Opinião e Análise

Jacintho Arruda Câmara

A classificação das empresas estatais entre prestadoras de serviços públicos e exploradoras de atividades econômicas é criação doutrinária, incorporada pela jurisprudência do STF no final dos anos 90. Com base nela, prerrogativas constitucionais conferidas a entes públicos, como a impenhorabilidade de bens (art. 100) e a imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”), são estendidas a pessoas de direito privado: as estatais prestadoras de serviços públicos.
Esses benefícios não são previstos no direito positivo. O descompasso entre a classificação e a legislação fez com que ela merecesse o epíteto de “mito fundador” do estudo das estatais (André Cyrino; José Vicente Mendonça; em: Estatais prestadoras de serviços públicos e as estatais concorrenciais: rever ou romper com a dicotomia?). A suposta omissão persiste, embora tenham surgido várias oportunidades de sua incorporação ao direito positivado. Um novo Código Civil foi editado e nada prescreveu em relação a estatais prestadoras de serviço público ao definir a natureza das pessoas ou dos bens.
Emendas constitucionais alteraram o regime dos precatórios e nada mencionaram sobre quaisquer estatais. O Código de Processo Civil foi reformado e não tornou os bens das estatais impenhoráveis. Veio o Estatuto das Empresas Estatais e, contrariando expectativas, tratou as estatais de forma homogênea. O STF não tem se importado com isso e, durante os últimos 20 anos, concedeu imunidade recíproca e impenhorabilidade de bens a diversas estatais prestadoras de serviços públicos.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244348 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-casa-jota-1.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Porém, a realidade parece querer demonstrar ao Tribunal a necessidade de rever sua jurisprudência. O primeiro choque de realidade surtiu efeito quando o STF negou benefícios do regime público a prestadoras de serviço público que concorram com particulares. A orientação decorre de decisão que rejeitou a impenhorabilidade de bens à Eletronorte, prestadora de serviço público que atua em segmento competitivo, a geração de energia (RE 599.628).
Há poucas semanas, outra situação real escancarou o despropósito da extensão de prerrogativas públicas a estatais, levando o Supremo a fixar tema de repercussão geral segundo o qual “sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas” (Tema 508). O leading case envolvia a Sabesp, estatal de saneamento paulista que possui ações negociadas na bolsa de Nova York.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA:<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas"> Tudo sobre Publicistas</a></li>
</ul>
Embora, no geral, ainda reconheça prerrogativas a estatais prestadoras de serviços públicos, o STF tem percebido que criar privilégios pela via judicial pode causar resultados distorcidos. Espero que seja o início de uma revisão na jurisprudência criacionista ainda vigente sobre essa matéria.
&nbsp;
&nbsp;
<hr />
O episódio 42 do podcast Sem Precedentes analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=xRgH-5h1gH8&feature=emb_title

bancoImagemFotoAudiencia_AP_452800

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Estatais prestadoras de serviços públicos começam a perder os privilégios que a legislação não lhes deu

Empresas estatais: classificação em xeque

Empresas estatais prestadoras de serviços públicos começam a perder os privilégios que a legislação não lhes deu. Leia na coluna Publicistas