Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Na coluna desta semana, analisaremos recente acórdão da Quarta Turma do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), no <a href="https://www.conjur.com.br/dl/embargos-interrompem-apenas-prazo.pdf">Recurso Especial 1.822.287/PR</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, em que se esposou o entendimento de que os embargos de declaração interrompem apenas o prazo para a interposição de recursos, não sendo permitido conferir interpretação extensiva ao artigo 1.026 do Código de Processo Civil, para estender o significado de recurso para as demais defesas previstas no processo de execução.
No caso concreto, em feito que tramitava junto à 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá (PR), o Juízo proferiu decisão determinando o pagamento voluntário do valor executado. O devedor, ao invés de impugnar o cumprimento de sentença, optou por oferecer o recurso de embargos de declaração, os quais foram, no entanto, rejeitados, sob o argumento de que as alegações de litispendência e de violação à coisa julgada deveriam ser tratadas na via adequada, qual fosse, a impugnação ao cumprimento de sentença.
Assim sendo, diante de tal decisão, apresentou-se impugnação ao cumprimento de sentença, a qual, no entanto, não foi objeto de conhecimento pelo Juízo, sob o argumento de que seria intempestiva. Aquele juízo de primeiro grau compreendeu que o prazo para a impugnação se iniciara a partir da ciência do executado quanto ao cumprimento de sentença, e que este não teria restado suspenso ou interrompido pela oposição dos embargos declaratórios.
Diante daquela decisão, interpôs-se agravo de instrumento, de sorte que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) acabou por lhe dar provimento, compreendendo que a melhor interpretação a ser dada ao art. 1.026 do CPC<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> não seria a literal, mas a teleológica. Para o TJPR, portanto, não seria desarrazoado afirmar que a oposição dos embargos de declaração teria também interrompido o prazo para o pagamento ou para a impugnação, até porque, a depender do que fosse decidido, o conteúdo da decisão poderia ficar sem efeito. Assim, optou aquela Corte Estadual por interpretar o termo “recurso” constante do art. 1.026 em um sentido mais abrangente, a fim de compreender também as defesas passíveis de serem opostas pelo devedor.
Contra o respectivo acórdão do TJPR, a parte credora interpôs recurso especial, a que se deu provimento no âmbito da Quarta Turma do STJ. Conforme o voto do Relator, o TJPR não teria conferido interpretação teleológica, mas sim extensiva ao art. 1.026 do CPC, a fim de expandir o significado de recurso para compreender as defesas ajuizadas pelo executado. Ainda segundo o voto, a interpretação extensiva decorre da carência de amplitude da lei, que não abrange o necessário para atender o caso em concreto. Desse modo, não seria cabível dita interpretação, sob pena de verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, já que o termo “recurso” não dá margem para que o intérprete extraia o sentido de “defesa ajuizada pelo devedor”. Concluiu, pois, na linha de que, sendo taxativas as hipóteses legais de recurso, não é possível atribuir interpretação extensiva ao texto normativo.
No voto vencido, por outro lado, sustentou-se que a decisão do TJPR estaria perfeita, porque, antes de julgados os embargos de declaração pelo próprio órgão prolator da decisão embargada, esta não estaria completa. Para tanto, não se poderia exigir que a parte embargante, antes de proferido o julgamento dos embargos de declaração sobre ponto omisso, contraditório ou omisso, pudesse já manejar sua manifestação, fosse de defesa, fosse de recurso vertical.
Interessante o debate, sem dúvida.
Parece acertada a compreensão a que se chegou pela maioria da Quarta Turma, ao dar provimento ao recurso especial.
Nas lições de Marco Antonio Rodrigues, o efeito interruptivo leva à paralisação do prazo para a interposição de outros recursos, o que significa que, uma vez encerrada, reinicia-se do zero a sua contagem<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
A amplitude do dispositivo é clara para quaisquer recursos, abrangendo inclusive outros embargos de declaração. No entendimento de Ticiano Alves e Silva, ao qual adiro, quando se fala em interrupção do prazo para a interposição de recurso, não quer dizer necessariamente outra espécie recursal, mas sim recurso diverso do que já fora interposto<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Apesar disso, é de se dizer que essa interrupção não interrompe o prazo para a parte adversa oferecer embargos de declaração contra a decisão originária, visto que, conforme ensinam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, além da preclusão temporal, o princípio da isonomia impede que se interrompa o prazo nessa situação para a parte que quedou inerte, não pondo, no tempo devido, seus embargos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a><a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Nas palavras de Vinicius Lemos, o efeito interruptivo é essencial para a interposição e a própria função dos embargos de declaração, pelo viés correcional que essa espécie recursal detém<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. E há uma clara lógica nisso, já que a revisão da decisão – que pode ser dar no suprimento da omissão, da obscuridade, da contradição ou do erro material – pode causar consequências tanto para quem ofereceu os embargos, como para a parte adversa, no que pertine ao conteúdo do recurso subsequente.
O STJ não havia ainda, no entanto, enfrentado a questão de essa interrupção atingir outras manifestações, que não apenas as recursais.
Estaríamos diante, pois, de uma interpretação teleológica ou de uma interpretação extensiva ao art. 1026 do CPC? Essa foi a grande divergência entre os entendimentos atingidos no TJPR e no STJ. Ora, a interpretação é tida por teleológica quando visa a superar a lógica formal do texto, dirigindo a sua atenção para o bem jurídico tutelado pela norma, isto é, para o fim que a norma procura alcançar.<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> Já a interpretação extensiva, como bem lembrado pelo Ministro Relator Antonio Carlos Ferreira em seu voto, nos dizeres de Maria Helena Diniz, desenvolve-se em torno de um preceito normativo, para nele compreender casos que não estão expressos em sua letra, mas que nela se encontra virtualmente incluídos, conferindo à norma o mais amplo raio de ação possível<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Não parece ser o caso de uma interpretação teleológica, na hipótese. Não vislumbro esse fim – demasiadamente amplo – buscado pela norma contida no art. 1.026 do CPC, ao falar em interrupção do prazo para a interposição de recurso. O que se fez no acórdão do TJPR foi realmente uma interpretação extensiva, de modo a abranger casos que não estão no texto normativo, como se fosse possível compreender que a interposição compreenderia qualquer impugnação, que não apenas as recursais.
Ora, retornemos ao que se disse linhas atrás. O fim almejado pelo legislador – e não estamos falando apenas do CPC de 2015 – era o de claramente não gerar prejuízo ao conteúdo dos recursos cabíveis contra eventual decisão, eis que eivada de omissão, obscuridade, contradição ou erro material. Impor o recurso sem que antes se viabilizasse a correção/suprimento do defeito, não seria coerente. Daí a razão pela qual o prazo resta reiniciado (do zero), para qualquer das partes, quando os embargos são julgados, ainda que não sejam providos.
Outras formas de manifestação, como a impugnação ao cumprimento da sentença, não detêm natureza recursal, até mesmo como fruto da taxatividade do rol do art. 994 do CPC, de modo que não podem ser alcançadas pela interrupção assegurada no art. 1.026. O que se visará a atacar, pela via da impugnação ao cumprimento de sentença, não é a decisão embargada, mas sim o cumprimento requerido pela parte credora, que não é afetado pelo julgamento dos embargos de declaração. Razão não há, portanto, para se vislumbrar o alcance da interrupção a esses casos.
Pensar diferente poderia implicar, inclusive, em um estímulo a atitudes meramente protelatórias dos devedores. A se imaginar que estaria suspenso o prazo para a impugnação, suspenso estaria também o prazo para o pagamento, de modo que renovado estaria esse prazo, implicando em evidente prejuízo aos credores.
Por isso, coerente e acertada a decisão a que se atingiu, por maioria, na Quarta Turma do STJ, que certamente refletirá, a partir de agora, ainda que não tenha sido objeto de precedente com força obrigatória, não apenas em outras decisões sobre o tema, mas também nos capítulos dos manuais de processo civil, quando se vier a explicar o alcance e a interpretação que pode ser dada a essa interrupção de prazo gerada pelo art. 1.026 do atual diploma processual.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STJ, Quarta Turma, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, julg. 06/06/2023, DJE 03/07/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação. 1. Ed. São Paulo: Altas, 2017, p. 206.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> SILVA, Ticiano Alves e. Os embargos de declaração no novo Código de Processo Civil. In: MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Novo CPC: doutrina selecionada. Salvador: Jus Podivm, v. V, p. 672.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 270.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Nessa linha: REsp 330.090/RS, STJ, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, julg. 07/06/2006, DJ 30/10/2006.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 4. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 439.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> AGUAR JÚNIOR. Ruy Rosado de. Interpretação. In Revista da AJURIS, V. 16, n. 45, 1989, pp. 7-20.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 429.

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JOTA

Quarta Turma do STJ entendeu que interrompem apenas o prazo para a interposição de recursos

Embargos de declaração interrompem prazo de outros meios de defesa ou impugnação?

Quarta Turma do STJ entendeu que embargos de declaração interrompem apenas o prazo para a interposição de recursos