Opinião e Análise

Dione Almeida Santos

Em que pese todo o arcabouço jurídico garantindo a igualdade de gêneros, há uma construção sutil, mas eficiente, para a desigualdade de chances e de oportunidade no mercado de trabalho em desfavor da mulher e da população LGBTQIA+.
O Brasil tem contribuído para desigualdade entre gêneros e entre gêneros e raças ao longo dos anos, algumas vezes por omissão e outras por ação, fato facilmente comprovado ao observarmos quantos anos demorou para regulamentar o trabalho em home office exercido por mulheres que trabalhavam para as indústrias fabris, costurando em suas residências, bem como para conceder às empregadas domésticas o direito às horas extras, profissão exercida, em sua maioria, por mulheres pobres e negras. Raça e gênero têm sido fatores determinantes para a discriminação no trabalho, obstáculo que precisa ser superado para a efetividade de direitos fundamentais e progresso da nação.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Discriminação de gênero e violação de instrumentos normativos internacionais
A discriminação é configurada por qualquer ação ou omissão do tomador de serviços que viola o princípio da igualdade de trabalho e no trabalho, independentemente de intenção, consciência ou inconsciência<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, inviabilizando ou anulando o gozo ou o exercício de direitos fundamentais, dificultando o acesso e a promoção no mercado de trabalho, impedindo a igualdade de oportunidades e frustrando, quando não destruindo, suas perspectivas profissionais.
Ser “dono” da empresa não lhe permite agir sem limites, não porque o empregador não dita as regras de sua empresa, mas porque sua empresa possui função social que é interligada à dignidade da pessoa humana do(a) trabalhador(a) (artigo 5º da CR, 170 do CC). Todos nós, Estado e cidadãos, somos solidariamente responsáveis pela efetivação da igualdade de direitos e oportunidades (art.3º, I)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O assédio é um problema organizacional estruturado na desigualdade de gênero, uma realidade em nosso país. Muito embora o Brasil tenha se comprometido a impulsionar a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, muito pouco tem feito para promover a igualdade, deixando de implementar uma política nacional séria que elimine toda discriminação em matéria de emprego, formação profissional e condições de trabalho por motivos de sexo ou qualquer outra distinção, o que configura desrespeito a várias Convenções e Tratados Internacionais ratificados.
Desrespeitando uma igualdade que ele assegura constitucionalmente, nosso país deixou de ratificar a Convenção n° 190 da OIT, uma convenção que reconhece a violência e o assédio no trabalho como violações ou abuso aos direitos humanos e que tem como finalidade a proteção dos trabalhadores e empregados, independentemente do gênero, dos tipos de contrato de trabalho, se o trabalhador se encaixa ou não no conceito de empregado, incluindo pessoas em treinamento, estagiários, aprendizes, voluntários e candidatos a emprego<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Essa convenção representa um grande avanço e um aumento do campo de proteção do trabalhador.
Não empreender o máximo de esforço para extinguir a discriminação nas relações de trabalho é próprio de um país estruturado em um patriarcado, daí a urgência de traçarmos algumas estratégias em busca de uma igualdade de gênero nas relações de trabalho.
Estratégias para a igualdade de gênero e o fim do assédio no trabalho
O fato de os instrumentos normativos serem desrespeitados pelo próprio Estado e de a Convenção 190 não ter sido ratificada não nos impede de fazer das relações de trabalho, relações mais equânimes, saudáveis e mais próximas de um ideal pautado na ética, no respeito e na igualdade. Até que isso seja realidade, precisamos falar mais sobre desigualdade de gênero, machismo, racismo, assédio e violência de gênero, não partindo de uma hipótese remota, mas partindo da afirmação que nosso país é estruturado em um patriarcado, inquestionavelmente machista e racista.
Esse debate deve ser elevado para um patamar no qual inexiste guerra de sexos ou de raças, a guerra é contra a pobreza e a marginalização, devendo fazer parte das nossas conversas entre familiares e amigos, devendo ser pauta de atividades escolares, de encontro de empreendedores, de treinamentos de RH, tudo no sentido de incluir as mulheres e a população LGBTQIA+ no mercado de trabalho, ofertando postos de trabalho dignos, saudáveis, sem discriminação e sem assédio.
<blockquote class="jota-article__eye">É necessário investir em estratégias de inclusão e políticas públicas bem consolidadas para viabilizar o acesso e a promoção da mulher e da população LGBTQIA+ no mercado de trabalho.</blockquote>
As ações afirmativas têm o poder de romper estigmas e podem ser práticas constantes nas empresas privadas. Isso, inclusive, valoriza o nome da empresa, cabendo a nós, como cidadãos, prestigiar as empresas que vem adotando esses programas de inclusão, consumindo seus serviços e produtos.
As entidades de classes têm papel importante na construção de uma sociedade democrática, os sindicatos são, ou deveriam ser, agentes de proteção de todos os trabalhadores, dando atenção especial às individualidades de cada grupo, o que vai além de discutir participação de lucros e valor do vale alimentação. E por que não tratar de questões sobre igualdade nas convenções coletivas? O próprio retrato dessas instituições, materializados por sua diretoria e dirigentes, devem representar todos os gêneros e raças. Temos que ter consciência do poder do voto e da importância de usá-lo para eleger presidentes de instituições, vereadores, deputados, governadores e Presidente da República que represente os interesses de todos.
Feito tudo o que era possível para se ofertar postos de trabalho em condições de igualdade, se ainda ocorrer discriminação, devemos levar à apreciação do Judiciário os casos de desrespeito ao direito de igualdade. O Poder Judiciário deve estar preparado para entregar uma tutela jurisdicional proporcional ao dano sofrido e uma indenização que compense a vítima, puna o agressor e eduque a sociedade. A discriminação, a violência e o assédio não podem ser banalizados e nem considerados meros aborrecimentos. A falácia do enriquecimento sem causa não pode ser óbice para a integral reparação dos danos.
A construção de uma sociedade justa e fraterna é dever de todos nós. Ela prescinde de iguais condições de chances e oportunidades no mundo do trabalho, nós não podemos mais falhar enquanto projeto de democracia.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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Referências bibliográficas
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de, e COLNAGO, Lorena de Mello Rezende, Direito Internacional do Trabalho e as Convenções Internacionais da OIT Comentadas. São Paulo. Ed. Ltr, 2014.
AZEVEDO, Platon Teixeira de Neto, O trabalho decente como um direito humano. São Paulo: Ltr, 2015.
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente Análise Jurídica da Exploração do Trabalho- Trabalho Escravo e Outras Formas de Trabalho Indigno, 5ª Ed. São Paulo: LTr, 2018.
Disponível em: &lt;https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf&gt;. Acesso aos 20 de janeiro de 2021.
Notas
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRITO FILHO, José Claudio Monteiro. Trabalho Decente Análise Jurídica da Exploração do Trabalho- Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno. 5ª Ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 121.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 279.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho decente direito humano e fundamental. São Paulo: LTr, 2016, p. 124.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: &lt;https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf&gt;. Acesso aos 20 de janeiro de 2021.

19ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo

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JOTA

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