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IRDR

A admissão no STJ dos primeiros IACs

Já há até o momento três incidentes de assunção de competência no tribunal

Marco Aurélio Peixoto, Rodrigo Becker
10/11/2017|08:03
Atualizado em 10/11/2017 às 07:14

Prezados leitores do JOTA,

O tema desta coluna retoma discussão por nós já trazida em dezembro de 2016, acerca do Incidente de Assunção de Competência – IAC.

Voltamos ao assunto exatamente porque o Superior Tribunal de Justiça já houve por admitir três incidentes, de modo que o estudo presente busca analisar como se deu a admissão dos mesmos junto ao STJ, bem como se os requisitos estabelecidos pelo legislador processual e pela Emenda Regimental n. 24/2016 – que alterou o Regimento Interno do STJ – têm sido observados e preenchidos.

Como se sabe, o IAC, previsto no art. 947 do Código de Processo Civil de 2015, veio a substituir o antigo incidente de uniformização de jurisprudência, que era regido pelos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil de 1973, o qual, por sua vez, já havia substituído os prejulgados do Código de Processo Civil de 1939.

A suscitação do incidente pode se dar de ofício pelo relator ou a requerimento das partes, do Ministério Público e da Defensoria Pública. A prática tem mostrado que o mais comum tem mesmo sido a suscitação de ofício pelo relator.

Por óbvio, inserido na sistemática de valorização dos precedentes, fruto da novel legislação processual, o IAC apresentou distinções em relação ao instituto previsto no Código revogado. E a mais importante delas reside exatamente na força vinculante da tese que houver por se firmar em seu julgamento, outrora inexistente.

O uso do IAC tem se dado em escala bem maior que o uso do antigo incidente de uniformização de jurisprudência. Não era tão comum a utilização do antigo incidente, mormente pela ausência do referido efeito vinculante, mas também em função do fracionamento que existia entre a decisão da tese jurídica e o julgamento do mérito do processo/recurso. Já são inúmeros os casos de IAC admitidos no âmbito de tribunais inferiores, quer estaduais, quer federais, bem como, no próprio STJ.

Com o IAC, é de se apontar basicamente duas situações para o seu cabimento, uma presente em seu caput e outra prescrita em seu §4°. A do §4° é similar à que se tinha no antigo incidente de uniformização de jurisprudência, já que se destina àquelas situações em que houver relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal. Para esses casos, a questão não precisa necessariamente ser de grande repercussão social[1]. Por outro lado, a que está contida no caput é, de fato, novidade, visto que o cabimento para situações que apresentarem relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos, não encontra idêntico na legislação anterior.

Um dos grandes fins do IAC é o de remeter para um órgão colegiado maior do tribunal o julgamento de uma questão relevante, por ter repercussão social, retirando-a do órgão fracionário menor, de modo a que o debate seja mais amplo e aprofundado, formando-se precedente com poder vinculante e que será aplicado na hipótese de a questão se repetir futuramente.

O poder vinculante possuído pelo IAC é também detido pelo incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, o que tem levado alguns operadores do Direito, inclusive no âmbito dos tribunais, a certa confusão quanto ao uso dos dois institutos.

De fato, há semelhanças entre o IAC e o IRDR, que não se limitam ao poder vinculante por ambos possuído. Tanto um como o outro geram, por exemplo, a partir de suas teses, a possibilidade de julgamento pela improcedência liminar do pedido (art. 332, III), a possibilidade de julgamento monocrático pelo improvimento ou pelo provimento (art. 932, IV e V) e representam exceções específicas ao cabimento da remessa necessária (art. 496, §4°, III).

No entanto, há diferenças conceituais e práticas que não podem e nem devem ser ignoradas entre os dois incidentes. Uma das distinções reside no cabimento dos incidentes nos tribunais superiores. Apesar de algumas posições doutrinárias em contrário[2], entendemos que o IRDR haverá de ser julgado apenas nos tribunais inferiores, ao passo em que o IAC tanto pode ser suscitado nos tribunais inferiores, como também no âmbito dos tribunais superiores, como o STJ e o STF. Pensamos não ser cabível o IRDR nos tribunais superiores porque, para o julgamento de casos repetitivos nestas cortes, já há os recursos excepcionais repetitivos, que igualmente produzem teses com força vinculante.

Outra diferença é no que toca à suspensão dos processos. Ao passo em que há previsão expressa para tanto no IRDR (art. 982, I, do CPC/2015), não há idêntica regra no art. 947. Ocorre que, fazendo parte do microssistema de formação de precedentes obrigatórios ou vinculantes, ao IAC devem ser aplicadas normas outras que compõem esse microssistema. Assim, por uma questão de coerência, se está sob análise de um tribunal um IAC, para formação de uma tese, se no âmbito desse tribunal surgirem questões que sejam alusivas àquela temática afetada, não há razões para o prosseguimento de tais questões, merecendo para tanto a suspensão, por analogia ao art. 982, I, do CPC/2015. O STJ, como se verá mais adiante, vem aplicando dita interpretação, visto que, nos três IAC que já foram admitidos naquela corte superior, há processos suspensos em razão da decisão de admissão. Não é o caso, por outro lado, de se aplicar o art. 982, §3°, que versa sobre o pedido de suspensão nacional, por se tratar de regra direcionada à gestão e julgamento de casos repetitivos[3].

Há diferenças significativas também no que pertine às hipóteses de cabimento. O IRDR está previsto no art. 976 do CPC/2015 como cabível quando houver, de modo simultâneo, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Não há IRDR preventivo, ou seja, é necessário que as demandas já sejam múltiplas e com decisões divergentes, e não com mero potencial de virem a ser.

Já o IAC não apresenta ditos requisitos. Pelo contrário, há expressa vedação ao cabimento do IAC quando houver multiplicidade de processos. Há inclusive enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, de número 334, que indica que não cabe o IAC quando houver julgamento de casos repetitivos. Cabe o IAC, por outro lado, diante de relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

Uma dúvida que tem levado a discussões na doutrina e na aplicação prática é quanto a essa multiplicidade de processos, requisito a diferenciar o cabimento do IAC e do IRDR. Nada há de concreto no CPC ou mesmo em outras leis que indique quantos processos são bastantes para que se considere a questão como “múltipla”. A grande verdade é que deve ser pesado, no caso concreto, se a tese julgada no incidente que envolve certa quantidade de demandas, servirá para conter a litigiosidade de massa.

Coloca-se aqui a seguinte questão: se o cabimento do IRDR está atrelado à multiplicidade de demandas já existentes, que apresentem controvérsia sobre a mesma questão de direito, como se solucionar uma situação em que haja um quantitativo ainda reduzido de demandas, sobre uma mesma questão de direito, mas que tem potencial de multiplicação para situações futuras? Não havendo o IRDR na modalidade preventiva, parece ser então o caso de se admitir o IAC, caso haja pelo menos um processo em trâmite no tribunal respectivo.

É assim de se compreender, portanto, que a sistemática do IAC não se afasta por completo da repetição de demandas, de modo a que, em havendo causas em curso no tribunal ou no primeiro grau sobre uma mesma questão de direito, com decisões anteriores divergentes nos órgãos fracionários, sem o efeito multiplicador, cabe sim o IAC e não o IRDR, sendo relevante a questão debatida e havendo algum processo em curso no tribunal, a fim de que se transfira a competência para o órgão de composição mais ampliada[4].

No Superior Tribunal de Justiça, já há até o momento presente três incidentes de assunção de competência admitidos.

Como se sabe, o procedimento de admissão dos incidentes de assunção de competência no STJ deve obediência, além das disposições do CPC/2015, ao contido no Regimento Interno daquela Corte, fruto das alterações decorrentes da Emenda Regimental n. 24/2016. Tal emenda considera os acórdãos proferidos nos incidentes precedentes qualificados, e estabeleceu que cabe à Corte Especial o julgamento do IAC quando a matéria for comum a mais de uma Seção e à Seção quando a matéria for a ela restrita. Além disso, a mesma emenda previu, na linha do que muitos já defendiam, a aplicabilidade de algumas disposições do IRDR para o procedimento do IAC, a exemplo da oitiva de partes e demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia (art. 271-D, caput, do Regimento Interno) e da possibilidade de realização de audiências públicas (art. 271-D, §1°, do Regimento Interno).

Nas três situações até então admitidas, em nenhuma delas o IAC foi afetado à Corte Especial.

O tema 1, cuja admissão se deu em 08 de fevereiro de 2017, na Segunda Seção, deu-se no âmbito do RESP 1.604.412/SC, tendo como relator o Ministro Marco Aurélio Bellize, e diz respeito a duas questões, quais sejam, o cabimento de prescrição intercorrente e eventual imprescindibilidade de intimação prévia do credor, e a necessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda.

Neste caso, a suscitação se deu de ofício, e a controvérsia gira em torno basicamente da definição se, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, é imprescindível a intimação do credor, bem como a garantia de oportunidade para que dê andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão executiva. Verificou-se que a Terceira Turma do STJ possuía entendimentos no mesmo sentido do acórdão que gerou o recurso especial, no sentido da desnecessidade. Por outro lado, foram identificados entendimentos contrários no âmbito da Quarta Turma, o que revelou atual e notória divergência dentro da Segunda Seção, sendo a matéria de direito e de relevante interesse social, de sorte a ser o caso da aplicação do art. 947, §4°, no intuito de ser composta a divergência entre as turmas daquela seção. O incidente foi admitido por unanimidade, mas ainda está pendente de julgamento. Conforme atualização constante do site do STJ[5], há quarenta processos suspensos em decorrência de tal IAC.

O tema 2, admitido em 14 de junho de 2016, também na Segunda Seção, ocorreu no RESP 1.303.374/ES, tem como relator o Ministro Luís Felipe Salomão, e cuida do prazo anual de prescrição em todas as pretensões que envolvam interesses de segurado e segurador em contrato de seguro.

A instauração do incidente também se deu de ofício, e diz respeito à questão de ser ou não anual o prazo da prescrição em todas as pretensões que envolvam segurado e segurador, e não apenas nas ações indenizatórias e independentemente do nomen iuris declinado na exordial e da extensão do pedido formulado. O relator observou que a posição do STJ, até então, era de aplicar a prescrição anual aos casos decorrentes de indenização securitária, não tendo se deparado ainda com a tese da aplicação ampla. Para tanto, a admissão se deu, diferentemente da tese 1, não em função da existência de divergência atual entre turmas da mesma seção, mas em função da necessidade de prevenir futura divergência, dada a relevância social da questão. A admissão se deu por unanimidade, tendo havido maioria apenas no que disse respeito à delimitação da tese objeto do IAC. Ainda pendente de julgamento no mérito, há atualmente quatro processos suspensos em função da admissão do IAC em tela.

Já o tema 3, admitido recentemente, em 11 de outubro de 2017, ocorreu na Primeira Seção, fruto de dois processos (RMS 53720/SP e RMS 54712/SP), tem como relator o Ministro Sérgio Kukina e versa sobre a adequação do manejo do mandado de segurança para atacar decisão judicial que extingue execução fiscal com base no art. 34 da Lei 6.830/80.

O cerne da controvérsia, cuja instauração igualmente se deu de ofício, reside na definição se é adequado o manejo do mandado de segurança para atacar decisões judiciais que extinguem execução fiscal com base no art. 34 da Lei 6.830/80. Havia entendimento anterior da Seção quanto ao cabimento, mas houve modificação no entendimento das turmas, que passaram a não mais admitir o remédio constitucional. Apesar disso, foram detectadas outras decisões, restaurando o entendimento anterior, pela admissão do mandado de segurança. Para tanto, a exemplo da tese 1, o objetivo foi o de compor a divergência detectada, no sentido de que seja uniformizada a questão no âmbito da Primeira Seção daquela Corte Superior. No caso concreto, o recurso estava afeto à sistemática dos repetitivos e, por maioria, foi retirada a sua afetação e determinado que fosse afetado de acordo com o rito do IAC. Também está pendente de julgamento no mérito. Estão suspensos, em decorrência desse IAC, cinco processos.

Trata-se, sem dúvida, de incidente dos mais úteis previstos no CPC/2015, que ainda sedimenta suas bases na doutrina e começa a fincar seus pilares na jurisprudência. Ao lado de outros instrumentos, como os recursos repetitivos e o IRDR, certamente haverá de contribuir, dentro em muito breve, para a segurança jurídica e para a estabilidade de nosso ordenamento processual.

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[1] PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Há possibilidade de utilização do incidente de assunção de competência quando houver repetição de demandas a respeito de uma mesma relevante questão de direito? In GALINDO, Beatriz Magalhães; KOLBACH, Marcela (coordenadoras). Recursos no CPC/2015: perspectivas, críticas e desafios. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, p. 346.

[2] DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 630.

[3] DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 669.

[4] PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Há possibilidade de utilização do incidente de assunção de competência quando houver repetição de demandas a respeito de uma mesma relevante questão de direito? In GALINDO, Beatriz Magalhães; KOLBACH, Marcela (coordenadoras). Recursos no CPC/2015: perspectivas, críticas e desafios. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, p. 355.

[5] http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp, acesso em 06 de novembro de 2017.logo-jota