Victor Cravo

A Anvisa estabeleceu, por meio da Resolução <a href="http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0014_15_03_2012.pdf" target="_blank" rel="noopener">RDC nº 14/2012</a>, a proibição da fabricação de cigarros com substâncias que adicionem aroma e gosto adocicados. A motivação do ato, <a href="http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&amp;p_p_lifecycle=0&amp;p_p_state=maximized&amp;p_p_mode=view&amp;p_p_col_id=column-1&amp;p_p_col_count=1&amp;_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&amp;_101_assetEntryId=2667724&amp;_101_type=content&amp;_101_groupId=219201&amp;_101_urlTitle=publicada-resolucao-que-restringe-aditivos-em-cigarros&amp;inheritRedirect=true" target="_blank" rel="noopener">instruída por pesquisa científica</a>, reportou que a atração exercida pelo cigarro aromatizado sobre os jovens constituiria risco grave à saúde pública. A questão foi recentemente julgada pelo STF na <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=368410&amp;tip=UN" target="_blank" rel="noopener">ADI 4874</a>, promovida pela Confederação Nacional das Indústrias. O placar ficou empatado (5x5), estampando o contraste entre os ministros. Liderada pela ministra Rosa Weber, a ala favorável à constitucionalidade do ato impugnado – favorecida pelo empate – defendeu que a produção normativa das agências reguladoras possui um caráter que a distingue das leis, em função de seu “viés técnico”. Seguindo essa linha, o ministro Celso de Mello lembrou que as agências reguladoras dispõem de “liberdade e discricionariedade técnicas que legitimam” políticas públicas. Já a banda contrária, evitando abordar o tema da técnica, uniu-se sob o argumento de que a Anvisa extrapolara sua competência normativa, adentrando no campo proibido das decisões políticas, que diriam respeito exclusivamente ao Poder Legislativo. Regida pelo ministro Alexandre de Moraes, adotou sem restrições o princípio da legalidade estrita, segundo o qual a administração pública somente pode fazer aquilo que estiver expressamente permitido pela lei. Nesse tom, afirmou que “a ação não discute se o cigarro faz mal ou não à saúde, mas se estaria dentro do poder normativo da Anvisa proibir”.
Dois anos antes, o STF julgou tema análogo, envolvendo novamente as competências regulatórias da Anvisa. A ação cautelar na <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317011" target="_blank" rel="noopener">ADI 5501</a> tratou da constitucionalidade da Lei nº 13.269/2016, que autorizava o uso da substância fosfoetanolamina sintética, mais conhecida como “pílula do câncer”, independentemente da prévia autorização da Agência. Nesse caso, a ampla maioria formada em favor da inconstitucionalidade contou com alguns dos mesmos ministros que, na ocasião da ADI 4874, privilegiaram a política em detrimento da técnica. O ministro Luiz Fux declarou a “ausência de capacidade institucional do Poder Judiciário para regular essa questão”, que seria para ele eminentemente técnica. O ministro Dias Toffoli arrematou que o “mérito da questão é administrativo”. Já o ministro Luís Roberto Barroso, que não votou na ADI 4874 por ter prestado consultoria em favor do autor da ação, puxou a teoria das capacidades institucionais para afirmar que as atividades tipicamente administrativas, técnicas, constituem reversa da administração, o que as tornaria até mesmo isentas de escrutínio pelos demais poderes.
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Para o bom entendedor, as meias palavras dos ministros bastam para concluir que o STF tem por hábito oscilar, sem critério aparente, entre doutrinas que privilegiam a técnica – teorias das capacidades institucionais, da discricionariedade técnica e da sujeição especial – e a política – princípio da legalidade estrita. Essas diferentes teses não asseguram critério preciso, podendo ser utilizadas para obter resultados distintos a partir de casos similares. Disso provavelmente todos já suspeitavam. A pergunta que encabeça o texto foi finalmente respondida, mas sem espantar a pulga que permanece atrás da orelha. A pergunta que vem em seguida agora é outra: existe algum critério jurídico seguro para demarcar os espaços da técnica e da política?
Diante dessa indagação é que se percebe que o foco do STF parece estar errado. Não é relevante – ou possível – saber exatamente onde termina a técnica e onde começa o político, pois as barreiras que separam uma coisa da outra são imaginárias, invisíveis e móveis segundo a conjuntura. Convém lembrar que vivemos numa sociedade em que grande parte do que nos circunda é medido, calculado e testado para o fim de nos proporcionar maior eficiência. A ciência revela novos conhecimentos que abrem possibilidades em áreas tão diversas como saúde, transportes e telecomunicações. E a técnica – tecnologia, ou expertise – consiste no desenvolvimento dos meios necessários para atingir fins específicos, como materializar tais possibilidades científicas. É claro que essas recém-abertas fronteiras da ciência nem sempre são amplamente festejadas pela sociedade, como seria o caso da descoberta da cura de alguma doença grave. Frequentemente, as inovações da ciência criam conflitos sociais ao se chocarem com valores éticos, culturais ou religiosos que antes permaneciam sem desafios. E tais conflitos acabam recorrendo à intervenção do direito, batendo às portas do Poder Judiciário ou reclamando disciplinamento legislativo ou administrativo. Mas não é a ciência que deve determinar a decisão jurídica.
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<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao/regulatory-reliance-qual-o-modelo-ideal-para-o-brasil-15052018">Regulatory reliance: qual o modelo ideal para o Brasil?</a></li>
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Como já disse <a href="https://books.google.com.br/books/about/Ci%C3%AAncia_E_Pol%C3%ADtica_Duas_Voca%C3%A7%C3%B5es.html?hl=pt-br&amp;id=Uvm6zVyYCYsC&amp;redir_esc=y" target="_blank" rel="noopener">Max Weber</a>, o conhecimento científico não tem legitimidade, por si só, para arbitrar um conflito entre valores. A ciência não se norteia por valores e só possui significado se seguir essa condição. O papel da ciência é compelir a sociedade a tomar posição frente aos conflitos valorativos que se apresentam na definição dos meios necessários a um fim, sem que faça a escolha em seu lugar. O conhecimento científico apenas pode fornecer os dados necessários para uma decisão esclarecida, tomada na interseção entre a <a href="https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/131/edicao-1/direito-e-politica">política e o direito</a>. Assim, uma decisão tecnicamente informada não deixará de ser uma escolha política. E por isso mesmo a técnica jurídica do STF deveria focar na qualidade do procedimento administrativo que resultou na decisão técnica contestada. Na avaliação sobre a eficácia dos espaços institucionais, criados nas entranhas da administração pública, em proporcionar debates nos quais as informações científicas e os valores implicados sejam confrontados. E na correlação entre as razões da decisão impugnada e os argumentos racionais expostos ao longo do procedimento decisório. O STF não deve fugir do exame da técnica, mas se familiarizar com sua linguagem e seus métodos. Tampouco deve substituir os demais poderes, mas zelar para que cumpram e aprofundem os mecanismos institucionais que proporcionam a participação democrática.

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JOTA

Existe algum critério jurídico seguro para demarcar os espaços da técnica e da política?

Entre a técnica e a política: para que lado pende o STF?

Existe algum critério jurídico seguro para demarcar os espaços da técnica e da política?