Guilherme Pimenta

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiu que companhias abertas contratem terceiros para adquirir ações de sua própria emissão, para manutenção em tesouraria ou para cancelamento, mesmo que estejam em período vedado, quando há informação relevante não divulgada ao mercado ou 15 dias antes da divulgação de informações trimestrais e anuais da empresa.
Um banco de investimentos apresentou consulta à CVM para saber se há impedimento às companhias contratarem instituições financeiras comprometendo-se a pagar um valor determinado ao contratado que, por sua vez, se obriga a entregar à companhia, no futuro, ações de sua própria emissão.
Isso porque, entre a contratação e a compra de ações, a empresa poderia entrar no período de vedação. <a href="http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst358.html" target="_blank" rel="noopener">A ICVM 358/02</a> proíbe, em seu art. 13, a própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas de negociarem ações de emissão, sob o risco de terem alguma informação privilegiada e, logo, cometerem o ilícito de insider trading.
Segundo o banco de investimentos, ele não teria problemas em comprar essas ações desde que a companhia não estivesse proibida de negociar quando da contratação do intermediário; e esse não tivesse ciência dos fatos que resultaram no período de vedação quando da realização das operações.
+ JOTA: <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/tjsp-suspende-liminar-que-alterava-regras-da-cvm-para-leilao-da-eletropaulo-25052018" target="_blank" rel="noopener">TJSP suspende liminar que alterava regras da CVM para leilão da Eletropaulo</a>
Na primeira análise da consulta, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) afastou o pedido do banco, ao defender que deve continuar a ser vedada a possibilidade de a companhia determinar que ações de sua emissão sejam negociadas, ainda que por um terceiro, nos períodos de vedação previstos na ICVM 358/02.
O indeferimento não foi unânime nem dentro da própria SEP, com discordância na análise de dois analistas. Prevalecendo a negativa, o banco recorreu ao colegiado. O diretor Gustavo Machado Gonzalez, relator do pedido, discordou da área técnica e abriu o precedente, seguido por maioria pelos demais diretores.
Em seu voto, ele lembrou que no regime atual da instrução, a pessoa condenada por negociar nos períodos vedados é, de fato, considerada por insider trading, pois o texto do dispositivo permite à CVM "presumir" que havia uma informação relevante não divulgada sob posse do negociante, que teria operado para obter vantagem indevida.
Segundo Gonzalez, o tipo de negociação que o banco visa fazer se enquadra como "indireta", como possibilita o art. 20, II, da ICVM 538/02. O problema, porém, é que mesmo com esse tipo de operação pode-se presumir que houve um ilícito, já que houve a negociação de ações.
"O atual regime traz dificuldades significativas para a implementação de arranjos com um terceiro independente de negociação que visem a viabilizar transações legítimas em períodos suspeitos, pois não confere segurança nem à companhia contratante nem ao terceiro contratado", afirmou o relator <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/05/6e39cbccf0e125c0f3582a14bd9df7c7.pdf" target="_blank" rel="noopener">em seu voto</a>.
Na tentativa de resolver o imbróglio, Gonzalez concordou com a solução proposta pelo banco e entendeu que mesmo com as vedações e presunções, pode haver negociação em período vedados desde que: o plano de recompra seja estabelecido em um momento em que não existe informação privilegiada; o plano de recompra estabeleça o montante, preço e data das aquisições de ações pelo terceiro; não tenha influência da companhia na aquisição de ações pela instituição financeira e, por último, que as aquisições pelo participante do mercado sejam feitas em conformidade com o plano.
Esses pré-requisitos, entendeu o diretor, combina com uma espécie de plano de investimentos, regulados pela CVM no art. 15-A da ICVM nº 358/2002, que estabelece parâmetros a serem observados em negociações futuras com valores mobiliários de emissão da companhia quando há informação relevante, quebrando o "nexo causal entre a eventual posse de informação privilegiada e a decisão de negociar com os ativos".
O problema, porém, é que planos de investimentos só valem para pessoas físicas.
"A falta de orientação não afasta a validade de tais mecanismos, embora crie dificuldades para tais produtos em razão das regras de presunção da ICVM 358/02. Em qualquer caso, a eficácia de tais serviços dependerá da demonstração, por parte do participante, da adequação dos mecanismos que evitem fluxos indevidos de informação e permitam a rastreabilidade dos fatos ocorridos, que sempre poderão ser examinados pelo regulador nos casos concretos", ponderou Gonzalez em seu voto.
Quando editou a instrução, a CVM optou por não colocar dois artigos no texto, que formalizariam uma espécie de presunção de regularidade nesse tipo de negociações.
Em seu voto, porém, Gonzalez afirmou que "o fato de a autarquia ter decidido não formalizar uma presunção de regularidade para as medidas que haviam sido propostas naqueles dois dispositivos não significa que aqueles arranjos não servem, de todo, para afastar uma acusação de insider trading".
<h3>Orientação</h3>
Como analisou o processo com o olhar do caso concreto, o relator entendeu que essa resposta sozinha possivelmente "não será suficiente para dar conforto ao desenvolvimento de soluções que visem a conferir segurança às recompras nos períodos vedados".
O diretor disse esperar que a CVM retome a discussão do assunto para analisar "possíveis melhorias na regulação".
"De acordo com o relatório divulgado ao final da audiência, 'considerando a existência de iniciativas internas da CVM relacionadas à supervisão de negociações de pessoas com potencial acesso a informações privilegiadas, optou-se por não inserir a presunção em questão na proposta definitiva de instrução e tornar a avaliar o tema em conjunto com outros ajustes que poderão resultar das referidas iniciativas internas em curso'. Ou seja, a própria CVM entendeu que o assunto não estaria encerrado, não havendo, portanto, razões para não avançarmos nas discussões".
<h3>Divergência</h3>
O diretor Gustavo Borba abriu divergência, votando pelo desprovimento do recurso.
Segundo ele, a forma mais adequada de endereçar a questão das negociações pela companhia durante o período vedado, com valores mobiliários de própria emissão "seria por meio de alteração na regulação da CVM".
"Isso quando se poderia contar com ampla discussão dos agentes de mercado e análise criteriosa das possíveis consequências das novas normas que viessem a ser propostas para equacionar a questão", disse o diretor <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/05/e365272a01c1c302401b1c27945fccf5.pdf" target="_blank" rel="noopener">ao votar pela divergência</a>.
"A orientação de que um terceiro independente, com controles supostamente adequados pudesse, sem limitação temporal, negociar valores mobiliários de emissão da própria companhia contratante acabaria por incentivar e legitimar negociações realizadas durante o período vedado, criando delicado precedente que poderia dificultar a fiscalização e eventual punição de companhia que se beneficie de negociações realizadas nesse período", entendeu Borba.
De acordo com Borba, ao permitir que uma companhia contrate um terceiro e que possua mecanismos considerados adequados para evitar o fluxo informacional, "tornar-se-ia no mínimo discutível a possibilidade de responsabilização da companhia por eventual negociação que o terceiro contratado venha a fazer de posse de informação relevante, uma vez que o ato de negociar teria sido desse terceiro considerado independente, o que afetaria não apenas o aspecto volitivo da possível irregularidade, mas a própria presunção relativa".
Já o presidente Marcelo Barbosa, que votou seguindo Gonzalez, discordou apenas em relação à interpretação do § 4º do art. 13 da ICVM 358.
De acordo com Barbosa, o dispositivo "não deve necessariamente ser interpretado de forma a refletir uma presunção conforme reiteradamente aplicado às demais vedações criadas pelo artigo 13".

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JOTA

Em consulta, colegiado entende que pode afastar presunções de ilícito a depender do caso

CVM permite contratado negociar ações de companhia em período vedado

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