1B-8576-1042F05770C4#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Relatoria da Ministra Assusete Magalhães, j. 23.02.2021, DJE 02.03.2021, trânsito em julgado em 24.03.2021.
<a href="applewebdata://A7A1FE84-0C41-4D1B-8576-1042F05770C4#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf, acesso em 26 de março de 2021.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Lei Complementar n.º 73/93 não prevê atuações distintas as atuações de quem apura e inscreve e de quem executa

Pode o procurador da Fazenda que assinou a CDA atuar na mesma execução fiscal?

Lei Complementar n.º 73/93 não prevê atuações distintas as atuações de quem apura e inscreve e de quem executa