Essenciais às mulheres durante boa parte de suas vidas, os absorventes estão sujeitos à uma alíquota de aproximadamente 27,25% no Brasil. Os produtos são tributados na mesma medida que esponjas de maquiagem, que estão longe de serem essenciais para a vida cotidiana.
O levantamento, que leva em consideração o IPI, o PIS, a Cofins e o ICMS praticado em Minas Gerais, é da advogada e mestre em Direito pela UFMG Luiza Machado. Os dados integram a dissertação de mestrado da tributarista, intitulada “Tributação e desigualdades de gênero e raça: vieses de gênero na tributação sobre produtos ligados ao trabalho de cuidado e à fisiologia feminina”.
Segundo Machado, o levantamento da alíquota total dos tributos permitiu visualizar que produtos adquiridos tipicamente por mulheres possuem uma carga elevada, principalmente se comparado a produtos não essenciais ou voltados ao público masculino. A pesquisa abrangeu não só absorventes, mas mercadorias ligadas ao cuidado infantil e geriátrico, como fraldas, talco e carrinhos de bebê.
“Por conta da divisão sexual do trabalho, as mulheres fazem o trabalho não remunerado de cuidado doméstico, e gastam de forma diferente com isso. São as mulheres que compram alimento para dentro de casa, que compram medicamento, que gastam com cuidado. E, como foi demonstrado, são produtos que têm uma tributação superior à de outros gêneros”, afirma.
Um dos exemplos mais gritantes talvez seja o dos anticoncepcionais e do DIU hormonal, tributados a uma alíquota de 30%. No caso do DIU de cobre, a alíquota total vai a 32,45%.
Os preservativos masculinos, por outro lado, possuem isenções de IPI e de ICMS em Minas Gerais, e, além de serem disponibilizados gratuitamente, estão sujeitos à tributação de 9,25%. Até mesmo o Viagra, utilizado para disfunção erétil, possui alíquota inferior aos anticoncepcionais: 18%. O produto é isento de IPI, de PIS e de Cofins.
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“Não estou discutindo se o Viagra é essencial ou não, estou colocando que um produto de uso exclusivo masculino tem mais benefício tributário do que produtos essenciais femininos”, afirma Machado.
Ainda em sua dissertação a advogada aponta que os anticoncepcionais possuem uma taxa de falha inferior quando comparados aos preservativos masculinos. Além disso, garantem maior autonomia às mulheres. “A camisinha tem que ser pouco tributada, porque ela é essencial. Mas é um produto de controle masculino. As mulheres não têm controle sobre o uso correto da camisinha, por exemplo. Para a autonomia da mulher, os métodos contraceptivos são três vezes mais caros”, afirma.
Os exemplos não param por aí. O talco para prevenir assaduras está sujeito a uma alíquota de 45,3%, mesmo percentual aplicado à água de colônia. As pomadas preventivas de assaduras e as pomadas hidratantes de mamilos durante a amamentação são tributados a 37%. Os carrinhos de bebê, lenços umedecidos, bicos de mamadeira e protetores de mamilo para amamentação têm incidência tributária de 33,75%, estando no mesmo patamar que os trailers de viagem e os potes de água para cães.
Para Machado, os dados demonstram que, em relação às mulheres, não está sendo respeitado o princípio da seletividade. “A nossa Constituição diz que precisamos respeitar o princípio da essencialidade e da seletividade, que é dizer que os produtos mais essenciais devem ser menos tributados e os supérfluos, não essenciais, mais tributados”, afirma.
A diferenciação entre alíquotas, entretanto, é apenas uma das faces da discrepância, no plano da tributação, entre homens e mulheres. Como já mostramos anteriormente nesta coluna, a regressividade atinge em maior medida o público feminino, em especial as mulheres negras, que proporcionalmente gastam mais com o consumo de produtos básicos.
“Uma família chefiada por uma mulher negra gasta proporcionalmente muito mais em alimentação, gás, água, energia, medicamento, saúde e higiene do que uma família chefiada por um homem branco, que vai gastar mais em acúmulo de bens, em carro, em gasolina, aquisição de casa, investimentos”, diz Luiza Machado.
“Quando temos um sistema tributário que tributa mais consumo e menos propriedade, lucros e dividendos, essa escolha tributária vai afetar mais as mulheres, especialmente as mulheres negras”, complementa.
Em resumo, a pesquisa realizada pela advogada mostra que as mulheres perdem duas vezes: com a regressividade e com a imposição de alíquotas superiores. O tema foi debatido pelo grupo de trabalho da reforma tributária, e é preciso, agora, ver se constará no texto levado à Câmara.