Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Rodrigo Becker

Prezados leitores do JOTA,
Na coluna desta semana, abordaremos recente acórdão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do Recurso Especial n.º 1.909.451/SP<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, que entendeu que a extensão do efeito devolutivo da apelação é definida e limitada pelo pedido do recorrente.
Como bem destacou o relator, no início do seu voto, a grande controvérsia do recurso consistia na definição da extensão do efeito devolutivo da apelação, na sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), com base na interpretação do art. 1.013<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
A respeito, segundo as lições de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, quanto à extensão, o grau de devolutividade é definido pelo recorrente no pedido recursal, de modo que, ao deduzir o pedido de nova decisão, o recorrente delimita a extensão da devolutividade, a fim de que o tribunal possa julgar o recurso. Cabe, segundo eles, ao recorrente definir o capítulo da sentença apelada que pretende seja reexaminada pelo tribunal.
Na mesma linha, Marco Antonio Rodrigues defende que a dimensão horizontal do efeito devolutivo representa as parcelas da decisão impugnadas e que, por isso, são transferidas ao órgão julgador do recurso<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Assim, no caso em que o efeito devolutivo horizontal for parcial, os capítulos da decisão que não tenham sido impugnados restarão preclusos.
Ocorre que, ainda tratando do efeito devolutivo da apelação, o art. 1.013, § 1º, do CPC, indica que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
A respeito, Vinicius Lemos ressalva que tal possibilidade está interligada a um limite, ao pedido recursal realizado e à matéria impugnada no apelo<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Dessa forma, mesmo que seja nas hipóteses de enfrentamento de matérias de ordem pública, só é possível o enfrentamento de questões relativas ao capítulo impugnado.
Corroborando os ensinamentos doutrinários acima elencados, o Enunciado n.º 100, do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), estabelece que “não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação”.
Insta ressaltar que tal entendimento não é unânime na doutrina pátria, porque há vozes, em minoria, que defendem a possibilidade de superação dos limites impostos pela extensão do pedido recursal, de sorte a permitir a análise e o julgamento de questões não impugnadas, com a possibilidade de serem reformadas ou anuladas, quando se tratar de matéria de ordem pública<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Voltando ao caso concreto, cuidou-se de ação na qual se buscava a cobrança de débitos condominiais, no total de R$ 23.940,86 (vinte e três mil, novecentos e quarenta reais e oitenta e seis centavos), ajuizada por um condomínio contra um casal. Ocorre que, havendo falecido o marido, foram incluídos no processo o espólio e seus herdeiros. Quando da sentença, reconheceu-se a ilegitimidade passiva dos herdeiros do falecido – em razão de o bem ter sido transmitido por usufruto ao casal -, mantendo-se na lide o espólio e a segunda ré (a viúva). Julgou-se, ademais, o pedido parcialmente procedente, observando-se a prescrição de parcelas vencidas antes de 16/03/2007.
Quando da interposição do recurso de apelação, os herdeiros pleitearam honorários contra o condomínio e, ao mesmo tempo, impugnaram a condenação do espólio, sob o fundamento de que não poderia haver responsabilidade pelo débito condominial, já que o casal nunca teria feito uso do imóvel, o qual teria sido abandonado, nos termos do art. 1.275, III, do CPC, implicando na perda da propriedade. Os herdeiros aduziram ainda, em sua apelação, que a viúva também houve por falecer, em meados de 1990, de modo que os espólios não poderiam ser condenados ao pagamento de débitos posteriores ao falecimento dos titulares do usufruto do bem, pois a morte extingue o usufruto.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) anulou a sentença e aplicou a teoria da causa madura, julgando o pedido procedente em parte quanto aos três herdeiros que eram os detentores da nua propriedade e que, com a morte dos usufrutuários, receberam a propriedade em sua integralidade.
No recurso especial, os três herdeiros afirmaram violação aos arts. 1.275, III, 1.276 e 1.403, I, todos do Código Civil, bem como aos arts. 86 e 1.013, do CPC. Assim, fora as questões de direito material, que não são objeto de nossa análise na presente coluna, sustentou-se que o acórdão do TJSP, ao aplicar a teoria da causa madura, acabou por prejudicar a situação dos recorrentes, violando o disposto no caput do art. 1.013 do CPC, caracterizando a reformatio in pejus. Afirmou-se ainda que, se a apelação devolve o conhecimento de toda a matéria impugnada, consequentemente o que não foi objeto de impugnação não seria devolvido à análise e julgamento pelo TJSP.
O recurso especial foi inadmitido, o que os levou a oferecer agravo em recurso especial, convertidos pela Quarta Turma do STJ em Recurso Especial.
Julgando o recurso especial, deu-se provimento à unanimidade, para anular o acórdão recorrido e, com isso restabeleceu-se a sentença de primeiro grau em todos os seus termos.
Em seu voto, o Ministro Relator desenvolveu acurada análise acerca do recurso de apelação, quer no código atual, quer no anterior, notadamente no que diz respeito à extensão e à profundidade do efeito devolutivo, fazendo referência inclusive a diversos entendimentos doutrinários.
Para ele, o CPC é suficientemente claro ao estabelecer que o conhecimento de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, devem ser relativas ao capítulo impugnado (profundidade da questão), reforçando inclusive com menção ao Enunciado do FPPC, já referido linhas atrás.
Analisando-se esse primeiro aspecto do voto do Ministro Luís Felipe Salomão, é de se observar que seguiu a linha do majoritário pensamento doutrinário, em especial após o CPC/2015. A questão poderia até gerar mais polêmica à luz do CPC anterior, visto que o §1º do CPC/73 previa que seriam objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tivesse julgado por inteiro. No entanto, com a redação do §1º do art. 1.013 do atual código, ao se incluir expressamente a ressalva de que tais questões precisam ser relativas ao capítulo impugnado, resta sem fuga a conclusão de que eventuais matérias alheias ao capítulo objeto de impugnação restaram protegidas pela coisa julgada. O Código foi preciso ao corrigir a redação anterior.
E foi o que, de fato, ocorreu na situação em análise. Ao atribuir responsabilidade pelo pagamento da dívida aos detentores da nua propriedade, que eram herdeiros dos falecidos usufrutuários, condenando-os no julgamento de apelação por eles interpostas, cuidou de matéria acobertada pela coisa julgada, visto que o condomínio, legítimo interessado em eventualmente lhes cobrar, não houve por impugnar a sentença nesse ponto. O fato de terem os apelantes questionado, no recurso, a legitimidade passiva do espólio, não serve como justificativa para se entender que toda a temática da legitimidade passiva teria sido devolvida ao tribunal, de modo a autorizar aquela Corte a compreender os herdeiros como responsáveis pela dívida.
Outro aspecto a ser considerado, quando se debate essa possibilidade de interpretar que o efeito devolutivo autoriza a análise de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, é o da vedação da reformatio in pejus, claramente ignorada, a nosso ver, no acórdão do TJSP.
A esse respeito, conforme já destacava Barbosa Moreira, ao defender a existência de tal princípio em nosso ordenamento, se o interesse é pressuposto de admissibilidade de um recurso, seria contraditório imaginar que  possa advir utilidade de pronunciamento que seja desfavorável ao recorrente<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>. Além disso, se nem mesmo por provocação do apelante poderia o tribunal reformar a decisão para pior, menos ainda se concebe que pudesse fazer isso sem tal provocação.
No mesmo sentido, segundo ressalta Vinicius Lemos, a impossibilidade de reformatio in pejusnasce do próprio pedido realizado, uma vez que o efeito devolutivo e a pretensão dispositiva do recorrente delimitam a própria recorribilidade, sem a possibilidade de responder de modo diverso do que se pleiteou, muito menos para piorar a situação do recorrente<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Sendo assim, ao anular a sentença e aplicar a teoria da causa madura, indiscutivelmente o TJSP acabou por piorar a situação dos recorrentes, os quais haviam apelado para pleitear a condenação do condomínio em honorários e para impugnar a condenação do espólio, acabando por saírem então condenados ao pagamento da dívida condominial. Agiu bem, sob nosso entendimento, o STJ também neste aspecto, visto que, ainda que eventualmente se acolhesse a tese minoritária de possibilidade de conhecimento de questões não contidas no capítulo impugnado, haveria de se esbarrar na vedação da reformatio in pejus.
<blockquote class="jota-article__eye">Como se não bastasse, há de se apontar ainda uma terceira falha no acórdão do TJSP, ao se valer da teoria da causa madura: não se respeitou o contraditório, basilar princípio consagrado na Constituição Federal de 1988 e nas normas fundamentais do CPC/2015, em seus arts. 9º e 10.</blockquote>
Para se aplicar a teoria da causa madura, nos termos da lição de Humberto Theodoro Júnior, mencionado inclusive no voto, deve o processo estar em condições de imediato, o que julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Inegavelmente, os apelantes se depararam com uma verdadeira decisão-surpresa, que lhes foi desfavorável e sobre a qual não tiveram a prévia oportunidade de se manifestar. Como não tiveram a chance de contribuir para o debate acerca de serem eles ou não legítimos para figurar no polo passivo da demanda, não poderia o TJSP, ainda que tal questão houvesse sido levantada – o que, repita-se, não foi -, decidir sem lhes dar a oportunidade de rebater tal questão.
Em conclusão, como é de se ver, dada a profundidade do voto exarado na Quarta Turma do STJ, acerca do efeito devolutivo do recurso de apelação, a questão de direito material em debate acabou ficando em segundo plano. Acertadas, pois, as conclusões extraídas unanimemente naquele Colegiado, em respeito ao que está prescrito no CPC e em consonância com a majoritária doutrina. O efeito devolutivo da apelação é limitado pelos capítulos de sentença impugnados pelo recorrente. Não se pode, a pretexto de aplicar a teoria da causa madura, admitir julgamentos fora desse limite, violando-se o contraditório e a coisa julgada.
<hr />
<div id="teste3-99b6e4ed7825b47581be" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm();</script> 
<script type="text/javascript">
setTimeout(function(){
 const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n")
 const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knj7ibbg")
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 check.addEventListener("click", function() {
 if (check.checked){
 btn.disabled = false;
 btn.style.opacity = 1;
 } else {
 btn.disabled = true;
 btn.style.opacity = 0.7;
 }
 });
}, 3000);
</script>
<hr />
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, j. 23.03.2021, DJE 13.04.2021, pendente de julgamento de embargos de declaração;
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
<ul>
<li>
1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.
</li>
</ul>
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária do tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 177.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 153.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais. 4. Ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2020, p. 278.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> NERY Jr., Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. Ed. São Paulo: RT, 2004, p. 485.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 5. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 269.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais. 4. Ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2020, p. 101.
<a href="applewebdata://2D0FB2DA-83A5-4EF7-8871-BDCE1FA22941#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> THEORODO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. V. III. 48. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.020.

5187589222_b81cc1ca2a_b

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Não pode o tribunal, a pretexto de aplicar a teoria da causa madura, conhecer de matérias relativas a capítulo não impugnado

Extensão do efeito devolutivo na apelação

Não pode o tribunal, a pretexto de aplicar a teoria da causa madura, conhecer de matérias relativas a capítulo não impugnado