Opinião e Análise

Thiago Lozano Spressão

Em busca do aprimoramento do processo tributário, em fevereiro de 2022, Ato Conjunto do Senado e do Supremo Tribunal Federal instituiu Comissão de Juristas sob a presidência da ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) "com a finalidade de apresentar anteprojetos de proposições legislativas tendentes a dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional".
Essa comissão propôs alterações em diplomas já existentes (caso do Código Tributário Nacional), assim como a reescritura integral de outros normativos, caso da lei do processo administrativo federal (PAF), justamente nosso ponto focal.
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O projeto que trata da temática referida (<a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-2483-2022">PL 2483/2022</a>) substitui o Decreto 70.235/72, e, na perspectiva, de estabelecer um novo regramento para o PAF, fixa, dentre outras regras, a que consta em seu art. 40, que prevê o sobrestamento de processos administrativos para aguardar o julgamento de casos em regime de Repercussão Geral pelo STF ou de Recursos Repetitivos pelo STJ, além da consequente vinculação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>) às decisões proferidas nestes moldes.
A par disso, tanto a vinculação do Carf às decisões do STF e/ou STJ quanto o sobrestamento estão tratadas no recente Regimento Interno do Carf (RICARF) aprovado pela Portaria MF 1.634, de 21 de dezembro de 2023. De acordo com os arts. 98 e 99 do RICARF, com efeito, os conselheiros deverão reproduzir as decisões de mérito  proferidas pelo STF ou STJ na sistemática da repetitividade de recursos em matéria infraconstitucional, desde que transitadas em julgado.
Além disso, segundo os precitados dispositivos, poderão os conselheiros afastar a aplicação de dispositivo legal que já tenha sido, entre outras hipóteses (i) declarado inconstitucional por decisão plenária transitada em julgado do STF, em sede de controle concentrado, ou em controle difuso, com execução suspensa por Resolução do Senado; (ii) objeto de Súmula Vinculante do STF, de dispensa legal de constituição por Ato Declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou por parecer, vigente e aprovado por essa mesma autoridade, de Parecer do 
Advogado-Geral da União aprovado pelo presidente da República e Súmula da Advocacia-Geral da União.
A transposição desses eventos para o plano legal é de inegável importância, à medida que nos retira, a todos, da potencial posição de refém de mudanças regimentais no Carf. Ademais, valiosa a extensão do mesmo racional, , como consta no PL citado, também para as Delegacias de Julgamento, um ganho inequívoco em termos de previsibilidade e segurança.
No entanto, haveria mais a melhorar, assim entendemos, e o ponto a meditar residiria justamente sobre a opção firmada tanto pelo art. 40 do PL quanto pelo art. 99 do novo RICARF, dispositivos que prescrevem que as decisões do STF e STJ possuirão efeitos vinculantes somente com o respectivo trânsito em julgado, marco temporal que não coincide com o que preconiza a Lei 10.522/2002, além de contrariar o CPC em seu art. 1.040 e o entendimento do STF, segundo o qual não é necessário aguardar o trânsito em julgado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, nem mesmo o julgamento de Embargos de Declaração<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, para imprimir efeitos à decisão firmada em Repercussão Geral.
E de fato não devemos nos satisfazer com a fixação do trânsito em julgado como marco deflagrador da vinculação, opção geradora de evidente risco de encerramento desconforme com acórdãos de mérito do STF e STJ proferidos na sistemática de repetitividade, apenas por não ter ocorrido o transitado em julgado.
Seria mais produtivo e rente à ideia que percorre nosso sistema de precedentes, se o PL, avançando, passasse a prever que os acórdãos de mérito do STF e/ou STJ proferidos nos regimes repetitivos ostentariam efeitos imediatos, mesmo que não definitivos, com o sobrestamento dos processos administrativos até o trânsito em julgado, aí sim, dos acórdãos nos Tribunais Superiores, momento em que o efeito se definiria, para um lado ou para outro.
Mas sejamos justos: o tema não foi ignorado no PL, cujo art. 40 prevê a pausa processual, fazendo-o, porém, apenas nas hipóteses em que os relatores dos respectivos recursos no STF ou STJ assim determinarem.
A par dessa visão inicial, seria desejável que a medida proposta ocorresse em toda e qualquer hipótese de identidade de temas do processo administrativo com o Leading case, desde o momento em que os temas são afetados como representativos de controvérsia.
Explicamos: embora essa sistemática de sobrestamento independentemente de despacho do relator não seja a prática prevista pelo CPC para o processo judicial, na esfera administrativa a medida tem outro sentido. Isso porque, na via judicial, a única consequência que pode derivar de um processo não sobrestado é a prática de atos em primeira e segunda instâncias e, finalmente, o sobrestamento do Especial e/ou Extraordinário por imposição do art. 1.030, III, do CPC – nunca o processo se reputa encerrado, no entanto.
Por outro lado, na via administrativa, inexistindo determinação expressa de sobrestamento, o processo seguirá seu curso e poderá ser encerrado definitivamente, daí podendo resultar o indesejável efeito antes descrito, desatendendo o espírito do sistema de precedentes, além de potencializar a judicialização da matéria.
É bem certo que, atualmente, para evitar fato indesejável e totalmente contrário a “segurança jurídica e coerência decisória entre instâncias administrativa e judicial” (palavras extraídas da Exposição de Motivos 3/2022/CJADMTR do PL), o novo RICARF já prevê que após a prolação de acórdãos de mérito pelo STF e STJ em regimes de repercussão geral e recursos repetitivos, os processos administrativos deverão permanecer sobrestados até o desfecho final dos Leading cases.
Se quanto ao PL criticamos a exigência de determinação dos relatores dos leading cases para o sobrestamento dos processos administrativos, no RICARF, criticamos o fato do sobrestamento depender da prolação do acórdão de mérito – outro ponto sobre o qual devemos nos reter.
É que, em ambos os cenários, inúmeros processos administrativos escapariam seriam potencialmente encerrados mesmo havendo afetação dos temas pelo STF e/ou STJ, demandando novas medidas judiciais por parte dos contribuintes.
Em resumo, portanto, o PL deveria determinar o sobrestamento a partir da afetação de determinado tema pelo STF e/ou STJ, independentemente de determinação dos relatores dos leading cases, efeito que se estenderia até a prolação dos acórdãos de mérito, os quais deverão vincular os julgadores administrativos de forma definitiva com o correspondente trânsito.
Por fim, sem qualquer pretensão de que essas sugestões sejam exaurientes do debate sobre os possíveis ajustes que o art. 40 do PL comporta, vale concluir com uma provocação para que a redação que for definida seja refletida nas legislações estaduais e municipais enquanto não há lei nacional de processo administrativo tributário.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> RE 1035126 AgR-ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 29/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 19-10- 2017 PUBLIC 20-10-2017.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> RE 935448 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 31/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-6-2016 PUBLIC 14- 6-2016.

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JOTA

O sobrestamento do processo administrativo tributário no PL 2483/22

A vinculação do Carf às decisões do STF e STJ

O sobrestamento do processo administrativo tributário no PL 2483/22