Rodolfo da Costa Arruda Silva

Há tempos o setor de saúde ensaia dinâmica de transformação profunda através de indispensável processo de digitalização e informatização, com vistas a proporcionar melhoria nos serviços de saúde, especialmente o atendimento e a experiência dos usuários desses serviços. Esse movimento é marcado pela adoção de importantes inovações tecnológicas que agregaram eficiência, segurança e inteligência na gestão da saúde pública e privada.
A pandemia da Covid-19 acelerou significativamente o processo de revolução digital no setor que, até início de 2020, estava em marcha lenta. A necessidade de redução das interações físicas entre pessoas em razão das medidas de isolamento e distanciamento social exigiu novas formas de garantir o atendimento seguro nos serviços de saúde. E é exatamente nesse contexto que a digitalização e informatização ganhou tração, com a migração para o ambiente eletrônico.
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Se por um lado o contexto da pandemia da Covid-19 impulsionou o crescimento acelerado do setor de saúde e desse processo de digitalização e informatização, bem como a maior integração entre saúde e tecnologia, de outro originou desafios estruturais para a implementação e a regulação desse novo cenário setorial vivenciado.
Dentre esses diversos desafios surgidos e que precisam ser resolvidos, destaca-se a necessária e urgente regulamentação dos documentos eletrônicos em saúde. A tarefa não é fácil. E demandará esforços conjuntos. Especificamente, as dificuldades que confere complexidade ao tema são 1) a multiplicidade de elementos técnicos que envolve a elaboração desses documentos; e a 2) fragmentação de competências para regular os aspectos formais e materiais de tais documentos, com atuação de diferentes órgãos reguladores (Ministério da Saúde, Anvisa, ANS, ANPD, ITI — este último, com atuação limitada à validação de assinaturas eletrônicas qualificadas – padrão ICP-Brasil).
A consequência prática decorrente desses elementos desafiadores é a possibilidade de surgimento de regulamentação igualmente fragmentada, conflitante, tecnicamente incompleta e inconsistente, e que não absorva adequadamente as inovações tecnológicas e os inequívocos ganhos delas decorrentes. Cita-se como exemplo as regulamentações editadas unilateralmente por conselhos profissionais em descompasso com o regramento estabelecido pela Lei das Assinaturas Eletrônicas (Lei Federal nº 14.063/2020) para assinatura eletrônica em documentos eletrônicos subscritos por profissionais de saúde; o condicionamento a aspectos tecnológicos restritivos e a adoção de soluções tecnológicas onerosas e burocráticas (PDFs; portais de validação). Esse cenário tem gerado indesejável insegurança jurídico-regulatória para os agentes regulados, o que, na prática, também prejudica os usuários.
A regulamentação dos documentos eletrônicos em saúde exige coordenação e diálogo entre os diversos órgãos com competência atribuída para o exercício da atividade regulatória, bem como otimização e cooperação no processo decisório. A legislação federal oferece solução interessante: a decisão coordenada.
Instituída recentemente pela Lei Federal nº 14.021, de 30 de setembro de 2021, a decisão coordenada compreende a “(...) instância de natureza interinstitucional ou intersetorial que atua de forma compartilhada com a finalidade de simplificar o processo administrativo mediante participação concomitante de todas as autoridades e agentes decisórios e dos responsáveis pela instrução técnico-jurídica, observada a natureza do objeto e a compatibilidade do procedimento e de sua formalização com a legislação pertinente” (artigo 49-A, §1º).
A decisão coordenada apresenta-se como instrumento capaz de viabilizar a concentração das instâncias decisórias com o objetivo de discutir e estabelecer as premissas para a regulação sólida dos documentos eletrônicos em saúde. Como resultado dessa concentração, espera-se a construção conjunta das teses, orientações, diretrizes e das propostas de atos governamentais específicos para regulamentar os documentos eletrônicos em saúde; bem como a consolidação dos posicionamentos técnicos dos órgãos supramencionados, para subsidiar futura atuação governamental em matéria idêntica ou similar, e, especialmente, a decisão de cada órgão relativa aos aspectos sujeitos à sua competência.
A quantidade de órgãos envolvidos igualmente exigirá a coordenação para a boa condução dos trabalhos. Daí a pergunta: o Ministério da Saúde, que é a pasta com expertise e significativa concentração de competências no que tange a organização do sistema de saúde no Brasil, poderia atuar como o principal articulador e coordenador federal dessa concentração de instâncias decisórias?
A avaliação se a decisão coordenada é a melhor via regulatória a ser percorrida para a edição de sólida e adequada regulamentação dos documentos eletrônicos em saúde e se o Ministério da Saúde deverá atuar como coordenador federal desse processo terá que ser objeto de amplo e indispensável debate público com o setor e órgãos reguladores. O elemento de certeza é que devemos evitar regulamentações unilaterais e não dialogadas num tema que impacta as atividades de todos os agentes que compõem o sistema de saúde brasileiro.

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JOTA

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