Discussões constitucionais, inclusive antecedentes à publicação da Lei nº 14.026/2020, parecem finalmente assentadas após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter se debruçado sobre discussões relativas à titularidade dos serviços, pacto federativo e autonomia municipal, por exemplo.

No último dia 2 de dezembro, o Plenário do STF negou quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que questionavam dispositivos do Novo Marco Regulatório do Saneamento[1]. Por 7 a 3, o colegiado decidiu pela constitucionalidade da Lei nº 14.026/2020, garantindo a autonomia municipal e os arranjos de governança defendidos pelo relator. Assim, a tese de que o Novo Marco atentaria contra o pacto federativo, concentrando na União prerrogativas regulatórias em detrimento às competências dos entes subnacionais, não prosperou.
Acertadamente, o STF destacou que a norma estabelece requisitos legais compatíveis com a Constituição, tais como índices mínimos a serem alcançados e a observância das normas de referência para regulação dos serviços. O saldo da decisão foi, portanto, positivo: o Novo Marco mantém-se integralmente válido, assim como a obrigatoriedade de licitação, regulação por meio da ANA e obrigatoriedade de adesão às normas de referência para obtenção de recursos federais. A rigor, a declaração de constitucionalidade garantirá segurança jurídica ao Novo Marco e aos novos projetos.
Por outro lado, é inegável que o cronograma para os próximos meses é exíguo, em especial, considerando-se a complexidade dos temas e normas de referência, ainda pendentes, da ANA sobre a matéria. Os prestadores possuem até o final da semana (31 de dezembro de 2021) para apresentar, às agências reguladoras, requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira, nos termos do artigo 10 do Decreto nº 10.710/2021 e até março de 2022 devem ser celebrados os termos aditivos aos contratos em vigor, contendo a inclusão das metas de universalização, redução de perdas e melhoria dos processos de tratamento. O processo será determinante para o futuro das CESBs.
O procedimento vêm sendo objeto de questionamentos pelo setor, bem como de dúvidas por parte dos investidores e prestadores. Na última semana, o ministro Luís Roberto Barroso manteve o prazo para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores dos serviços ao negar pedido de liminar em Mandado de Segurança[2] contra dispositivos do Decreto nº 10.710/2021, que trata da metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira. Em suma, a Lei preconizava que a regulamentação e a metodologia deveriam ter sido publicadas até outubro de 2020 – mas, na prática, só houve a publicação do respectivo decreto em março de 2021.
O pedido de liminar baseava-se na premissa de que o legislador, à época da elaboração da lei, pretendia conceder às empresas um período de 14 meses para apresentação de documentação relativa à comprovação de capacidade econômico-financeira. Contudo, o ministro entendeu que interpretação acima não poderia ser extraída da redação da lei. Isto é, o acolhimento do pedido dependeria da concordância com o argumento de que o prazo de sete meses concedido às empresas prestadoras seria insuficiente para a realização das obrigações, o que não é possível aferir haja vista a falta de capacidade institucional do poder judiciário para interferir no cronograma já definido pelo Poder Executivo.
Apesar de uma perspectiva positiva para o próximo ano, certamente, ainda veremos novas discussões no setor. A título de exemplo, recentemente a SANEPAR apresentou planos para prorrogar os contratos de prestação de serviços de água e esgoto até 2048, tendo o tema, inclusive, passado por consulta pública durante o mês de novembro. A possível brecha jurídica ao que pretendeu o Novo Marco, quando tornou regra os processos licitatórios foi justificada sob o argumento de que a inclusão das metas de universalização resultaria em desequilíbrio econômico-financeiro, uma vez que o impacto tarifário seria incompatível com a capacidade de pagamento dos usuários. Nessa linha, vemos parte das estatais inconformadas com a vedação de que os atuais contratos sejam reequilibrados mediante prorrogação contratual.
Não obstante os questionamentos quanto à proibição de que os contratos com os municípios sejam reequilibrados por meio de extensão contratual, há também quem levante dúvidas com relação às restrições impostas para a celebração de PPPs - as estatais poderiam, ou não, lançar mão deste instrumento para conceder parte da operação e garantir a execução dos investimentos, tal como está permitido sob os contratos de concessão hoje em vigor?
Quanto às demais investidas contra o Novo Marco atualmente desenhadas, é possível destacar não só a pressão das CESBs para a prorrogação dos prazos para inclusão das metas de universalização e da comprovação da capacidade econômico-financeira, como também a defesa da teoria de titularidade compartilhada para dispensar a obrigatoriedade de licitação, argumentando que a regionalização possibilitaria a celebração de contratos diretamente com a CESBs.
Portanto, devemos continuar a observar cuidadosamente os próximos passos e prazos de implantação do Novo Marco, em especial no que tange ao aditamento dos contratos em vigor e os contornos relacionados às tentativas estudadas pelas CESBs para garantir a prorrogação de seus contratos. Ainda, a comprovação (ou não) da capacidade econômico-financeira será decisiva para o sucesso dos princípios do Novo Marco.
Esperamos que no próximo ano vejamos as energias do setor voltadas à consolidação do cenário regulatório, modelagem de novos projetos e que eventuais pautas judicializadas sigam sendo apreciadas pelas cortes brasileiras levando em consideração não só a relevância e urgência do tema, mas também a tônica do legislador quando da publicação da Lei nº 14.026/2020.
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[1] Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 6492, 6536, 6583 e 6882.
[2] Vide MS 38226, impetrado pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).