Opinião e Análise

Rodrigo Becker

Marco Aurélio Peixoto

Prezados leitores do JOTA,
Em novembro de 2016, publicamos, aqui nesta mesma coluna, artigo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> em que defendemos que o Superior Tribunal de Justiça deveria determinar a suspensão dos processos que tramitassem naquela Corte e que tratassem de tema com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, antes da entrada em vigor do CPC/15.
Ainda que en passant, defendemos também que o debate se justificaria porque, após o CPC/15, parecia ter ficado evidente que os processos que cuidassem de tema com repercussão geral reconhecida pelo STF deveriam, obrigatoriamente, ser suspensos por determinação da Suprema Corte.
Posteriormente, em janeiro de 2017, em outro artigo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, afirmamos que a questão acerca da obrigatoriedade ou não da suspensão dos processos em razão de repercussão geral reconhecida pelo STF permanecia em aberto, havendo posições doutrinárias em ambos sentidos, tanto pela imposição de ser determinada tal suspensão, como pela discricionariedade do relator em determina-la.
Como informado no primeiro artigo citado, o tema ganha relevo, porque, em números de julho/2016, o STF tinha 320 repercussões gerais represadas, o que provocava o sobrestamento de 1.405.519 processos aguardando decisões nas demais instâncias do Judiciário<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Passados mais de um ano desses números, certamente há mais processos aguardando uma solução pela Suprema Corte.
Ademais, nem todas as decisões do STF que reconhecem a existência de repercussão geral contam com a determinação de suspensão de processos, o que, de certo, gera muitas dúvidas nos magistrados de primeira e segunda instância acerca de como proceder nos casos concretos.
Essa é a questão a ser debatida.
Na vigência do CPC de 1973, não havia dispositivo que impedisse o julgamento dos processos cujos temas tivessem sido reconhecidos em repercussão geral, razão pela qual, a título de ilustração, o Superior Tribunal de Justiça julgava seus processos, sob o entendimento de que o sobrestamento dos autos deveria ocorrer somente quando da análise de eventual recurso extraordinário interposto contra a decisão de recurso especial. Confira-se o acórdão da Corte Especial que definiu a questão:
<ol start="13">
<li>O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, como cediço, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.</li>
<li>É que os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte.</li>
<li>Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a></li>
</ol>
Observa-se, assim, que o dispositivo do CPC que tratava da questão, de fato, era omisso quanto a esse ponto<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, daí por que ensejou o Superior Tribunal de Justiça a manifestar-se acerca da questão, formulando a referida interpretação.
Todavia, o sistema mudou com o CPC/15. O parágrafo 5º do artigo 1.035 determina expressamente que, “reconhecida a repercussão geral, o relator no STF determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”, incluídos aí, portanto, os processos em tramitação no STJ.
É bem verdade que ainda persiste alguma dúvida acerca da impositividade da norma, se seria ela de observância obrigatória pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ou se caberia, ainda, a opção de não suspender os processos.
A propósito, veja-se as decisões nos RE 808.202/RS<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> e RE 565.089/SP<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, em que se entendeu pela necessidade de uma decisão judicial específica de suspensão dos processos, na linha do que já ocorria sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.
Por outro lado, em sede do RE 966177/RS, o Min. Luiz Fux afirmou que o sobrestamento de processos referentes a tema cuja repercussão geral foi reconhecida seria uma consequência automática da norma prevista no artigo 1.035, parágrafo 5º, do novo CPC.
Posteriormente, em questão de ordem levada a julgamento no plenário do STF, exatamente neste mesmo processo, o Tribunal asseverou que a suspensão do processamento prevista no artigo 1.035, § 5º, do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral, sendo discricionário do relator do recurso extraordinário paradigma determinar tal suspensão.
Veja-se que, tomando por base tal entendimento, a omissão deveria ser considerada como uma determinação de não suspensão dos processos.
Todavia, ainda persiste a dúvida: podem ser julgados os recursos especiais (ou demais processos em território nacional) se a repercussão geral foi reconhecida na vigência do CPC/15?
Para o STF a resposta parece ser positiva, desde que não tenha havido determinação expressa do relator do RE com repercussão geral para suspensão de todos os processos. Todavia, no nosso entender a resposta é negativa.
Isso por que, ainda que a regra do sobrestamento facultativo tenha sido adotada pelo Excelso Pretório, não se pode deixar de lado o sistema que inspira o processo civil brasileiro desde antes desse código, e que ganhou mais força ainda com ele, baseado na ideia de uniformização de jurisprudência.
Para melhor elucidar o argumento, revela-se oportuna a transcrição do dispositivo do CPC/2015 que trata do princípio da uniformidade:
Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Conforme se verifica, três pilares são estabelecidos pelo dispositivo: estabilidade, integridade e coerência.
Por outro lado, o art. 928 do Diploma Processual dispõe que são considerados casos repetitivos os incidentes de resolução de demandas repetitivas e os recursos especiais e extraordinários repetitivos, deixando de fora aqueles com repercussão geral.
Ademais, no art. 927, o Código, ao tratar do efeito vinculante<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> das decisões do STF e do STJ, também não menciona os REs com repercussão geral.
Disso se extrai, portanto, que, em princípio, conforme o STF, a determinação do sobrestamento dos processos em território nacional seria facultativa e não impositiva.
Não faz sentido, contudo, dentro da lógica legislativa, deixar de observar os pilares acima indicados pelo fato de a repercussão geral não estar abarcada como “casos repetitivos”.
Esses processos tratam de tema menos importantes? O STF exerce um papel diverso nesses processos do que naqueles repetitivos? O reflexo da repercussão geral será diferente nos processos em tramitação no território nacional? A decisão do STF em RE repetitivo (que necessita também de reconhecimento de repercussão geral) é mais importante porque se trata de demandas repetidas?
A resposta a todas as perguntas é negativa. Não há diferença sistêmica que autorize um tratamento diferenciado entre os reflexos dos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida e aqueles que foram submetidos ao rito dos casos repetitivos.
Além dos três pilares já descritos, a importância do art. 1035, § 5º, também pode ser traduzida no direito fundamental à segurança jurídica. Extrai-se da exposição de motivos do CPC/2015:
“O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas.”
Acerca do conceito de segurança jurídica de ordenamento jurídico, valiosas são as palavras de Humberto Ávila:
“Em algumas situações o objeto da segurança jurídica não é uma norma, mas o ordenamento jurídico: a cognoscibilidade dirige-se ao ordenamento jurídico em geral, no sentido de que este, no seu conjunto, deve ser inteligível formal e materialmente; a estabilidade pode também referir-se ao ordenamento em geral, no sentido de que este, globalmente considerado, deve ter durabilidade; e a calculabilidade igualmente pode fazer referência à ordem jurídica, no sentido de que esta, na sua totalidade, não pode ser objeto de modificações abruptas, drásticas e incoerentes. A segurança jurídica, como princípio objetivo, sem qualquer referência a sua subjetivação concreta, nessa inteligência, é princípio relativo ao ordenamento jurídico como um todo.” <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>
O jurisdicionado com uma ação versando sobre tema afeto à repercussão geral no STF, terá, certamente, menos segurança do que aquele que tem uma ação, que trata de tema sob recurso extraordinário repetitivo. Ainda que, em ambos os casos, a repercussão geral será exigida, na segunda hipótese o seu processo será suspenso para uniformizar o entendimento sobre a questão, enquanto na primeira, a suspensão é facultativa.
No primeiro caso, se o juiz julgar o pedido da ação, e o STF mudar o entendimento na repercussão geral, aquela ação deverá ser reavaliada pelas instâncias superiores (se não for mais possível, ao menos a tese), sob pena de se estabelecer uma incoerência do sistema, e uma desuniformização da jurisprudência sobre o objeto do processo. Já na segunda hipótese, com a suspensão dos processos, por força do julgamento de casos repetitivos, e a necessidade de se observar as decisões nesses casos, o jurisdicionado se vê protegido de eventual decisão incoerente com o entendimento firmado pelo STF.
Veja-se que estamos diante de uma dicotomia inaceitável e injustificável.
Destarte, o sistema recursal deve ser visto como uno, e as melhorias trazidas posteriormente na lei devem ser aplicadas indistintamente, sobretudo se visam trazer segurança jurídica e implementar coerência a esse sistema.
Nesse sentido, Gajardoni, Dellore, Roque e Oliveira Jr. fazem semelhante afirmação ao afirmar que uma das finalidades da suspensão dos processos é a busca pela segurança jurídica, evitando que sejam proferidas decisões divergentes sobre a matéria<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Ademais, ainda que se aceite que os recursos extraordinários, com repercussão geral reconhecida, não têm efeito vinculante obrigatório, servem eles, de forma clara, como orientação para todos os demais tribunais, advindo daí a importância do seu julgamento. Não há como se admitir que o os juízes julguem processos que versem sobre os temas inseridos em repercussão geral (sem repetitividade), porque isso levaria a uma situação de insegurança e instabilidade, que não se coadunam com o nosso sistema judicial.
Ressalte-se que nosso entendimento já era esse antes mesmo do CPC/2015 estabelecer a obrigatoriedade de sobrestamento, e se reforça, ainda mais, com a redação do art. 1035, § 5º, do código.
A propósito, confira-se a posição de Teresa Wambier e outros sobre o conteúdo da referida norma, ao estatuir que o relator deve suspender todos os processos em trâmite no território nacional, com o objetivo de concretizar o princípio constitucional da isonomia<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Ademais, afirmam os autores que os juízes não estariam obrigados a acatar a suspensão – com o que discordamos -, mas que seria interessante que o fizessem para evitar decisões em desarmonia com o conteúdo do mérito da repercussão geral<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Por fim, vale a transcrição do pensamento dos autores, que resume o que aqui se defende neste artigo: “as ações podem estar em 1º Grau, em 2º Grau; pode-se tratar de execução (salvo se for de título judicial transitado em julgado). O importante é prevenir decisões discrepantes daquilo que o STF decidirá, quando apreciar o mérito do recurso”<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>.
Não há razão sistêmica para se admitir esse decote pretendido pelo STF, tampouco razão jurídica, na medida em que ofende os princípios da segurança jurídica e da uniformidade de julgamentos.
O ideal, pensamos, é que o STF reveja seu pensamento e adote a razão jurídica e a justiça social, decidindo por sobrestar, obrigatoriamente, todos os processos que estão sob repercussão geral no STF, independentemente de ter sido ela reconhecida em julgamento de casos repetitivos ou não.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://jota.info/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/cpc-nos-tribunais-o-sobrestamento-de-recursos-no-stj-ante-repercussao-geral-reconhecida-pelo-stf-17112016">https://jota.info/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/cpc-nos-tribunais-o-sobrestamento-de-recursos-no-stj-ante-repercussao-geral-reconhecida-pelo-stf-17112016</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://jota.info/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/repercussao-geral-e-suspensao-da-tramitacao-de-processos-12012017">https://jota.info/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/repercussao-geral-e-suspensao-da-tramitacao-de-processos-12012017</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://www.jota.info/stf-admite-que-nao-consegue-analisar-processos-com-repercussao-geral">https://www.jota.info/stf-admite-que-nao-consegue-analisar-processos-com-repercussao-geral</a>.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> REsp 1143677/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, DJe 04/02/2010.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Rel. Min. Luiz Fux.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Rel. Min. Marco Aurélio.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Muito embora o código não utilize a expressão “efeito vinculante” no art. 927, quando diz que os tribunais “observarão” as decisões proferidas no rol de processos desse artigo tem-se aí uma espécie vinculação, sobretudo porque, nessas hipóteses, em regra, caberá reclamação (art. 988 do CPC/15) contra a decisão que não “observar” tais decisões.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 138-139.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Execução e Recursos – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017, p. 1206.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> WAMBIER, Teresa Arruda Alvim [et. al]. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2015, p. 1507.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Ibidem, p. 1508.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Ibidem.

IMagem

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Sobrestamento de processos ante a repercussão geral reconhecida

Sistema recursal deve ser visto como uno