Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Rodrigo Becker

Prezados leitores do JOTA,
Na coluna desta semana, abordaremos recente acórdão da 2ªTurma do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Recurso Especial nº 1.908.703/BA<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, no qual se reafirmou o entendimento de que o julgamento colegiado de embargos de declaração opostos contra decisão monocrática de relator em TJ ou TRF não acarreta o exaurimento de instância, para fins de interposição do recurso especial.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A conclusão a que se chegou, na 2ª Turma do STJ, causou polêmica, e circulou nas redes sociais e nos principais portais jurídicos. Em verdade, contudo, ela representa a manutenção do entendimento que se consolidou naquela Corte Superior, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973. E, nesse ponto, não podemos deixar de dizer que o STJ se manteve coerente com a posição firmada há alguns anos, fato que representa estabilidade e segurança ao jurisdicionado.
Cumpre, inicialmente, tecer alguns comentários acerca da necessidade de prévio esgotamento da via recursal ordinária, como condição ou pressuposto para a admissibilidade dos recursos excepcionais.
Como bem assevera Marco Antônio Rodrigues, tal necessidade de prévio esgotamento decorre da excepcionalidade dos recursos especial e extraordinário. Tratando-se de meios de impugnação que se prestam a proteger essencialmente a lei federal e a Constituição da República, seu uso deve ser a última hipótese para o jurisdicionado<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Já para Vinicius Lemos, a intenção desse requisito de admissibilidade é possibilitar que o recorrente utilize todos os recursos adequados para a situação, que permitem uma resolução até mais fácil e célere no âmbito do segundo grau, pelo simples fato de que o recurso interno naquela instância pode por lá resolver a questão, com, talvez, a desnecessidade de remessa a um Tribunal Superior<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Na visão de Daniel Neves, citando inclusive o decidido pelo STJ no Resp 1.231.070/ES<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, o recurso especial somente haveria de ser admitido – diante de decisão colegiada em embargos de declaração contra decisão monocrática – se os embargos de declaração forem recebidos como agravo interno ou quando o mérito da decisão monocrática for julgado colegiadamente nos embargos de declaração<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> – numa possível reanálise do caso por conta de eventuais efeitos infringentes.
No caso concreto em análise nesta coluna, cuidou-se inicialmente de petição apresentada por empresa privada, buscando junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia a concessão de efeito suspensivo à apelação. Havendo a empresa obtido êxito no seu pleito de concessão do efeito suspensivo, houve a interposição de agravo interno, por parte do Estado da Bahia.
No entanto, antes que o agravo interno viesse a ser julgado, o relator, no TJBA, em decisão monocrática, julgou o pedido do agravo prejudicado, por perda do objeto, já que teriam sido acolhidos embargos declaratórios opostos ao acórdão que improvera a apelação do particular, mantendo-se a decisão, no entanto, na parte em que se havia atribuído efeito suspensivo à apelação do contribuinte.
Diante dessa decisão monocrática de perda do objeto o Estado da Bahia ofereceu embargos de declaração, sustentando erro/contradição no julgado. O julgamento dos embargos de declaração, no entanto – e é aí onde começa o imbróglio – , não se deu monocraticamente, mas sim por órgão colegiado, que, por meio de acórdão, conheceu e rejeitou o recurso no mérito.
Já causa estranheza, de logo, a nosso ver, a opção feita pelo relator no TJBA. Se o ente público estava a atacar, por meio de embargos de declaração, decisão monocrática, das duas, uma: ou rejeitava os embargos por nova decisão monocrática ou admitia, nos termos do §3º do art. 1.024 do CPC, os embargos de declaração como se fosse agravo interno (fungibilidade), julgando-o colegiadamente. Mas não procedeu nem de uma forma, nem de outra.
Sendo assim, o Estado da Bahia não interpôs agravo interno, mas sim diretamente Recurso Especial, pugnando do STJ a anulação e/ou reforma do acórdão do TJBA, de modo a excluir, na decisão monocrática, a menção à manutenção de decisão que havia concedido efeito suspensivo ao recurso de apelação, sustando-se os efeitos da sentença.
É possível especular, apenas por hipótese, que tenha o ente público optado pelo recurso especial ao vislumbrar a possibilidade de que se interpretasse como erro grosseiro a eventual utilização do agravo interno contra decisão colegiada, matéria reiteradamente também decidida pelo STJ<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, que inclusive se manifesta pela impossibilidade, nestes casos, de incidência da fungibilidade recursal.
Cumpre ressaltar, a título de curiosidade, que nas razões do Recurso Especial, o recorrente não inaugurou preliminar para defender o cabimento do recurso, de modo a sustentar o exaurimento das vias recursais ordinárias.
Da mesma forma, não houve, nas contrarrazões, qualquer menção preliminar à inadmissão do recurso, em razão de suposto não exaurimento das instâncias ordinárias, articulando-se apenas supostas ausências de prequestionamento e de impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida. O recurso especial foi admitido pelo 2º Vice-Presidente do TJBA, sem que se fizesse qualquer menção ao exaurimento ou ao não exaurimento das instâncias ordinárias, subindo assim ao STJ.
<blockquote class="jota-article__eye">Pois bem. No voto, a ministra relatora compreendeu que o recurso não merecia conhecimento, já que não seria cabível a interposição de Recurso Especial interposto em face de decisão monocrática, porquanto não esgotada a prestação jurisdicional pelo Colegiado de origem.</blockquote>
Firmou-se o raciocínio de que, quando o órgão colegiado aprecia embargos de declaração opostos contra decisão monocrática, em verdade não examina a controvérsia, mas apenas afere a presença, ou não, de um dos vícios que motivam o uso daquela espécie recursal. Não havendo, portanto, exaurimento da instância, não haveria que se admitir o uso do recurso especial<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Utilizou-se ainda, como fundamento para a não admissão do recurso excepcional o óbice contido na Súmula 281 do Supremo Tribunal Federal, que diz que é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.
Na mesma linha, apesar de não mencionada no voto, a Súmula 207 do STJ, que afirmava ser inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem – apesar de hoje não mais compatível com o atual CPC –, demonstrava o entendimento de rejeição de espécies recursais excepcionais antes do esgotamento da via recursal nas instâncias ordinárias.
Como sustentamos no início desta coluna, por maiores que sejam as polêmicas que uma decisão dessa venha a causar – e não foram poucas as ácidas críticas a ela dirigidas –, a verdade é que a 2ª Turma do STJ se manteve coerente com a linha de entendimento que vem sendo expressada naquela Corte, por suas Turmas e por sua Corte Especial, há muitos anos, desde ainda antes da vigência do atual diploma processual.
Do ponto de vista formal, irretocável, o acórdão da 2ª Turma do STJ, prolatado no último mês de agosto, vez que o recurso especial interposto esbarrou no não cumprimento de um dos pressupostos específicos de admissibilidade, qual fosse, o prévio esgotamento da via recursal ordinária.
Podemos questionar, no entanto, a compatibilidade da Súmula 281 do STF, aplicada no caso concreto, com o princípio da primazia do exame do mérito, consagrada como norma fundamental no art. 4º do CPC. Em situações como a presente, perde-se a oportunidade de um profícuo debate atinente ao mérito, em razão da formalidade relativa à obediência ou não de um pressuposto recursal.
Se vivemos uma realidade em que se admite, por exemplo, o livre trânsito entre o recurso especial e o recurso extraordinário (arts. 1.032 e 1.033 do CPC), talvez seja a hora de refletir sobre a superação de interpretações como a do erro grosseiro na confusão que se estabelece no uso do agravo interno ou do agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, contra decisões de inadmissão de recursos excepcionais, ou, ainda, como esta que aqui apresentamos.
Observe-se, inclusive, como já antes afirmado, que o suposto não esgotamento da via recursal ordinária restou ignorado no primeiro juízo de admissibilidade, realizado no TJBA. Se assim se deu, é porque a questão não era tão simples.
Uma última observação é necessária. O entendimento exarado pelo STJ, na hipótese em exame, possui um reflexo que leva a um dilema, consubstanciado na inadmissão, por diversos Tribunais, de agravo interno contra o “acórdão” proferido em embargos declaratórios contra decisão monocrática. Dessa forma, à parte não resta alternativa, pois não é cabível o recurso especial, tampouco um recurso no âmbito da Corte de origem.
É bem verdade, e disso não nos descuidamos, que o aresto em comento nesta coluna tratou de afirmar que, sim, deve ser admitido o agravo interno neste caso. Mas o que vemos é que, na prática, continua não sendo admitido.
Dessa forma, que prejuízos se poderia haver caso a relatora no STJ, ao invés de proferir um voto pela inadmissão, determinasse a conversão em agravo interno e determinasse o retorno dos autos ao TJBA, para que a via recursal ordinária viesse a ser esgotada? Destaque-se que o prazo recursal restou cumprido, a interposição se deu na instância adequada, e os fundamentos foram devidamente esposados quanto ao mérito.
Sob nossa ótica, nenhum. É preciso refletir e avançar nisso. Se pretendemos fazer prevalecer o debate de mérito, o rigor formal precisa ser uma exceção não apenas na letra da lei, mas na prática de nossos Tribunais, e mais precisamente no caso concreto, talvez fosse o caso de se admitir a fungibilidade e considerar os embargos declaratórios como efetivo agravo interno para fins e assim autorizar eventual recurso especial.
&nbsp;
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Julgado em 24.08.2021, DJE 31.08.2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos Recursos, Ação Rescisória e Reclamação. São Paulo: Atlas, 2017, p. 252.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 4ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 501.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Corte Especial, rel. ministro Castro Meira, julg. 03/10/2012, DJE 10/10/2012.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, volume único. 8ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 1.610.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Nesta linha, AgInt nos EDcl nos EDcl n AgInt nos EDcl no AREsp 1.524.139/ES, Segunda Turma, rel. ministro Og Fernandes, julg. 24/08/2021, DJE 10/09/2021; AgRg no AgRg no AREsp 1.835.359/MT, rel. ministro Jesuíno Rissato (convocado), Quinta Turma, julg. 17/08/2021, DJE 24/08/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1.786.015/SP, Quarta Turma, rel. ministro Luís Felipe Salomão, julg. 16/08/2021, DJE 24/08/2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Nesta linha, AgRg no REsp 1.231.070/ES, Corte Especial, rel. ministro Castro Meira, DJE 10/10/2012; AREsp 1.144.980/GO, Terceira Turma, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJE 01/08/2018; AgInt no AREsp 1.344.777/MA, Segunda Turma, rel. ministro Francisco Falcão, DJE 18/11/2020; AgInt no AREsp 921.127/SP, Segunda Turma, rel. ministro Herman Benjamin, DJE 11/10/2019, dentre outros precedentes citados no voto.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Afinal, há ou não exaurimento de instância?

Julgamento colegiado de embargos de declaração contra decisão monocrática

Afinal, há ou não exaurimento de instância?