Opinião e Análise

Vinicius Silva Lemos

Nos últimos dias, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a> promulgou a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pec-da-relevancia">PEC da Relevância</a> transformando-a na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc125.htm">Emenda Constitucional 125/2022</a>, com a criação de um novo requisito de admissibilidade ao recurso especial, a necessidade de existência de relevância da questão federal.
A relevância foi criada com o intuito de transformar a atuação do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>) no julgamento do recurso especial, focando no julgamento somente de matérias consideradas como relevantes. O intuito é diminuir a carga de trabalho do STJ, dado o número excessivo de processos que chegam anualmente neste Tribunal Superior – cerca de 202.904 novos processos (de todas as classes) somente de janeiro a junho de 2022, sendo uma base de 400 mil processos/recursos por ano, resultando em mais de 560.405 julgamentos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> no ano passado pelo STJ.
De fato, é um trabalho hercúleo do STJ em julgar uma quantidade enorme de recursos e processos. Com a intenção de mudar essa realidade, a Emenda Constitucional no. 125/2022 acrescenta no artigo 105 da Constituição Federal os §§2º e 3º:
<blockquote class="jota-article__citation">"§2º — No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 dos membros do órgão competente para o julgamento 
3º — Haverá a relevância de que trata o §2º deste artigo nos seguintes casos: I — ações penais; II — ações de improbidade administrativa; III — ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos; IV — ações que possam gerar inelegibilidade; V — hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; VI — outras hipóteses previstas em lei”.</blockquote>
A relevância e a sua concepção macro foram criadas nesta emenda, porém ainda depende de regulamentação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, até pela abertura conceitual que o 2o dispõe, bem como a própria menção de que a relevância será definida “nos termos da lei”. Tal qual a repercussão geral no recurso extraordinário, a relevância dependerá de uma lei para definir os seus limites, os seus impactos e consequências processuais e materiais.
Somente saber-se-á o que realmente é a relevância quando a lei regulamentadora for criada, definindo claramente o que é este novo requisito de admissibilidade do recurso especial, os seus moldes e o que deve ser exigido para a sua incidência, pautando, a partir de então, a atuação dos advogados nos recursos e a cobrança pelo STJ nos julgamentos.
Alguns pontos e limites já foram descritos pela própria Emenda Constitucional, como a divisão entre relevância subjetiva e objetiva/presumida (§3º.), a análise da relevância por órgão colegiado e a quantum de 2/3 (dois terços) para a sua negativa. São aspectos gerais sobre a relevância, os quais devem ser observados pela lei regulamentadora, porém esta futura lei terá enorme importância em realmente criar o instituto, a definição legal do que realmente é relevância, o que deve ser suscitado quando não for presumida/objetiva, o modo de suscitação, competência específica para a análise e consequências procedimentais.
Ou seja, há todo um caminho para a aplicação do novel requisito de admissibilidade da relevância no recurso especial, impedindo que seja cobrado automaticamente nos recursos especiais a serem interpostos até a sanção desta eventual lei.
Um dos pontos que a lei deve regulamentar é a declaração de irrelevância (a manifestação de 2/3 dos membros do colegiado) e as suas consequências.
Essa é uma grande questão a se debater depois de entender-se o que será a relevância no recurso especial, justamente o impacto sobre a não relevância julgada em determinada matéria. A eventual lei regulamentadora da relevância deve trazer as consequências da declaração de relevância (se formará precedente qualificado e quais as consequências) e também deve se atentar a definir sobre a declaração da não relevância.
O que fazer a partir da declaração de não relevância – ou irrelevância – em determinada matéria de recurso especial? Esse ponto é crucial para o futuro do recurso especial e do próprio STJ, com a delimitação da relevância e sua procedimentalidade.
De certa maneira, a tendência será a busca por um efeito cascata da irrelevância, com a sua declaração impactando naquela matéria não ser mais remetida ao STJ, com a formação de um precedente negativo sobre determinadas matérias, como um óbice claro para que os recursos especiais de matérias declaradas não relevantes cheguem ao STJ, talvez até com a proposição de que não caiba agravo em recurso especial, como ocorre na negativa de repercussão geral.
E, diante desse ponto, salienta-se o necessário e seguinte diálogo: a formação na lei regulamentadora dos impactos da relevância e da não relevância deve aprender com a repercussão geral e a Emenda Regimental no. 54/2020 do STF<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> para criar um instituto mais eficaz para o cotidiano do STJ. 
Sinteticamente, a repercussão geral opera sobre uma linha tênue entre um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e uma afetação para a formação de precedente qualificado a ser julgado pelo pleno do STF.
E, de maneira inversa, as suas negativas sempre foram dispostas como a formação de um precedente negativo, com reflexo naquelas matérias sem repercussão geral e o consequente não seguimento de todos os recursos extraordinários que versem sobre a matéria idênticas, tanto aqueles que já estivessem no STF quanto os sobrestados à espera nos Tribunais recorridos, no CPC/73 o artigo 543-A, §5º e no CPC/2015, o artigo 1.035, §8º. Além do não cabimento do agravo em recurso excepcional, como disposto no artigo 1.042 do CPC.
Diante disso, negar a existência de repercussão geral é tratar aquela matéria como irrelevante e condená-la ao ostracismo constitucional<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, sendo de difícil revisão posterior para transformar um tema sem repercussão geral em um tema a ser revisto com repercussão geral. Logo, a não repercussão geral tem um impacto no descolamento da análise do STF sobre aquela questão, ainda que seja uma questão constitucional.
É prudente desde logo descartar a repercussão geral de uma matéria e torná-la irrelevante? Condená-la ao não julgamento pelo STF? Essa sempre foi uma dúvida interna do próprio STF, a considerar pela quantidade baixa de negativas de repercussão geral, justamente pelo receio, depois do entendimento prático da sistemática deste instituto no cotidiano, de não mais julgar aquela matéria e a percepção que, muitas vezes, diversas questões demoram a ser maturadas para o devido julgamento.
Condenar determinada matéria a não ter repercussão geral é condenar a não ter um julgamento pelo STF. O que tornou a própria negativa um problema para o STF <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
No entanto, em 2020, o STF editou a Emenda Regimental no. 54/2020, com alteração significativa na negativa de repercussão geral, concedendo ao relator, ao receber o recurso extraordinário com aparente admissibilidade dos requisitos gerais, a possibilidade de analisar monocraticamente a ausência de repercussão geral e, se for o caso, inadmitir o recurso em questão pela ausência de repercussão geral, nos moldes do artigo 326, §1º<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> do Regimento Interno do STF.
A partir dessa Emenda Regimental, o relator pode negar a repercussão geral de um modo que não era possível, sem a amplificação e transcendência negativa para os demais casos idênticos, com aplicabilidade somente para aquele caso. De todo modo, se o recorrente discordar da decisão do relator, é possível utilizar o agravo interno para o Pleno, com o intuito meramente de analisar a repercussão geral em si, não o recurso, ao menos ainda de acordo com o artigo 326, §2º do Regimento Interno do STF.
O julgamento deste recurso será somente sobre a negativa da repercussão geral, se está negativa será confirmada somente para aquele caso ou se será redistribuído o processo para outro relator para que proceda novamente a análise da admissibilidade. Não há no julgamento desse agravo interno a consequência automática de que há repercussão geral que enseje a transformação em tema de repercussão geral e incidente para formação de precedente.
De maneira geral, a possibilidade que a repercussão geral seja negada caso a caso é um ganho de procedimentalidade, com uma discricionariedade para a própria administração do estoque e das questões relevantes a serem julgadas pelo STF, sem o receio daquela matéria ser formada com um precedente negativo de repercussão geral de prima face e o impedimento do próprio STF em julgar aquela matéria mais à frente.
Num paralelo entre a repercussão geral e a relevância, esse ponto é crucial para que a discussão sobre a lei que regulamentará a relevância não cometa o mesmo erro da repercussão geral e sua negativa, sem impor claramente um efeito cascata para todos os recursos daquela matéria que se considere não relevante.
Por mais que possa parecer que o intuito da relevância seja obstar os recursos especiais (e os agravos em recursos especiais), com menos matérias para que o STJ se concentre no julgamento de matérias relevantes, a partir da vigência do instituto, pode-se instalar o temor que declarar irrelevante uma matéria significará ao STJ relegar aquela matéria a não ser mais enfrentada, dado o caminho complexo de revisão de tese, como ocorreu na repercussão geral negativa e seu efeito cascata.
O impacto a médio prazo pode ser tornar a declaração de irrelevância um ponto que o STJ não queira realizar, de maneira clara, observando a quantidade ainda pequena de não repercussão geral declarada pelo STF<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
É prudente que na construção da irrelevância e suas consequências procedimentais, bem como no impacto nos demais recursos da mesma matéria, definam claramente o que a Emenda Regimental no. 54/2020 do STF fez, com a possibilidade de negativas de relevância somente para o caso em concreto, deixando em aberto para que a matéria e a sua relevância sejam revistas em outros casos/recursos, com um certo grau de discricionariedade.
Pode ser melhor que a irrelevância seja discricionária, sem um efeito cascata automático, sem um impacto consequencial do STJ não julgar mais aquela matéria ou que se crie mecanismos eficientes de revisão de tese da eventual irrelevância, para além da atual dificuldade de se rever teses em repetitivos, IAC, repercussão geral ou até da negativa da repercussão geral<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
A construção legislativa do instituto da relevância ainda está por vir e o debate em torno do seu limite deve definir o seu impacto, a sua influência e diálogo com os institutos formadores de precedentes (ou se a própria relevância será um formador de precedente qualificado), a diferença entre o julgamento de recursos especiais com relevância presumida e aqueles que sem a presunção e, também, as consequências da irrelevância.
Por fim, para entender o impacto da irrelevância e um possível engessamento do STJ sobre as matérias possíveis de conhecimento do recurso especial, é prudente que haja um diálogo com o que se aprendeu na repercussão geral e o que se remodelou via Emenda Regimental 54/2020 do STF, possibilitando – ainda que não seja uma regra – uma análise de irrelevância para o caso em concreto, sem uma automaticidade e impacto em todos os recursos daquela matéria.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dados analisados e comentados por: VITORELLI, Edilson. Emenda constitucional - relevância da questão federal no REsp. <a href="https://www.academia.edu/83153058/Emenda_constitucional_relev%C3%A2ncia_da_quest%C3%A3o_federal_no_REsp">https://www.academia.edu/83153058/Emenda_constitucional_relev%C3%A2ncia_da_quest%C3%A3o_federal_no_REsp</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre a impossibilidade de cobrança imediata da relevância nos recursos especiais: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Relevância das questões de direito federal em recurso especial e direito intertemporal. <a href="https://www.conjur.com.br/2022-jul-16/cunha-direito-federal-recurso-especial-direito-intertemporal">https://www.conjur.com.br/2022-jul-16/cunha-direito-federal-recurso-especial-direito-intertemporal</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Sobre o tema: LEMOS, Vinicius Silva; RODRIGUES, Marco Antonio Rodrigues. A emenda regimental 54/2020 ao regimento interno do STF, a repercussão geral e a busca pela evolução sistêmica. REVISTA DE PROCESSO, v. 326, p. 231-256, 2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> “forçoso é reconhecer que, paradoxalmente, haverá também questões de índole constitucional “menos importantes” para os fins do recurso extraordinário, porque despidas de repercussão geral.” TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). Disponível em: <a href="http://www.oab.org.br/ editora/revista/users/revista/1211289535174218181901.pdf">http://www.oab.org.br/ editora/revista/users/revista/1211289535174218181901.pdf</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Sobre o tema: REGO, Frederico Montedonio. O filtro oculto de repercussão geral: como o obscurecimento dos juízos de relevância contribui para a crise do STF. Revista de Direito Brasileira, Vol. 18, p. 6-29, São Paulo: 2017
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6] </a>Regimento Interno – STF. Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) Relator(a), à Presidência do Tribunal, para os fins do artigo subsequente e do artigo 329. §1º Poderá o relator negar repercussão geral com eficácia apenas para o caso concreto. (Incluído pela Emenda Regimental n. 54, de 1º de julho de 2020)
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Até 2018, a diferença entre os temas afetados para o Pleno do STF em repercussão geral admitida e os temas com negativa de repercussão geral: “974 questões foram afetadas ao regime de repercussão geral; em 317 temas ela foi negada, significando que recursos versando aquelas matérias não subirão mais.” BARROSO, Luís Roberto; REGO, Frederico Montedonio. Balanço de dez anos da repercussão geral. Disponível em:<a href="https://www.jota.info/especiais/balanco-de-dez-anos-da-repercussao-geral-07022018"> https://www.jota.info/especiais/balanco-de-dez-anos-da-repercussao-geral-07022018</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Sobre a negativa de repercussão geral e o impacto nos outros processos: “Quando a Corte nega repercussão geral a uma tese, ela abre mão de decidir sobre aquele assunto não apenas no caso concreto, mas em todos os casos semelhantes, e de forma definitiva. Embora teoricamente haja a possibilidade de revisão da tese (CPC/2015, artigo 927, §§2º a 4º, eRI/STF, artigo 103), na prática o juízo de ausência de repercussão geral impede que o Tribunal volte a ser provocado sobre aquele mesmo assunto em futuros recursos extraordinários, já que não cabe sequer agravo da decisão que inadmite recurso extraordinário por falta de repercussão geral. Essa já era a jurisprudência da Corte na vigência do CPC/1973 (Pleno, AI 760.358-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 19/11/2009), que veio a ser confirmada no artigo 1.042 do CPC/2015.” REGO, Frederico Montedonio. O filtro oculto de repercussão geral: como o obscurecimento dos juízos de relevância contribui para a crise do STF. Revista de Direito Brasileira, Vol. 18, p. 6-29, São Paulo: 2017. p. 13.

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JOTA

Declaração de não relevância em determinada matéria de recurso especial é crucial para o futuro do STJ

O que a relevância no REsp tem a aprender com a Emenda Regimental 54/20 do STF?

Ponto da declaração de não relevância em determinada matéria de recurso especial é crucial para o futuro do STJ