Opinião e Análise

Tereza Amorim

Luana Araújo

Rayssa Santos

Com o notório crescimento do e-commerce no cenário atual, novos modelos das relações comerciais são pensados pelas empresas para que possam se consolidar neste mercado exclusivamente online. Apenas em 2020, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico apontou 68% de crescimento, com 11% de participação em todo o mercado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Justamente em razão deste cenário a configuração e adoção de um marketplace coloca-se como vital para empresas que apostam em modelo de negócio digital.
Mas o que é um marketplace? É um ambiente digital de comércio ofertado geralmente por grandes varejistas para parceiros mediante pagamento de taxa/comissão. Em um ambiente físico, poderíamos equiparar aos valores que são pagos pelos estabelecimentos ao shopping center a título de aluguel em que há o direito expresso ao crédito de Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na legislação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A analogia busca ilustrar o dever do hermeneuta de observar as alterações no mundo real, a fim de cumprir com o ideal de justiça e dar efetividade às normas. Este exercício foi visto no julgamento do Recurso Extraordinário nº 330.817/RJ, sob a sistemática de repercussão geral, em que o <a href="https://www.jota.info/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) estendeu a imunidade tributária aos livros eletrônicos e respectivos suportes, com base em interpretação evolutiva. Neste caso, o pagamento da taxa/comissão no ambiente digital poderia, inclusive, ser equiparado ao pagamento de aluguel no ambiente físico para fins de tomada de crédito de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/pis-cofins-13052021">PIS e Cofins</a>.
Independente deste racional, nos parece evidente que as taxas pagas pelo uso do marketplace são indispensáveis à operacionalização do comércio digital e se trata de uma despesa imprescindível à atividade da empresa a ponto de justificar seu creditamento para fins de PIS e Cofins, já que se trata de insumo nos termos em que definido pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ). Senão, vejamos.
Controvérsias no creditamento para o PIS e para a Cofins marcam a realidade das contribuições desde a instituição do regime não cumulativo. O artigo 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03 elenca custos, despesas e encargos sobre os quais podem ser computados os créditos, com destaque para o inciso II, que permite a ponderação do que deve ser considerado insumo para a atividade especificamente desempenhada, admitido o creditamento sobre tais despesas.
Para Paulo Ayres Barreto, "o conceito de insumos para os fins e efeitos da contribuição ao PIS e da Cofins deve se aproximar do conceito de custos e despesas operacionais para os fins e efeitos do imposto sobre a renda (...)”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Em 2017, o STJ decidiu em sede de recurso repetitivo que insumo são as despesas essenciais e relevantes ao desenvolvimento da atividade-fim, não se restringindo à prestação de serviços ou à fabricação de bens. Tanto os gastos diretos quanto os indiretos devem ser considerados insumos, caso o teste de subtração aponte para a essencialidade/indispensabilidade do dispêndio à atividade, sob pena de inviabilizar ou afetar a qualidade do produto/serviço dada a especificidade da cadeia econômica em questão. A análise casuística do conceito de insumo se torna, portanto, indispensável para a correta aplicação da lei mas sempre fazendo este teste.
Ainda assim, a Receita Federal<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> mantém uma interpretação restritiva a fim de vedar o creditamento de despesas com insumos na atividade comercial sob o argumento de que a legislação permitiria os créditos sobre os insumos desde que atrelado à produção de bens e à prestação de serviços. Entendemos que essa posição do fisco implica tratamento desigual<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> às pessoas jurídicas que, embora atuem em setores da economia distintos, encontram-se em situação equivalente: a sujeição à não cumulatividade do PIS e da Cofins, cujo pressuposto é o direito ao crédito, em clara ofensa também ao artigo 195, §12, da CF.
Em termos objetivos e direcionados ao caso sob análise, a vedação ao crédito sobre as taxas com marketplace em um mundo digital – contexto em que tais dispêndios muitas vezes condicionam o próprio sucesso da pessoa jurídica – viola a igualdade, seja como regra, como princípio ou como postulado. Em oportunidade similar – Tema 304, RE nº 607.109 – o STF se manifestou no sentido de entender como inconstitucional a vedação da apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis justamente por violar a igualdade, violação essa que também ocorre no caso ora analisado.
Além de violar a igualdade, a impossibilidade de creditar-se das taxas de marketplace confronta, também, a própria não cumulatividade das contribuições consagrada constitucionalmente, cuja lei de regência assegurou o creditamento às empresas sujeitas ao Lucro Real, variando também conforme a natureza da receita auferida ou o sujeito passivo. Interpretação que implique exceção à não cumulatividade e, pois, ao direito ao crédito é manifestamente ilegal e inconstitucional.
É nesse sentido, inclusive, que se aguarda o julgamento pelo STF do Tema 756 (RE nº 841.979) em que se busca a analisar o sentido e o alcance do artigo 195, §12, da CF, que prevê a aplicação do princípio da não cumulatividade à Contribuição ao PIS e à Cofins cabendo ao legislador definir os setores da atividade econômica que estarão sujeitas a tal sistemática mas não limitar sua aplicação pelos setores.
Acredita-se, enfim, na confirmação da tese do STJ de que a essencialidade e relevância do dispêndio devem ser analisadas conforme a atividade desempenhada, inclusive quando for comercial, de modo a garantir ou incrementar a percepção da receita. Não devem subsistir, então, os argumentos de que: 1) as despesas com marketplaces são necessárias apenas à administração da empresa e não à operação<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>; 2) apenas os dispêndios cuja ausência inviabiliza a atividade geram créditos de PIS e Cofins<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> e 3) as empresas comerciais não poderiam, supostamente, apurar créditos na modalidade de insumos, pois a legislação restringiria o direito à produção de bens e à prestação de serviços<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Do ponto de vista econômico, a migração para o mundo digital altera, também, a perspectiva dos conceitos de essencialidade e relevância. O ingresso em marketplaces muitas vezes é condição da própria existência da pessoa jurídica, como ponderado em recente precedente<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> que, em juízo preliminar, destacou a expressividade de vendas realizadas por aplicativos (quase 70%), de sorte a concluir que o gasto é essencial e relevante à pessoa jurídica para autorizar o creditamento do PIS e da Cofins.
Diante dos aspectos trazidos acima, parece-nos lógico, assim, admitir os créditos de PIS e Cofins sobre os valores pagos a título de taxas/comissões por empresas que efetuam operações em marketplaces dada a verdadeira indispensabilidade de tais gastos para a concretização da atividade na economia digital. O alcance do termo “insumos” jamais pode ser dissociado do contexto e da finalidade do creditamento, sob pena de ferir a não cumulatividade própria do PIS e da Cofins e o princípio da igualdade.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://abcomm.org/noticias/o-crescimento-dos-marketplaces-em-2021/">https://abcomm.org/noticias/o-crescimento-dos-marketplaces-em-2021/</a><a href="https://abcomm.org/noticias/o-crescimento-dos-marketplaces-em-2021/">. </a>Acesso em: 13/3/2022, às 15h59.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 3o Do valor apurado na forma do artigo 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: 
IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> In Direito financeiro, econômico e tributário, Homenagem a Regis Fernandes de Oliveira, obra coletiva, coord. Estevão Horvath, Jose Mauricio Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 701.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Solução de Consulta COSIT nº 59, DE 25 DE MARÇO DE 2021; Solução de Consulta COSIT Nº 34, DE 18 DE MARÇO DE 2021; Solução de Consulta COSIT Nº 84, DE 29 DE JUNHO DE 2020; Solução de Consulta DISIT/SRRF04 Nº 4017, DE 06 DE JULHO DE 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Constituição Federal. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Desfavorável ao contribuinte: 1019389- 07.2019.4.01.3400 (jurisdição do TRF1)
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Nesse sentido foi a sentença proferida no processo nº 5001921-83.2020.4.03.6111 (jurisdição do TRF3)
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> A exemplo, citamos as decisões proferidas nos seguintes processos (liminares, sentenças ou acórdãos): 5037757-76.2019.4.04.7000 e 5016480-34.2020.4.04.7205 (jurisdição do TRF4).
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> 1048374-15.2021.4.01.3400 (JFDF).

marketplaces

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JOTA

Alcance do termo 'insumos' jamais pode ser dissociado do contexto e da finalidade do creditamento

O creditamento de PIS e Cofins e o marketplace

Taxas pagas pelo uso do marketplace são indispensáveis ao comércio digital, a ponto de justificar seu creditamento para fins de PIS e Cofins