Opinião e Análise

Marco Aurélio Peixoto

Rodrigo Becker

Prezados leitores do Jota,
O objeto da coluna desta semana é o recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do RMS 65.943/SP<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, no qual se firmou o entendimento de que as decisões interlocutórias sobre a instrução probatória não são impugnáveis por agravo de instrumento ou por mandado de segurança.
Voltamos, mais uma vez, à discussão – que parece não ter fim – acerca da taxatividade do rol de hipóteses para a interposição do agravo de instrumento. Não custa relembrar as raízes desta verdadeira novela, que não é mexicana, mas genuinamente brasileira.
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O legislador de 2015 extirpou de nosso ordenamento processual, como se sabe, a figura do agravo retido. Gostassem ou não, este recurso cumpria seu papel à luz do diploma anterior, mormente porque restavam estabelecidas claramente as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento (decisão de inadmissão da apelação, decisão relativa aos efeitos em que a apelação era recebida, decisão que pudesse causar lesão grave e de difícil reparação). Por mais genérica que fosse a última hipótese de agravo de instrumento, não havia dúvidas de que, não sendo cabível esse agravo, haveria sua conversão em agravo retido, por decisão – vinculada pela lei – do relator.
Ocorre que, segundo ensina Marco Antonio Rodrigues, o agravo retido mostrou-se ineficiente com o passar do tempo, porque, por força da norma, precisava ser reiterado depois da sentença, em sede de apelação ou contrarrazões e, muitas vezes, já não tinha mais serventia para a parte, em função de sentença favorável, ou porque o agravante esquecia-se de reiterá-lo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O legislador de 2015 optou por estatuir um rol pretensamente taxativo ao agravo de instrumento. Se, num primeiro momento, a ideia parecia alvissareira, logo surgiram as polêmicas e os debates intermináveis. O rol de hipóteses aumentava e diminuía, à proporção que o projeto de novo CPC tramitava nas casas do Congresso Nacional, e findou com os treze incisos do art. 1.015, sendo um deles objeto de veto pela então presidente da República.
Com o fim do agravo retido, já na vigência do CPC de 2015, as situações que não houvessem por comportar agravo de instrumento não estariam sujeitas à preclusão, de acordo com o seu art. 1.009, §1º, de modo que, em caso de insatisfação, poderiam ser objeto de ataque via preliminar do recurso de apelação ou até mesmo como preliminar das contrarrazões ao recurso de apelação.
Já nos primeiros momentos de vigência do referido CPC, os casos concretos demonstraram que, efetivamente, o legislador não fora capaz de vislumbrar todas as potenciais situações em que decisões interlocutórias viriam a desagradar alguma das partes, as quais não restariam conformadas em aguardar para demonstrar sua insurgência tão somente após a prolação da sentença<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Especificamente no tocante à produção de prova pericial, que foi exatamente o objeto de debate no caso objeto desta coluna, de acordo com que nos recorda Vinícius Silva Lemos, a hipótese estava no rol das propostas oriundas das emendas aprovadas na Câmara dos Deputados, excluídas na votação final no Senado Federal. Para ele, contudo, observando-se a redação do CPC, não há a possibilidade de interpretação extensiva, sendo o caso excepcional de utilização, com muita parcimônia, do mandado de segurança, por exemplo em casos nos quais a perícia tivesse algum risco de perecimento<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Diante da diversidade de decisões na primeira instância e nos tribunais locais, o STJ afetou, no ano de 2018, sob a sistemática dos repetitivos, os REsp 1.696.396 e 1.704.520 (tema 988), ambos sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a fim de definir a possibilidade de interpretação extensiva ao rol do art. 1.015 do CPC. Em apertado julgamento (7 a 5), a Corte Especial decidiu que o rol é de taxatividade mitigada, de modo a se reconhecer o cabimento pelas normas fundamentais, sobretudo diante da urgência do caso e da inutilidade/invalidade dos atos praticados, quando não for adequado o aguardo da apelação. A divergência, que havia sido inaugurada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, pautou-se pela defesa do rol taxativo estrito, que não comportaria interpretação mitigada, extensiva ou exemplificativa<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Nos termos em que se decidiu, a formação de um precedente vinculante, neste caso, longe de resolver e pacificar a questão, fez surgir outras tantas dúvidas e polêmicas<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Isto porque, ao se indicar que o rol é taxativo, porém mitigado a situações de urgência, em que não se pode aguardar pela apelação, ficou em aberto a definição de que situações de urgência seriam essas, que viriam a comportar o recurso imediatamente.
Segundo afirma José Henrique Mouta Araújo, não restou dúvida, consoante este precedente, que há restrição ao manejo de Mandado de Segurança contra os pronunciamentos interlocutórios não previstos expressamente no art. 1.015 do CPC. Para ele, o mandado de segurança contra pronunciamento interlocutório é cabível: a) nas decisões irrecorríveis de imediato, como nos juizados especiais ou no processo do trabalho; b) para atribuir efeito suspensivo ou ativo ao agravo de instrumento, como medida de apoio ao agravo interno; e c) nas decisões não enquadradas no precedente advindo do tema 988, já que o STJ, ao mitigar o rol do art. 1.015 do CPC, ampliou o cabimento do agravo de instrumento e, por consequência, restringiu o manejo do mandamus em muitas situações concretas<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
No caso ora em análise, cuidou-se inicialmente de ação de desapropriação por utilidade pública, movida pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), em que se decidiu, ainda na fase de conhecimento, pelo ingresso na lide de terceiros não proprietários, bem como que a ação não estaria apta a julgamento, mesmo tendo sido elaborado o laudo pericial definitivo.
Contra aquela decisão, a autarquia optou por não interpor agravo de instrumento, mas sim com mandado de segurança, explicitando em sua peça que a inclusão de sujeitos no polo passivo não se incluiria no rol do art. 1.015 do CPC.
O desembargador relator indeferiu a petição inicial, extinguindo o mandado de segurança sem resolução do mérito, por compreender que a insurgência apresentada deveria ser objeto de preliminar de recurso de apelação, não comportando sua apreciação pela via do mandado de segurança.
O ente público, diante daquela decisão monocrática, interpôs agravo interno, fundamentando que o condicionamento da impugnação da matéria à preliminar de apelação em ação que não se considera apta para julgamento implica em violação à garantia constitucional da razoável duração do processo. Argumentou, para tanto, que o mandado de segurança não visava apenas a discutir o ingresso de litisconsortes, mas também o ponto da decisão que suspendera o julgamento da ação, apesar do depósito integral do valor arbitrado em laudo pericial definitivo.
A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), à unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo interno, reforçando o argumento da inadequação da via eleita, objeto da decisão monocrática de indeferimento da inicial. Tal acórdão motivou a interposição, pelo Estado de São Paulo, de recurso ordinário em mandado de segurança, reiterando-se, em síntese, os fundamentos já expostos no agravo interno.
A Segunda Turma do STJ, à unanimidade, decidiu não conhecer do recurso ordinário, e manteve íntegras as decisões do Judiciário de São Paulo, sustentando, em síntese, que as decisões sobre instrução probatória e, portanto, sobre o exercício do direito à ampla defesa, estão, em tese, imunes ao sistema de preclusão processual. Como não se inserem nas hipóteses do art. 1.015 do CPC/2015, cabível apenas sua impugnação diferida pela via da apelação, não se aviando a ação mandamental.
Com a devida vênia, ousamos discordar desse posicionamento da Segunda Turma do STJ. Não em seu conteúdo, pelo que explicaremos adiante. Mas pela desobediência ao precedente formado na Corte Especial do STJ em 2018.
Já expusemos em outras oportunidades, inclusive nesta coluna, que discordamos do entendimento levado a efeito na Corte Especial. Parecia mais adequada ao que pretendeu o legislador a divergência inaugurada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, derrotada em apertada diferença, na linha da taxatividade estrita. O caminho aberto pelo voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, que prevaleceu, de mitigação do rol taxativo, é inseguro e sujeito a distintas margens de interpretações, a depender do tribunal, a depender do julgador.
De uma maneira ou de outra, concordemos ou não, o precedente foi firmado, e deixou clara a possibilidade de utilização do agravo de instrumento quando a urgência demonstrar a ineficácia em se aguardar a insurgência em sede de apelação ou de contrarrazões de apelação.
É sabido que, no caso concreto ora em debate, o recorrente não se valeu do agravo de instrumento, mas de mandado de segurança – aqui, talvez, um ponto que poderia ter sido explorado, caso se tivesse entendido pelo cabimento do agravo de instrumento. No entanto, no julgamento, claramente se enfrentou o não cabimento do agravo de instrumento, na manifestação do relator, ao afirmar categoricamente que as questões referentes ao direito probatório parecem excluídas das matérias sujeitas à impugnação pela via do agravo de instrumento<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Sob nossa ótica, nesse ponto, cabível à espécie o precedente largamente debatido na Corte Especial do STJ. Ainda que aqui se compreenda – e é a nossa opinião – que o rol deveria ser estritamente taxativo, decidiu por maioria a Corte Especial que não o é, e que a análise quanto ao cabimento deve ser casuística, levando em conta o binômio “inutilidade em aguardar/urgência em apreciar” do agravo.
Pode ser que, em questões de conteúdo probatório, havendo o indeferimento de prova imprescindível cuja produção foi solicitada, ou o deferimento de produção nitidamente desnecessária e protelatória requerida por algum dos sujeitos processuais, seja urgente e necessário o agravo de instrumento. Dessa forma, entendemos que não deveria ser peremptória, genérica e abstrata a negativa quanto ao cabimento do recurso de agravo de instrumento, em hipóteses de produção probatória, como procedeu o STJ no caso em comento.
Esse o nosso ponto neste pequeno ensaio. Não se trata de discordar quanto ao mérito da decisão tomada – não conhecimento do recurso – e sim quanto à parte do caminho percorrido na fundamentação.
Eis, portanto, mais um exemplo da confusão gerada pelo precedente firmado em 2018 na Corte Especial do STJ (tema 988) sobre o cabimento do agravo de instrumento. Se, dentre as funções dos precedentes, estão a uniformização e a maior estabilidade na jurisprudência, multiplicam-se em verdade os exemplos de interpretações em aparente contrariedade ao que se pretendeu decidir.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Julgado em 26/10/2021, acórdão ainda não publicado até o fechamento desta coluna.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos Recursos, Ação Rescisória e Reclamação. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 168.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Diversos artigos apontaram, desde logo, as impropriedades do dispositivo. Dentre eles, citam-se: CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER, Fredie. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento: uma interpretação sobre o agravo de instrumento previsto no CPC-2015 In: Revista de Processo, v. 242, abr./2015 e RUBIN, Fernando. Cabimento do agravo de instrumento em matéria probatória: crítica ao texto final do novo CPC (Lei nº 13.105/2015, art. 1015) In: Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada, v. 6. Salvador: Jus Podivm, 2016.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> LEMOS, Vinícius Silva. O Agravo de instrumento no novo CPC. São Paulo: Lualri Editora, 2016, p. 215.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Um dos autores desta coluna defendeu posição semelhante antes mesmo dos julgamentos dos referidos Resps Repetitivo: BECKER,  Rodrigo Frantz. O rol taxativo (?) das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. In: O Código de Processo Civil de 2015 e a Advocacia Pública Federal, Questões práticas e controvertidas, volume 9, nº 4, out/dez 2017.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> A respeito, já nos manifestamos em coluna publicada em 20/12/2018 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/agravo-de-instrumento-rol-restritivo-20122018).
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> ARAÚJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança. 8. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2021, p. 429.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Informativo 715 – STJ (https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/, acesso em 09 de novembro de 2021).

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JOTA

Voltamos à discussão acerca da taxatividade do rol de hipóteses para a interposição do agravo de instrumento

Decisão interlocutória sobre provas é impugnável por agravo de instrumento ou mandado de segurança?

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