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CNMP

Afastar MP da academia é "suicídio institucional"

Entrevista com ex-procurador Eugenio Pacelli

Felipe Recondo
14/11/2014|06:00
Atualizado em 14/11/2014 às 11:22

No início deste mês, o mineiro Eugenio Pacelli iniciou uma nova fase na sua carreira. Foram 21 anos no Ministério Público Federal antes de se aposentar. Agora, passa à advocacia no escritório que compartilhará com José Carlos Porciúncula - Eugenio Pacelli e Porciúncula - Advocacia e Consultoria.

Em entrevista ao JOTA, Pacelli afirma que não está trocando de lado. "Mudar de lado realmente é uma expressão com forte carga negativa. Passa sempre a ideia de alguém que "se converteu" ou que "cedeu" a interesses normalmente não republicanos”, afirma.

Pacelli faz ainda ressalvas aos rumos do Ministério Público, especialmente da atuação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao tentar regular a atividade docente dos membros da carreira.

"Quanto ao 'estado atual da arte ministerial' vejo com algumas reticências, ou, quando nada, com alguma preocupação”, analisa. "A falta de visão da cúpula, e, sobretudo agora, do CNMP, está a impor um regime de monitoramento meio infantil e desnecessário aos respectivos membros”, acrescenta. "Não percebem que o afastamento do MP das atividades acadêmicas, sobretudo da docência, é mais que um tiro no pé: é um tiro na cabeça, verdadeiro suicídio institucional.”

+JOTA: Pode o MP escolher o que vai ou não denunciar?

Por que você decidiu deixar o Ministério Público?

Resolvi deixar o Ministério Público por duas razões, sem ordem de preferência. Uma é que a atual demanda de trabalho, particularmente na primeira instância, anda muito acelerada, com muitas exigências de presença física na sede de locação. Como tenho uma carreira acadêmica e editorial que me obriga a fazer muitas viagens, para palestras e cursos, acabei tendo que recorrer aos colegas para me ajudarem em processos de última hora. Nada de extraordinário, até porque os colegas sempre foram muito solícitos. Mas eu acabei me sentindo desconfortável com a situação. Outra razão, talvez associada à primeira, é que houve uma queda do poder aquisitivo dos vencimentos do serviço público de maneira geral. Não que se trate de remuneração indigna ou aviltante, mas seguramente bem inferior àquilo que o mercado de trabalho para um profissional com a minha formação oferece.Foram 21 anos no MPF. Como vê a situação atual da instituição?

Foram 21 anos de muito altos e poucos baixos. Na verdade, as baixas "temporadas" talvez estivessem ou ainda estejam mais relacionadas com o passar dos anos em uma mesma atividade. Julgo o MPF uma das melhores instituições do país. Não digo que ela seja melhor que as outras, mas apenas do meu ponto de vista pessoal, em razão da prática que ali desenvolvi. Só isso. Quanto ao "estado atual da arte ministerial" vejo com algumas reticências, ou, quando nada, com alguma preocupação. A falta de visão da cúpula, e, sobretudo agora, do CNMP, está a impor um regime de monitoramento meio infantil e desnecessário aos respectivos membros. Não percebem que o afastamento do MP das atividades acadêmicas, sobretudo da docência, é mais que um tiro no pé: é um tiro na cabeça, verdadeiro suicídio institucional. Penso que os órgãos da persecução devem também contribuir na formação dos profissionais do Direito. Juízes, Promotores e Delegados devem juntar-se aos advogados nas academias. Estes, os advogados, por não terem regime de dedicação na carreira privada, costumam ocupar as lideranças nos bancos acadêmicos.

Poderia detalhar melhor as ressalvas que faz ao CNMP?

Claro. O que o CNMP faz é tentar controlar o exercício de atividade docente, por meio de Resolução que limita o número de atividades docentes e também os locais (devem ser na sede de lotação). Em princípio, parece tudo razoável. Mas, na prática impede que membros possam concorrer às regimes de dedicação de 40 horas em Universidades públicas e privadas. A limitação atual de 20 horas em sala de aula vem sendo questionada internamente para ampliar as vedações. Há o aspecto intimidatória inerente à atuação correcional, além do evidente desestímulo do exercício de tais atividades. E o que eu estou dizendo é que o Conselho deveria incentivar a docência e parar de tratar agentes políticos como meninos rebeldes do serviço público.

Se pudesse fazer uma avaliação, o que precisaria ser alterado no MP para a melhoria da instituição e da carreira?

Acho que a instituição, até pela qualidade de seus membros, já desenvolve um belo trabalho de planejamento estratégico e operacional, suficientes para pelo menos dar conta das atuais demandas. Mas penso também que um significativo aumento nos recursos materiais poderiam ajudar no aparelhamento técnico em muitos setores, atualmente carentes em nível quantitativo, como em áreas de engenharia, de meio ambiente, contábil-financeira e outras de conhecimentos especializados. Isso facilitaria muito a agilização dos trabalhos na atividade fim.

Você deixou a Procuradoria e decidiu partir para a advocacia. Como é mudar de lado?

Mudar de lado realmente é uma expressão com forte carga negativa. Passa sempre a ideia de alguém que "se converteu" ou que "cedeu" a interesses normalmente não republicanos. Não me sinto nem um pouco afetado ou inquieto com essa alteração. Primeiro, porque sempre respeitei, e muito, a classe dos advogados (meu sogro era, meu pai e dois irmãos são advogados), incluindo aqueles da advocacia criminal. Acho que trago de berço uma certa independência funcional e uma autonomia intelectual que me permitem e mesmo me impelem na direção do inconformismo institucional. O que é isso? Sempre fiz críticas à determinadas posições adotadas por colegas do Ministério Público, quando as entendia desatreladas do Direito ou da realidade que o Direito deve também compreender. Mesmo em minhas obras e publicações, a autonomia de minhas posições sempre foi reconhecida como um diferencial. E pretendo continuar assim. Ou seja, também farei críticas - e as receberei! - aos colegas advogados, sempre que entender que eles desmerecem a relevante função que ocupam. Quem sabe um dia eu deixo os lados e vou para o centro?

Os procuradores, especialmente na área criminal, costumam acusar advogados de se valerem de manobras processuais para protegerem seus clientes. Você compartilhava dessas críticas?

Compartilhava e compartilho. Eu entendo a atitude, que é sempre justificada no interesse da parte e em decorrência das dificuldades procedimentais de nossa abarrotada Justiça. Pessoalmente, alias, tenho a vaidosa ilusão de ter influenciado, com minha doutrina, boa parte da jurisprudência atual que caminha em sentido contrário a essas manobras. A boa advocacia é aquela que defende com unhas e dentes o devido processo legal; aquela que luta contra o arbítrio das autoridades públicas e se vale do direito para a defesa de seus interesses. Uma coisa é você opor embargos declaratórios para esclarecer uma dúvida junto ao Tribunal; outra é você opor cinco vezes o mesmo recurso, variando levemente a fundamentação. Nesse ponto, os Tribunais podem ser mais rígidos. Mas, naturalmente, haverá clientes que preferem os profissionais que não se acanham em ganhar o máximo de tempo possível, ainda que com atitudes exclusivamente protelatórias e desnecessárias, sem qualquer compromisso com a legalidade e legitimidade do procedimento.

Da mesma maneira, os procuradores costumam combater as teses suscitadas pelos advogados para minorar a legislação penal. Como será agora estar do outro lado do balcão?Nessa indagação, tenho que, de antemão, repelir a escolha do balcão! E em rima, pobre, mas ainda assim com identidade tônica. Em matéria penal, não há lados a barganhar nada! O Brasil tem evidente excesso em matéria incriminadora, o que causa enorme prejuízo às questões processuais mais sérias. Sempre critiquei aqueles defensores de um Direito Penal Máximo, por entender que eles sequer respeitam a Constituição da República, que me parece ser essencialmente minimalista. Nunca fui abolicionista e sempre deixei isso muito claro, se preciso fosse (o que não é!). Acho que não podemos renunciar ainda ao Direito Penal das penas corporais. Não bastasse, ainda quando não se queira concordar, o fato é que a Constituição agasalha a intervenção penal para a efetiva proteção de bens jurídicos mais relevantes e socialmente compartilhados. E devemos levá-la a sério, por dever de ofício até. Vejo tanto o equívoco naqueles que defendem o aumento de incriminações, a redução da maioridade penal e outros equívocos como o daqueles que querem anular todos os processos, abolir o sistema e impedir a concretização constitucional da tutela penal.

Como foi que decidiu firmar a sociedade para abrir o escritório?

A escolha da parceria com o Zeca Porciúncula veio facilitada: somos amigos há muito tempo, desde quando ele era estudante de Direito. Acompanhei o seu Mestrado e o Doutorado em Barcelona, sob a direção segura do Prof. Mir Puig. Zeca é um novo talento nacional em matéria de Direito Penal. Sua tese doutoral recebeu o prêmio máximo na Universidade de Barcelona. São virtudes que ele traz de berço mesmo: seu tio, com quem ele trabalha há quase dez anos é o Dr. Nabor Bulhões, dos advogados mais respeitados do país. Todos nós já nos conhecemos bem e sabemos do êxito que podemos esperar.

Em que área atuará? Será mais consultivo? Fará o contencioso?

Pretendo atuar nas duas áreas. A área de consultoria é muito interessante e tenho um prazer especial em trabalhar nela. Mas o contencioso também me atrai, pela adrenalina, se e quando você acredita no que está fazendo.

Quantos advogados trabalharão no escritório?

No início, serão apenas os sócios, sobretudo em Brasília. Em Belo Horizonte, terei a companhia de minha filha e a parceria com amigos muito qualificados. Em Curitiba, nossa parceria é com um dos mais respeitados escritórios empresarias locais, o que facilitará o ingresso na profissão.

Como analisa hoje a situação da advocacia?

Penso que ela já viveu um boom recentemente e voltará a fazê-lo, diante das recentes notícias de todos conhecidas. Acho que a atuação exemplar da Defensoria Pública também merece destaque na advocacia criminal de hoje, cumprindo a relevante missão de prestar assistência jurídica qualificada àqueles que jamais a teriam. Quanto mais qualificada ela for (a advocacia), ganharemos todos, dos réus ao Juiz criminal, passando, é claro, pelos órgãos da persecução penal (Polícia e Ministério Público).

+JOTA: Leia artigo exclusivo de Pacelli: A Ciência, o Direito e o Processo penais, entre ciscos e traves

Eugênio Pacelli - Ex-procurador do Estado de Minas Gerais, ex-Procurador Regional Eleitoral em Minas Gerais, ex-Procurador Regional da República do Distrito Federal, Eugenio Pacelli também é coordenador e professor do Curso de Ciências Criminais no Instituto Brasileiro de Direito Público - IDP, em Brasília, autor de sete livros e relator-geral da Comissão de Juristas instituídas pelo Senado Federal para a elaboração de anteprojeto de novo Código de Processo Penal brasileiro. 

José Carlos Porciúncula - Formado pela Universidade Federal da Bahia, José Carlos Porciúncula tem em sua experiência não só a vivência de mais de 10 anos de atividade advocatícia, mas também uma sólida e extensa formação acadêmica. Paralelo à atividade como advogado criminalista, Porciúncula, de 2004 a 2006 na então Universidade de Barcelona, Espanha, recebeu o Diploma de EstudiosAvanzados em direito penal, e de 2006 a 2014, tornou-se Doutor em direito penal. Período em que, no ano de 2009, pela Universidade de Bonn, Alemanha, realizou pesquisas sobre o referido tema. Desde 2012 atua como professor do programa de pós-graduação em ciências criminais do Instituto de Direito Público em Brasília. Ainda em 2014, foi ganhador do Prêmio Extraordinário de Doutorado 2012 – 2013.

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