Opinião e Análise

Flávia Gomes Santolin Perim

Flávia Treiger Grupenmacher

Larissa Almeida Santos Azevedo

Nos dias de hoje, não é novidade nenhuma que as relações de gênero estão cada vez mais entrelaçadas às questões raciais. Por outro lado, ao introduzir o tema da “tributação” nesses dois tópicos, embora valorosos na literatura internacional, escassa é a presença dessa discussão no Brasil. Aliás, até mesmo quando se trata das atuais propostas de reformas tributárias, o assunto mal é observado.
Um importante desdobramento dessas discussões é revelado quando se analisa o impacto da tributação na decisão de se contratar empregados domésticos e, claro, como isto vem se vinculando às discussões de gênero (e de raça).
Nessa perspectiva, não se pode olvidar que, quando o assunto é empregado doméstico, estamos falando, em especial, delas.
De acordo com o IPEA[1], em 2018, das 6,2 milhões de pessoas que tinham como ocupação o serviço doméstico remunerado, 92% (5,7 milhões) eram mulheres. Quando realizado o recorte de gênero, a situação mostra-se ainda mais preocupante, porque são, em grande maioria, as mulheres negras de baixa renda que ocupam esse lugar de trabalho doméstico, totalizando em cerca de 70%.
Ainda, estruturalmente, devido à extrema regressividade de nosso sistema tributário, são elas quem arcam com a maior carga tributária – o que agrava mais ainda a desigualdade estrutural e dificulta a mobilidade social.
Assim, falar de direitos trabalhistas e incentivos fiscais destinados aos empregados domésticos é falar sobre (des)igualdade de gênero.
Além disso, um problema etário se mostra presente na discussão, o que demonstra a necessidade de incentivos patronais e também do mercado a se manter os postos de trabalho.
Segundo o SEADE, o nível de escolaridade de empregadas domésticas ainda se concentra no ensino fundamental incompleto, ao passo em que fazem parte uma categoria de idade mais avançada. No geral, as empregadas domésticas são mais velhas. Do total de trabalhadores, 39,3% possuíam idade de 45 a 59 anos e 36,5%, de 30 a 44 anos. Ainda, proporção impressionante se revelava acima dos 60 anos, de 8,5%.[2]
Por declínio, já que jovens de baixa renda estão melhorando seus níveis de escolaridade, há o reflexo, per si, na permanência deste perfil etário no trabalho doméstico.
Sobre isso, o Estado possui o papel de promover a igualdade de gênero, consagrado pela primeira vez na Constituição Federal, e garantir condições mínimas de dignidade aos trabalhadores, em especial às mulheres. Ao mesmo tempo, para promover o emprego formal, supostamente, há uma tendência em aumentar os encargos pagos por parte dos empregadores, o que desestimula a contratação formal. Há, então, um paradoxo entre os seus objetivos.
Em um contexto em que os dirigentes se dedicam especialmente aos seus interesses, embora a Constituição, muito cara a todos nós, preveja uma série de direitos trabalhistas que garantam uma condição social mínima aos empregados, esses funcionam como uma forma de evitar que se opere a lei do “quem aceita menos”, regra-mãe em sistemas ultraliberais em que a quantidade de empregos é consideravelmente menor que a quantidade de pessoas em idade empregável.[3]
Nota-se que, apesar do intento constitucional de valiosas garantias sociais, como a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária, os empregadores terminam por encontrar respaldo na legislação – ou até mesmo fora dela, em especial por meio do emprego informal[4] – como forma de reduzir os custos, seja pela preferência dada às contratações de pessoas jurídicas às físicas, seja descaracterizando o vínculo trabalhista, reduzindo a carga horária do serviço.
Esse movimento de “busca por maiores vantagens” gera uma série de infortúnios, sobretudo às trabalhadoras de baixa renda, já que, uma vez reconhecendo-se desprotegidos dos benefícios advindos do vínculo trabalhista, precisarão, por exemplo, garantir sozinhos sua aposentadoria e até não poderão contar com seguro no caso de acidente trabalhista.
Tal controvérsia paradoxal, porém, pode (e vem buscando) ser solucionada.  Isso porque existem no Direito Tributário caminhos a serem seguidos por meio de normas indutoras, que têm como fim estimular determinado comportamento, que englobam os chamados incentivos fiscais.
Os incentivos fiscais possuem o condão de realizar ambos os objetivos mencionados, tanto a promoção do emprego formal, quanto a busca pela igualdade de gênero e dignidade aos trabalhadores e às trabalhadoras.
Sobre o tema, importa conhecer as propostas de incentivos fiscais que estão tramitando em projetos de lei no Congresso Nacional, como o PL 3.015/19 e o PL 1.766/99, de modo que, como políticas fiscais, atuem na mitigação da desigualdade social e na melhoria das condições de trabalho desse mercado.
Aliás, não são poucos os projetos que pretendem melhorar estruturalmente essa situação brasileira.
Este é, por exemplo, o objetivo principal do PL 3015/19. A ideia é acrescentar definitivamente no rol de deduções do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF) as importâncias referentes aos encargos trabalhistas pagos aos trabalhadores domésticos, como forma de alcançar os princípios e objetivos do art. 7º da CRFB/88.
A proposta atua no cerne do problema, uma vez que, ao se falar em trabalho doméstico, deve-se levar em conta também as dificuldades do empregador em arcar com todos os encargos decorrentes da contratação formal – agravando a situação de vulnerabilidade das mulheres.
Como bem pontua a justificativa do projeto de lei, o empregado doméstico, ao contrário das outras categorias formais de emprego, não está ligado a uma pessoa jurídica – porque, caso contrário, não seria caracterizado por “doméstico” – que, de maneira geral, goza de saúde financeira suficiente para arcar com os diversos encargos trabalhistas, previdenciários e tributários de seus colaboradores.
Para além, de autoria do Senado, temos o PL 1766/19, que propõe a alteração da Lei 9.250/95, para dispor sobre a prorrogação por cinco anos da possibilidade de deduzir do IRPF a contribuição patronal paga à Previdência Social pelo empregador doméstico.
Desse modo, haveria o incentivo à contratação formal de empregados domésticos e à manutenção dos postos de trabalho, já que não é razoável que as pessoas físicas, ao empregarem expressivo contingente de trabalhadores em suas residências, sejam desestimuladas, pelo próprio Estado, a mantê-los.
Ambas as propostas foram apresentadas em 2019 e, após 3 anos, ainda seguem em tramitação.
É evidente, portanto, dado um brevíssimo contexto, que os tributos e os encargos trabalhistas decorrentes da contratação de uma empregada doméstica geram impactos consideráveis no orçamento do lar, conforme é de se ter, além do pagamento do salário, o FGTS, INSS patronal, GILRAT, 13º salário, entre outros.
Em consequência lógica e econômica, quanto mais altos forem os custos de se contratar, mais incomum este tipo de emprego deverá se tornar, contudo, conforme pretendido pelas propostas, essa mudança pode estar por vir.
Sendo assim, diante do olhar diferenciado que se deve ao empregador doméstico a fim de desestimular a opção por diaristas ou simplesmente pela não contratação ou informalidade, prejudicando sobretudo as mulheres negras de baixa renda, mecanismos devem ser criados, a fim de incentivar os empregadores a promover o emprego formal, o qual, decerto, promovem segurança às empregadas domésticas especialmente.
Ao encontro disso, portanto, caminham os projetos em tramitação, que possuem o objetivo de aliviar essa carga tributária de obrigações a ser suportada pelo empregador doméstico, auxiliando na construção de uma justiça tributária no país ao reduzir as desigualdades estruturais mais latentes, sob o amparo das discussões envolvendo gênero, raça e tributação.
<hr />
[1] BOND, Leticia. IPEA: trabalho doméstico é exercido por mulheres mais velhas. Agência Brasil, 26 dez. 2019. Disponível em: &lt;<a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-12/ipea-trabalho-domestico-e-exercido-por-mulheres-mais-velhas#:~:text=Em%202018%2C%206%2C2%20milh%C3%B5es,3%2C9%20milh%C3%B5es%20eram%20negras">https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-12/ipea-trabalho-domestico-e-exercido-por-mulheres-mais-velhas#:~:text=Em%202018%2C%206%2C2%20milh%C3%B5es,3%2C9%20milh%C3%B5es%20eram%20negras</a>&gt;. Acesso em 19 mar. 2022.
[2] Trabalho Doméstico Cresce 10,2% no Total de Ocupadas. SEADE, 2019. Disponível em: &lt;<a href="https://www.seade.gov.br/trabalho-domestico-cresce-102-no-total-de-ocupadas/#:~:text=Em%202018%2C%20o%20n%C3%ADvel%20de,haviam%20conclu%C3%ADdo%20o%20n%C3%ADvel%20m%C3%A9dio">https://www.seade.gov.br/trabalho-domestico-cresce-102-no-total-de-ocupadas/#:~:text=Em%202018%2C%20o%20n%C3%ADvel%20de,haviam%20conclu%C3%ADdo%20o%20n%C3%ADvel%20m%C3%A9dio</a>&gt;. Acesso em 20 mar. 2022.
[3] CAMPANA, Priscila. O impacto do neoliberalismo no Direito do Trabalho: desregulamento e retrocesso histórico. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 37 n. 147 jul/set. 2000, p. 129-144.
[4] Informalidade entre empregadas domésticas aumentou 13,26% entre 2019 e 2021. IstoÉ Dinheiro, 2022. Disponível em: &lt;<a href="https://www.istoedinheiro.com.br/informalidade-entre-empregadas-domesticas-aumentou-1326-entre-2019-e-2021">https://www.istoedinheiro.com.br/informalidade-entre-empregadas-domesticas-aumentou-1326-entre-2019-e-2021</a>&gt;. Acesso em 19 mar. 2022.

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