Marcio Valadares
Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de Oxford e em Direito pela UnB. Foi procurador do Banco Central. Email: marciocvaladares@gmail.com
Um escândalo ambiental ocorrido há poucos anos nos EUA levantaria as sobrancelhas do mais impiedoso dos gestores de ativos. A Dupont, uma das maiores empresas químicas do mundo, foi acusada de emitir um produto tóxico no ambiente por décadas. Chamada de C8, aquela substância provocava patologias em seres humanos e animais. Ao analisarem documentos apresentados em processos judiciais, Roy Shapira e Luigi Zingales [1], dois influentes economistas, identificaram que seus administradores sabiam da nocividade daquele composto químico desde a década de 1960 e, ao menos desde 1984, cogitaram deixar de utilizá-lo ou adotar precauções para mitigar seus potenciais danos. Seguir poluindo, contudo, era a melhor opção do ponto de vista financeiro.
O caso da empresa norte-americana evidencia dois desafios para o combate ao aquecimento global por investidores, principal questão relacionada ao E do ESG. O primeiro deles diz respeito à disponibilidade de informações sobre o impacto ambiental de diferentes empresas. Nos anos 1990, quando fazendeiros vizinhos a um terreno da Dupont se queixaram de que seu gado morria sem causa aparente, autoridades locais os aconselharam a cuidar melhor de seus animais. Dados sobre os efeitos lesivos do C8 estavam confinados à companhia, que, aos olhos de todos, era uma referência de zelo com stakeholders. É uma boa ilustração de como distinguir empresas verdes e marrons – e, especialmente, tons de verde – pode não ser simples, o que abre espaço para que credenciais ambientais sejam exageradas, o greenwhashing[2].
É verdade que agentes privados têm procurado jogar luz sobre a responsabilidade corporativa diante das mudanças climáticas. Empresas passaram a divulgar relatórios ambientais espontaneamente. Prestadores de serviços criaram sistemas de pontuação para classificar firmas. O problema é que as soluções de mercado têm limitações. A falta de uniformidade é apontada como a principal delas. A profusão de modelos de relatórios e ratings baseados em métricas distintas dificulta estimativas e comparações.
Para superar esse obstáculo, diversas jurisdições têm regulado o conteúdo de documentos publicados por empresas e gestores de ativos. A incorporação de recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD) é uma estratégia cada vez mais popular e uma das frentes de discussão que se espera ver avançar no Brasil [3].
Acontece que o acesso a informações não garante ações sustentáveis. Basta lembrar que, cientes dos malefícios do C8, administradores da Dupont decidiram emiti-lo. Por isso, um segundo desafio para o êxito das ações ESG envolve identificar – e, observada a realidade de cada país, implementar – as condições em que investidores de fato perseguem resultados ambientais.
Especula-se que a sustentabilidade teria apelo em três cenários. No primeiro deles, seria associada a melhores resultados financeiros para firmas individualmente consideradas. Essa relação entre responsabilidade ambiental e valor das empresas depende da atribuição a agressores do meio-ambiente dos custos sociais de suas condutas. Se, por exemplo, a emissão de carbono não é precificada, multas ambientais são baixas ou tardam para ser aplicadas, não há preocupação com a identificação de responsáveis por desmatamento ilegal e são mantidos subsídios à indústria de combustíveis fósseis, então é menos provável que firmas verdes superem a rentabilidade de marrons. Ou seja, nesse primeiro cenário, a atratividade do E do ESG depende da eficácia das normas de proteção ao meio-ambiente e reparação civil de danos ambientais.
Também se cogita que ativos verdes interessariam a investidores diversificados[4]. Com participações minoritárias em diversas empresas, eles aceitariam sacrificar o lucro de uma marrom por estimarem que a redução dos riscos relacionados ao aquecimento global seria benéfica para o seu portfólio de ativos. Debates sobre esse segundo cenário interessam principalmente a países com predominância de companhias com capital pulverizado entre investidores institucionais, que se encaixam naquele perfil. Essa, contudo, não é a realidade brasileira. Por aqui, a maioria das firmas é controlada por acionistas majoritários. Por dependerem de uma empresa específica e não de um portfólio, eles são mais propensos a gerar externalidades negativas.
Por fim, se pessoas podem colocar o bem-estar alheio à frente do acúmulo de riqueza – como acontece com doações, por exemplo –, investidores poderiam aceitar retornos menores quando essa fosse a melhor estratégia para realizar um propósito que lhes fosse caro [5]. Por exemplo, se a única maneira de evitar danos de um vazamento de óleo no oceano fosse a adoção de precauções pela transportadora, seus acionistas poderiam abrir mão de dividendos para custeá-las. Críticos dessa proposição enxergam no volume relativamente pequeno de investimentos com mandato ambiental uma evidência a desaconselhar a aposta nela como solução para o aquecimento global [6]. Essa observação parece valer para o caso brasileiro, considerando que iniciativas ESG ainda dão seus primeiros passos por aqui.
Em síntese, em países com predominância de empresas com capital concentrado, como é o caso brasileiro, o ESG não é o fim da história para a regulação ambiental. Ao contrário, os incentivos de investidores para perseguir agendas verdes e, em consequência, a contribuição brasileira para a preservação do planeta dependem da eficácia de normas sobre proteção ao meio-ambiente e reparação civil de danos ambientais. Isso leva a uma conclusão que, em meio à polarização política e ao radicalismo que assolam o País, pode parecer paradoxal: a pressão sobre o governo por políticas públicas ambientais efetivas é uma sinalização fundamental do comprometimento ambiental de investidores [7].
As ideias apresentadas neste artigo não representam a posição de instituições a que o autor esteja vinculado.
[1] Shapira, Roy e Zingales, Luigi. Is Pollution Value-Maximizing? The DuPont Case. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3037091. Acesso em 30 de outubro de 2021.
[2] Brandon et al analisaram os desempenhos de investidores institucionais segundo métricas ESG e chegaram à conclusão de que, nos EUA, a adesão aos Princípios para Investimento Responsável (PRI) não tem repercussões práticas relevantes em termos de responsabilidade social corporativa: aderentes e não aderentes apresentaram desempenhos similares. Na Europa, por outro lado, foi identificada relação entre adesão aos PRIs e o (bom) desempenho ESG. Do Responsible Investors Invest Responsibly? ECGI Working Paper Series in Finance. Junho de 2021. Disponível em: https://ecgi.global/sites/default/files/working_papers/documents/gibsonbrandonglossnerkruegermatossteffenfinal_0.pdf, acesso em 2 de novembro de 2021.
[3] No último mês, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil atualizaram normas sobre divulgação de informações ambientais dirigidas a instituições financeiras. Há expectativa de que a Comissão de Valores Mobiliários siga o mesmo caminho, deixando para trás a abordagem de “cumprir ou explicar”. É interessante notar, ainda, que algumas empresas brasileiras têm divulgado relatórios seguindo padrões TCFD voluntariamente. O fato de esse movimento partir de exportadoras pode indicar que a disclosure naqueles moldes não é apenas uma estratégia para sinalizar comprometimento ambiental para investidores verdes e, com isso, reduzir custo de capital, mas também uma precaução contra eventuais sanções comerciais futuras.
[4] A esse respeito, ver John Armour et al. Corporate Carbon Reduction Pledges: Beyond Greenwashing. Oxford Business Law Blog. 2 de julho de 2021. Disponível em https://www.law.ox.ac.uk/business-law-blog/blog/2021/07/corporate-carbon-reduction-pledges-beyond-greenwashing. Acesso em 2 de novembro de 2021. Ver, ainda, Jeffrey Gordon, Systematic Stewardship. ECGI Working Paper Series in Law. Fevereiro de 2021. Disponível em https://ecgi.global/sites/default/files/working_papers/documents/gordonfinal.pdf, acesso em 2 de novembro de 2021.
[5] Essa é a proposição central defendida por Oliver Hart e Luigi Zingales em Companies Should Maximize Shareholder Welfare Not Market Value. Journal of Law, Finance, and Accounting, 2017, 2: 247–274. Disponível em https://scholar.harvard.edu/files/hart/files/108.00000022-hart-vol2no2-jlfa-0022_002.pdf, acesso em 2 de novembro de 2021.
[6] V. Jeffrey Gordon. Corporate Governance, the Depth of Altruism and the Polyphony of Voice. Oxford Business Law Blog. 16 de julho de 2021. Disponível em https://www.law.ox.ac.uk/business-law-blog/blog/2021/07/corporate-governance-depth-altruism-and-polyphony-voice, acesso em 4 de novembro de 2021.
[7] Destaca-se a Declaração em apoio a políticas ambientais dirigida a entes públicos brasileiros, especialmente ao governo federal, por 18 gestores de ativos. Entre outros temas, o documento ressalta a importância da precificação da emissão de carbono e da contenção do desmatamento ilegal. Disponível em https://www.investidorespeloclima.com.br/declaracao, acesso em 5 de novembro de 2021.