A reforma tributária pode trazer uma figura, em partes, nova para o sistema brasileiro: o Imposto Seletivo, que tem como função coibir o consumo de bens e serviços com consequências negativas à sociedade. As discordâncias, porém, começam nas opiniões sobre quais produtos devem estar sujeitos ao imposto. Há um relativo consenso em relação a bebidas alcoólicas e produtos do tabaco, porém outros, como agrotóxicos, alimentos ultraprocessados e açucarados e veículos poluentes, são mais polêmicos.
De acordo com o parecer preliminar apresentado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da reforma tributária na Câmara, o Imposto Seletivo incidirá sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Os produtos que se encaixam nestas categorias e a alíquota do tributo, segundo o texto, serão definidos por lei complementar.
A seletividade não é uma novidade no sistema tributário brasileiro. A Constituição prevê que dois tributos atenderão ao princípio, segundo o qual produtos menos essenciais devem estar sujeitos a uma alíquota mais gravosa: o IPI e o ICMS.
No caso do Imposto Seletivo, entretanto, o escopo será um pouco reduzido, à medida que, caso aprovado o texto sugerido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, a incidência ficará restrita aos bens e serviços negativos à saúde e ao meio ambiente.
“Atualmente há uma similaridade [do Imposto Seletivo] com o IPI, que é um imposto seletivo, isto é, suas alíquotas são menores de acordo com a essencialidade do produto industrializado. O mesmo se dá com o ICMS, cuja alíquota pode ser menor quanto mais essencial for a mercadoria ou o serviço consumido”, comenta a advogada Betina Grupenmacher, professora de Direito Tributário da UFPR.
Para Grupenmacher, porém, o tributo previsto na reforma pode ser considerado como novo. “Embora seja fato que a lei complementar terá um papel importante no que concerne à materialidade da hipótese de incidência, em minha opinião temos um imposto novo, já que não há no rol hoje existente na Constituição Federal nenhum [tributo] com a mesma materialidade”, diz.
As polêmicas, entretanto, começam quando se pergunta aos especialistas quais devem ser os bens e serviços sujeitos ao Imposto Seletivo. A maioria entende que bebidas alcoólicas e produtos do tabaco devem sofrer incidência, porém há ressalvas para que o aumento de preço desses produtos não crie uma situação mais gravosa à sociedade.
“Quando se tributa muito pesadamente o álcool, algumas pesquisas mostram que as pessoas podem migrar para outros tipos de opioides, mais graves e piores para a saúde do que cerveja e outros tipos [de bebidas]”, diz Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação do Insper.
Segundo ela, a experiência internacional mais efetiva é de tributação conforme o teor alcoólico da bebida. “Não se tributa a cerveja, o vinho, o whisky, a cachaça. Se tributa a quantidade de álcool”, afirma.
Subindo um degrau nas polêmicas relacionadas ao Imposto Seletivo temos a discussão sobre a possibilidade de tributação de alimentos açucarados ou ultraprocessados. A hipótese é defendida inclusive pelo Ministério da Saúde como forma de desincentivar o consumo de produtos menos saudáveis.
Uma das principais críticas a essa possibilidade, entretanto, é a de que o aumento de preço dos alimentos prejudicaria sobretudo as pessoas mais pobres. “O que precisa se tomar cuidado é quem você atinge aumentando os preços e desestimulando o consumo. Por exemplo, as bebidas açucaradas são consumidas pelos mais pobres, então quando se coloca esse tributo [Imposto Seletivo] se prejudica muito mais quem não tem renda, porque quem tem renda migra para os sucos naturais, para os refrigerantes sem açúcar”, diz Vanessa Canado.
O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, questiona ainda a associação entre ultraprocessados e alimentos prejudiciais à saúde. “O fato de um alimento ser mais ou menos nutritivo não tem nada a ver com ele ser processado ou não”, diz.
Uma pesquisa de opinião encomendada pela Abia demonstrou que 90% dos entrevistados se posicionaram contra o aumento de tributação em produtos como mortadela, presunto, salsicha, macarrão instantâneo, pães, iogurte, sorvete e molho de tomate. Ainda, partindo do pressuposto de que o aumento de carga levará à elevação dos preços, 86% dos entrevistados se posicionaram contra o aumento da tributação dos alimentos.
Betina Grupenmacher, entretanto, defende a tributação dos ultraprocessados e alimentos açucarados, considerando que a baixa renda de grande parte da população deve ser resolvida de outra forma. “Você ajuda o pobre através de programas de transferência de renda. Você vai dar dinheiro para ele comprar produtos de qualidade, que não são ultraprocessados, que são orgânicos. Não adianta falar ‘já que eu não tenho dinheiro para dar para o pobre, vou deixar ele consumir ultraprocessados, açucarados, porque é o que ele tem dinheiro para consumir’”, defende.
Outro produto sobre o qual há posições diversas em relação à incidência do Imposto Seletivo é o agrotóxico. Atualmente alguns defensivos possuem incentivos fiscais, que foram questionados no Supremo Tribunal Federal. Na ADI 5.553, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) defende que as normas que preveem as isenções desrespeitam a Constituição ao irem contra o direito ao meio ambiente equilibrado e à saúde. O princípio da seletividade também teria sido violado.
Contrário à incidência do imposto nestas hipóteses, o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon, defende, entre outros pontos, que a incidência sobre os agrotóxicos gerará cumulatividade, já que os produtos são utilizados no meio da cadeia. Como o Imposto Seletivo não gera créditos, esse custo será repassado no preço, em cascata.
“O seletivo, incidindo sobre pesticidas, vai gerar cumulatividade, o problema que nós estamos querendo atacar hoje, no sistema tributário atual”, diz. Para ele, as hipóteses de incidência do Imposto Seletivo deveriam ficar explícitas na Constituição, evitando futuras surpresas.
Por outro lado, Vanessa Canado acredita que a escolha por um texto menos taxativo, deixando mais espaço para regulamentação via lei complementar, conforme optou Aguinaldo Ribeiro, é a melhor opção. “É verdade que fica amplo [o termo] ‘desestimular o consumo’, mas esse é um debate político, em que você tenta entrar com a técnica o tempo todo para mostrar os efeitos positivos e negativos [do modelo de tributação]”, afirma.