Meio Ambiente

Regulação do mercado do carbono é urgente e necessária, apontam especialistas

Apesar de aumento do comércio de créditos de carbono, PL que institui mercado regulado no país segue sem aprovação

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Crédito: Pexels

O mercado nacional de carbono está tomando forma e crescendo cada vez mais. Prova disso é a recente divulgação de um edital do BNDES para aquisição de R$ 10 milhões em créditos de carbono – o primeiro do tipo na história do banco –  provenientes do sequestro ou redução de gases do efeito estufa por empresas ou projetos ambientais. As compras serão voltadas para créditos do mercado voluntário de origem REDD+ (Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal), reflorestamento e energia.

A iniciativa do banco vai de acordo com o que diversas instituições ao redor do mundo têm feito desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, quando foi ratificada a necessidade de redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE) e a criação de um mercado internacional de compensação por meio de crédito de carbono. A regulamentação do comércio de carbono, no entanto, só ocorreu em 2021, durante as negociações da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26).

O Brasil, apesar de ter um grande potencial para gerar créditos, ainda não regulamentou esse mercado. Atualmente, são feitas apenas operações no mercado voluntário, onde empresas e pessoas físicas podem compensar sua pegada de carbono comprando diretamente de projetos e instituições que comercializam certificados.

General manager da Moss, climate tech que atua como intermediária na venda de créditos no mercado voluntário, Fernanda Castilho explica que a demanda por créditos de carbono aumentou exponencialmente depois COP-26, e a oferta está escassa. “Apesar de o Brasil ter um potencial gigantesco para desenvolvimento de projetos e certificação, esse potencial ainda não é explorado. A gente ainda tem poucos bons projetos nessa área”, afirma.

Castilho diz que o Brasil tem 46% das florestas tropicais do mundo e que isso faz com que o país possa se tornar um dos maiores fornecedores de crédito global. Atualmente, entretanto, o país ocupa a sétima posição no mundo em geração voluntária de ativos de carbono.

Segundo um estudo da representação brasileira da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), o mercado de créditos de carbono pode gerar US$ 100 bilhões ao Brasil até 2030. No entanto, o país ainda caminha para estabelecer uma legislação que regule esse mercado.

Mercado de crédito de carbono e o PL 528/2021

O PL 528/2021, de fevereiro do ano passado, tramita em regime de urgência no Congresso e visa a criar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE, previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09). A proposta pretende regular a compra e venda de créditos de carbono no país. O JOTA ouviu especialistas especialistas sobre pontos positivos e controversos do projeto de lei.

Advogado do BNDES e mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Uerj, Gabriel Demetrio afirma que o PL é de fundamental importância para a agenda de sustentabilidade e competitividade do país. “Deixar de instituir um mercado regulado já não é mais uma opção, na medida em que a maioria dos países desenvolvidos passa a adotar esse mecanismo e tende a impor encargos de forma sistemática sobre produtos oriundos de países em desconformidade. Na ausência de um mercado regulado no Brasil, é certo que o produto carbono intensivo aqui produzido será fatalmente onerado no exterior”, pontua.

Segundo Demetrio, o mercado regulado impõe custos aos agentes mais poluidores e, ao mesmo tempo, também beneficia os mais eficientes na redução de emissões, permitindo que estes gerem receitas mediante a transação de créditos de carbono e, assim, tenham os seus esforços ambientais efetivamente recompensados.

Diferentemente do que ocorre em mercados regulados já estabelecidos, como o europeu e o americano, que adotaram o sistema cap and trade (onde existe um limite máximo de emissão de gases estipulado e, a partir disso, as empresas podem comprar e vender permissões), o projeto em discussão no Brasil pretende adotar um sistema de acordo setorial com os segmentos industriais mais poluentes.

O advogado Rafael Feldmann, sócio da Cascione Pulino Boulos Advogados, especialista em Meio Ambiente e Infraestrutura, explica que esse sistema é semelhante ao acordo que existe no setor de resíduos sólidos, mas o problema da adoção desse modelo, segundo ele, é não existir uma meta muito clara em relação à redução das emissões de gases de efeito estufa.  “O PL é bom, mas não significa que ele, por si só, vai disparar um mercado, porque ainda temos lacunas de negociação, que é mais ou menos as que ocorrem no sistema de resíduos sólidos”, explica o advogado.

Segundo Feldmann, não necessariamente os atores mais poluentes vão desenvolver melhorias para que as emissões possam ser reduzidas na própria atividade e, sendo assim, eles terão que comprar créditos, mas o texto não menciona montantes e nem percentuais. “O projeto de lei não coloca percentual de quanto se espera de redução de emissões decorrentes de sua implementação. Na minha leitura do texto, não ficou claro quais são suas ambições”, comenta.

Fragilização das políticas ambientais

O pensamento da diretora de políticas públicas do Instituto de Política Ambiental da Amazônia (IPAM) e colíder da Força Tarefa de Mercado de Carbono da Coalizão Brasil Clima, Gabriella Savian, vai na mesma linha dos apontamentos de Feldmann. “Essa iniciativa de estruturar o mercado brasileiro precisa ter em seu arcabouço metas ambiciosas para a redução de gases de efeito estufa, e elas devem estar condizentes com a necessidade que a gente tem hoje”, explica Savian.

Segundo a diretora, o país teve um aumento muito significativo no desmatamento nos últimos três anos, ocasionado pela fragilização das políticas: “É importante olharmos como o governo nacional e os governos subnacionais vão trabalhar a ambição da redução do desmatamento, porque, no Brasil, o principal fator de emissão de gases de efeito estufa é o desmatamento”.

Um ponto destacado por Feldmann é a falta de clareza do projeto em relação às autoridades competentes para certificar e registrar esses créditos. “A gente não sabe muito bem quem vão ser essas autoridades que irão certificar o ativo. Elas vão ficar subordinadas ao Ministério do Meio Ambiente? Qual vai ser o papel do Ministério da Economia? Vai ter uma agência reguladora para isso? Esses registros vão ser feitos onde? Quem vai ser a autoridade competente? É tudo muito subjetivo ainda, está tudo muito aberto”, declara Feldmann.

Impacto do PL no mercado voluntário

O mercado voluntário de créditos de carbono também é citado no projeto de lei. Segundo o texto, os créditos voluntários, além dos certificados que já possuem, teriam de ser registrados num sistema operado pelo governo federal.

Demetrio disse acreditar que essa medida beneficiará esse mercado por conta da criação de um registro público unificado (Registro Nacional Integrado de Compensação de Emissões ou “RNC-GEE”), com definição dos padrões de certificação admitidos.

“Esse registro não será obrigatório para as transações que, atualmente, já ocorrem no mercado voluntário, mas os agentes que fizerem uso dele poderão extrair maiores benefícios, a começar pela maior transparência e integridade propiciada pelo registro integrado, eliminando-se o risco de dupla contagem. O mercado regulado também irá dialogar com o mercado voluntário na medida em que o primeiro admitirá o uso de créditos (RVE) emitidos no âmbito do segundo, mas registrados no RNC-GEE, para o cumprimento das metas de redução de emissões por parte dos setores regulados. Então, ambos os mercados – regulado e voluntário – tendem a se beneficiar do PL e a se reforçar mutuamente”, aponta.

Tratamento tributário adequado

O advogado também comenta que a nova versão do PL trouxe uma evolução no tratamento tributário dos créditos do mercado voluntário com a isenção de PIS, Cofins e CSLL nas transações. “Esse tratamento tributário mais adequado também funcionará como um importante estímulo para que o mercado voluntário passe a se organizar de forma mais uniforme, observando os requisitos mínimos de registro e padrões de certificação estabelecidos pelo PL”, conclui Demetrio.

Em relação ao andamento do PL, a diretora de políticas públicas do IPAM declara que pode ser que, em breve, haja alguma novidade, já que o governo planeja realizar um evento com entidades internacionais sobre mercado de carbono em maio.