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Multinacionais

Acordo dos Estados Unidos no G7 gera incerteza sobre aplicação do Pilar 2 da OCDE

Pacto entre potências modifica os rumos do imposto mínimo global proposto pela OCDE e pressiona países a reverem estratégias

Carolina Unzelte
11/07/2025|07:02|São Paulo
Atualizado em 11/07/2025 às 13:05
estados unidos pilar 2 ocde
Créditos: Pexels

O comunicado conjunto divulgado no dia 28 de junho pelos ministros do G7, grupo de países que reúne as sete maiores economias mundiais, pode redesenhar os contornos do Pilar 2, o projeto da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que visa estabelecer uma tributação mínima sobre os lucros de multinacionais. O documento propõe que empresas dos Estados Unidos não sejam alcançadas por algumas das diretrizes que garantem uma alíquota mínima de 15% às companhias, o que, para especialistas, pode aprofundar desigualdades, principalmente entre países do Norte e Sul global.

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O comunicado, articulado a partir de demandas dos Estados Unidos, representou uma inflexão em relação a dois “braços” do Pilar 2: o Undertaxed Profits Rule (UTPR) e o Income Inclusion Rule (IIR). O segundo permite que um país cobre o diferencial caso identifique que uma empresa foi tributada a menos de 15%. O primeiro é semelhante, mas permite a cobrança do adicional mesmo que a operação envolva outras jurisdições. O comunicado afirma que os países signatários buscarão não aplicar os mecanismos a grupos empresariais norte-americanos e reconhece, como equivalentes às deduções tradicionalmente aceitas, incentivos fiscais substanciais, desde que baseados em atividades reais.

Em entrevista ao JOTA, o presidente da International Fiscal Association (IFA), Guglielmo Maisto, afirmou que “o comunicado do G7 exige mais clareza em termos de suas consequências jurídicas. Por enquanto, trata-se mais de uma decisão política. Acredito que nos próximos meses haverá esclarecimentos que seguirão esse comunicado”. Para Maisto, “a situação mudou tão drasticamente após o comunicado do G7 que os países que adotaram as regras agora precisam reconsiderá-las”. O presidente participou, na última quarta-feira (3/7), do Global IFA Travelling Lectureship Programme, em São Paulo. O evento, em preparação ao fórum global da IFA, que acontecerá em Lisboa em outubro, foi realizado pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), braço brasileiro da organização. 

Apesar da intenção original de criar um padrão internacional unificado, a aplicação do Pilar 2 é desigual no mundo. Na União Europeia, foi adotado integralmente por meio de uma diretiva. Países como Japão, Coreia do Sul e Austrália também seguiram esse caminho. Outros, como Singapura, implementaram versões próprias e mais restritas. O país asiático, por exemplo, limitou a aplicação do imposto de renda mínimo apenas a grupos cuja matriz está no próprio país e excluiu totalmente a UTPR. A abordagem da jurisdição, segundo Maisto, “é precisamente o que os Estados Unidos buscavam” e que agora encontra respaldo no comunicado do G7.

Imposto mínimo, muitas regras

Já o Brasil seguiu por um caminho intermediário. Com a aprovação, em 2024, da Lei 14.789, o país institui apenas o chamado QDMTT, uma forma de proteger a arrecadação nacional sem adotar, por ora, os mecanismos de aplicação extraterritorial como a UTPR.

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O Pilar 2 foi desenvolvido no âmbito do chamado “Projeto BEPS 2.0” da OCDE, que busca reformar a tributação internacional diante dos desafios da economia digital e da concorrência fiscal entre países. Seu objetivo é garantir que grandes grupos econômicos, com receita consolidada acima de €750 milhões, paguem pelo menos 15% de imposto sobre seus lucros, independentemente de onde estejam.

Para isso, o Pilar 2 prevê estruturas como a Regra de Inclusão de Renda (IIR), que permite que o país onde está a matriz da empresa tribute os lucros de subsidiárias que tenham sido pouco tributadas, além da regra de subtributação, a UTPR evitada pelos EUA, que funcionaria como um mecanismo complementar. Quando a IIR não é aplicada, países onde a empresa atua poderiam tributar parte do lucro não tributado.

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Apesar da estrutura já delineada, a aplicação é difícil. “A administração do Pilar 2 é muito difícil, porque é altamente técnica. Por isso, treinamento e pessoal qualificado tornam-se muito caros e desafiadores, especialmente para países em desenvolvimento”, diz Maisto.

Norte e Sul global

Durante a conferência da IFA, o subsecretário de Tributação Internacional da Receita Federal, Daniel Prates, expressou “sérias preocupações” com o desdobramento do comunicado do G7. Segundo ele, as mudanças feitas para acomodar os Estados Unidos podem ampliar ainda mais as assimetrias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no acesso à tributação dos lucros de multinacionais.

Prates afirmou que o Brasil vinha se alinhando progressivamente aos padrões internacionais e que agora precisa reavaliar sua estratégia. “O Brasil participou desse projeto desde o início e participou ativamente. Nossas sugestões, na maioria das vezes, sempre foram ouvidas, nem sempre foram implementadas, claro, porque esse é um processo de concessões”, diz. 

“Agora com o comunicado do G7, já há outros elementos que precisam ser avaliados. O que vemos é um novo direcionamento sendo ditado pelos G7, sem o envolvimento de países em desenvolvimento. É uma diretriz nova, nos causa uma certa desconfiança em relação à inclusividade do processo”, diz Prates. 

O subsecretário afirmou que criar exceções específicas para países como os EUA pode gerar distorções de competitividade e comprometer a integridade do sistema. Segundo Prates, o Brasil não tem, em sua estrutura legal, espaço para adotar medidas discriminatórias dessa natureza. “Acho que a gente tem um problema de isonomia aqui”, afirmou.

Além disso, ele criticou a possibilidade, ventilada na imprensa a partir do comunicado, de permitir o push-down de tributos pagos pela controladora nos EUA para fins de cálculo do QDMTT no Brasil, isto é, permitir que impostos pagos pela matriz da empresa nos Estados Unidos sejam abatidos do imposto mínimo que a filial precisa pagar no Brasil. Para Prates, isso implicaria abrir mão de receita sobre lucros gerados domesticamente. “Provavelmente a gente não gostaria nem de discutir esse ponto”, disse. Segundo Prates, a Receita ainda está avaliando os impactos do comunicado e espera que os próximos encontros técnicos da OCDE tragam mais clareza sobre sua implementação.

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Não é a primeira vez que particularidades de países em desenvolvimento entram em pauta quando o assunto é o Pilar 2. “Sempre achei que era, da perspectiva de um país em desenvolvimento, uma certa ingenuidade acreditar que vivíamos uma experiência multilateral. Sempre me pareceu mais uma imposição de padrões do Norte global ao Sul global”, diz Sergio André Rocha, professor de Direito Financeiro e Tributário da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). O que a gente vê é a imposição de padrões, com base em determinadas experiências nacionais, como se fossem verdades absolutas. Isso tem um nome na teoria das relações internacionais: imperialismo”.

Uma das particularidades dos emergentes é que muitos países desse perfil dependem de incentivos fiscais para atrair investimento em certas localidades, com vista em políticas públicas para diminuir desigualdades regionais. Um exemplo disso em solo brasileiro é a Sudam e a Sudene, iniciativas de benefícios fiscais para trazer companhias para as regiões Nordeste e Norte.

O modelo do Pilar 2 ameaça anular esses benefícios, já que eles reduzem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Agora, com o comunicado do G7, as perspectivas podem mudar também nesse front. “O G7 está considerando tornar compatíveis com o Pilar 2 os incentivos baseados em substância econômica”, diz o presidente da IFA. Esses incentivos são concedidos com base em atividades reais realizadas no país, como contratação de empregados ou construção de instalações. “Podemos ter, portanto, uma mudança em que os incentivos oferecidos por países em desenvolvimento deixariam de ser anulados”, diz Maisto.

Para Maisto, o Brasil, que ainda está em fase de implementação com o pagamento de eventual adicional de CSLL previsto para o ano que vem, pode se aproveitar de experiências dos países europeus para fazer adaptações às suas particularidades – inclusive das peças que ainda estão faltando neles para antecipar problemas. “Não há, até agora, uma solução clara para a resolução de controvérsias entre países em torno da aplicação do Pilar 2”, exemplifica. A Itália foi um dos poucos países a incluir uma cláusula unilateral permitindo que disputas sobre o Pilar 2 sejam resolvidas por meio de procedimento entre autoridades competentes — desde que haja reciprocidade com o outro país envolvido. “Isso pode inspirar a legislação de outros países, mas ainda estamos longe de ter um mecanismo multilateral robusto.”

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