Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Rodrigo Becker

Prezados leitores do Jota, na coluna desta semana, retomamos tema que já foi objeto de nossa análise em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/restituicao-ao-erario-de-valores-recebidos-indevidamente-por-servidores-publicos-18102018">coluna</a> publicada em 18 de outubro de 2018 <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, acerca da restituição ao erário de valores recebidos indevidamente, que acaba por adentrar na verificação dos limites e da extensão da boa-fé. Àquela ocasião, abordamos a restituição de valores indevidamente recebidos por servidores públicos. Agora, nosso estudo terá como objeto valores recebidos a título de benefícios previdenciários ou assistenciais, por meio tutela provisória posteriormente revogada.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) houve por reafirmar recentemente, em questão de ordem <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o Tema Repetitivo 692, com ajustes redacionais, estabelecendo que a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.
Diariamente, no Poder Judiciário, são inúmeros os requerimentos de tutela provisória de urgência que levam à obrigação de fazer com impactos pecuniários, isto é, determinando o pagamento de valores a servidores públicos ou a pessoas que percebem benefícios previdenciários ou assistenciais.
Instigante e polêmica é a situação de como se proceder em caso de revogação posterior da tutela provisória, ou seja, se deve ocorrer e, em caso afirmativo, como se dará a devolução dos valores indevidamente percebidos.
No que diz respeito aos servidores públicos, o artigo 46 da Lei 8.112/90 estatui que as reposições e indenizações ao Erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão. Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. Ainda no mesmo dispositivo, estabelecia-se que, na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a uma decisão liminar, a uma tutela antecipada ou a uma sentença que venham a ser revogadas ou rescindidas, serão eles atualizados até a data da reposição.
Multiplicou-se, em diálogo com tal previsão, o argumento da boa-fé, com vistas a relativizar o artigo 46. A súmula 34 da AGU previu que não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Por sua vez, no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), a Súmula 249 indica que é dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
De outra banda, o STJ, por sua 1ª Seção, no âmbito do REsp 1401560/MT <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, julgado sob a sistemática dos repetitivos (tema 692), enfrentou o assunto relativo à concessão de benefícios previdenciários por tutela provisória que posteriormente viesse a ser revogada. Naquele julgado, entendeu-se que, malsucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente, de modo que não se sustentaria o argumento de que confiou no juiz, já que representada por advogado, que sabe que a antecipação da tutela tem natureza precária.
Fundamentou-se o acórdão no princípio da vedação do enriquecimento sem causa. Assim, se o artigo 115, II, da Lei 8.213/91, previa que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição, a reforma da decisão que antecipou a tutela obrigaria o autor à devolução dos benefícios indevidamente recebidos.
Alguns anos após firmada a tese, a Lei 13.846/2019 veio a alterar a redação do inciso II do artigo 115 da Lei 8.213/91, para prever que poderia ser descontado diretamente do benefício o pagamento administrativo ou judicial de valores previdenciários indevidos, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em montante que não exceda 30% da sua importância.
Como exposto ao início, recentemente a matéria voltou à discussão na Primeira Seção do STJ, a partir de questão de ordem sugerida pelo ministro Og Fernandes. O objeto dessa questão era muito claro, qual fosse, o de verificar se seria o caso de reafirmação, alteração ou cancelamento do entendimento firmado no tema 692, já que teriam surgido várias situações, a partir da nova norma, que ensejavam dúvidas quanto à persistência da orientação.
O relator, ao propor a questão de ordem, vislumbrou diversos cenários: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis (logo no início da lide) e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.
Para todos os cenários, sustentou que a conclusão deveria ser a mesma, daí porque, independentemente do momento, a tutela de urgência permaneceria precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, implicando o retorno ao estado anterior à concessão.
Alertou o relator, com sabedoria, que diferente seria o caso de revogação da tutela de urgência por haver se dado a mudança superveniente da jurisprudência então dominante, razão pela qual, nesses casos, recomendável será que ocorra uma modulação dos efeitos, pelo tribunal que está superando o precedente.
Dessa forma, a Primeira Seção houve por concluir pela reafirmação da tese contida no tema repetitivo 692, com o acréscimo redacional (fruto da mencionada alteração legislativa de 2019):
"A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago". 
Parece-nos absolutamente acertada a linha de raciocínio reafirmada no âmbito do STJ. Não é razoável impedir a devolução dos valores ao Erário, que foram indevidamente percebidos por força de tutela provisória, se esta veio a ser posteriormente revogada.
Esse o ônus de quem vai ao Judiciário pugnar pela concessão de uma medida que é sabidamente precária, revogável e, portanto, reversível. Se anulada a medida antes deferida, é dever do magistrado restabelecer o status quo ante, de modo que o argumento da boa-fé não pode ser base para justificar a ausência do dever de reposição aos cofres públicos.
Aliás, por falar em boa-fé, afigura-se – aí sim – dever de boa-fé do advogado alertar seu cliente no sentido de que, em se pleiteando a tutela provisória, e vindo ela a ser concedida, haverá a necessidade de devolução dos valores caso mais adiante a tutela venha a ser objeto de revogação, por força do precedente obrigatório do STJ, colhido em sede de repetitivo.
Partindo-se, pois, dessa reafirmação levada a efeito pelo Superior Tribunal de Justiça, e revisitando as conclusões já expostas na coluna que publicamos em 2018, em consonância com a jurisprudência do STJ, compreendemos ser possível apresentar algumas conclusões/parâmetros, diante das situações de responsabilidade de devolução de valores recebidos por servidores públicos ou por aposentados/pensionistas.
Para tanto, quando servidores ou beneficiários da previdência ajuízam demandas judiciais de obrigação de fazer e recebem a implantação de valores, a título precário, via tutela provisória de urgência, posteriormente revogada ou cassada em grau superior, inexiste boa-fé, revelando-se a obrigatoriedade de devolução dos valores.
De outra sorte, quando servidores ou beneficiários da previdência recebem a implantação de valores via sentença ou acórdão de tribunal de segundo grau, por decisão não transitada em julgado, posteriormente revertida em grau superior, a nosso ver também inexiste a boa-fé, de modo a ser obrigatória a devolução dos valores.
Se, no entanto, houver se dado o trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a implantação de valores a servidores públicos ou beneficiários da Previdência, posteriormente desconstituída por ação rescisória, aí sim parece ser o caso de reconhecimento da boa-fé de quem recebe (por confiar na coisa julgada), razão pela qual é indevida a restituição.
Por sua vez, quando houver erro operacional da Administração, que gerou a implantação de valores a servidores ou beneficiários da Previdência, tendo sido suspenso posteriormente o pagamento, a boa-fé deverá ser apurada casuisticamente, para fins de dispensar ou não a restituição <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Na eventualidade de a percepção ocorrer como decorrência da má-interpretação da própria Administração, com entendimento posteriormente retificado e o pagamento suspenso, pensamos ser situação de se presumir a boa-fé, afastando-se o dever de repetição por parte do servidor público, aposentado ou pensionista da Previdência Social.
Por outro lado, se o servidor ou beneficiário da previdência recebe valores indevidamente, mas ciente da ilegalidade da percepção, porque notificado de decisão judicial que declarou ilegal o recebimento, não haverá que se falar em boa-fé, impondo-se o dever de devolução.
Finalmente, como última conclusão, se a percepção de valores se der em duplicidade, isto é, quando houver o recebimento de valores que já haviam sido percebidos anteriormente, também não se tem como acolher argumento de boa-fé, razão pela qual igualmente estará configurado o dever de devolução ao Erário.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/restituicao-ao-erario-de-valores-recebidos-indevidamente-por-servidores-publicos-18102018">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/restituicao-ao-erario-de-valores-recebidos-indevidamente-por-servidores-publicos-18102018</a>, acesso em 07 de junho de 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Petição n.º 12482/DF (2018/0326281-2), Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, STJ, julg. 11/05/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Rel. ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> No caso dos servidores públicos, inclusive, isso foi o que se decidiu no Tema Repetitivo 1009, cujo trânsito em julgado ocorreu em 04/02/2022.

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JOTA

STJ reafirmou tese de que, tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, deve haver a devolução

Devem ser devolvidos valores recebidos por tutela provisória revogada?

STJ reafirmou tese de que, tratando-se de benefícios previdenciários ou assistenciais, deve haver a devolução