Guilherme Pimenta

O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entendeu, por unanimidade, que não cabe à área técnica da autarquia estabelecer um patamar de preço mínimo a ser praticado numa oferta pública de aquisição de ações (OPA). Os diretores debateram o tema nesta quarta-feira (2/5) durante a análise do caso da CPFL Renováveis, crucial para estabelecer os limites do órgão regulador do mercado de capitais em OPA's.
A chinesa State Grid adquiriu o controle do Grupo CPFL em janeiro de 2017 e, agora, buscava-se estabelecer o preço por ação para comprar os papéis dos acionistas minoritários da subsidiária CPFL Renováveis, em uma alienação indireta de controle, obrigatória pela Lei das S.A (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm" target="_blank" rel="noopener">6.404/76</a>).
Todo o imbróglio em torno da OPA começou em fevereiro deste ano, quando a Superintendência de Registro (SRE) da CVM rejeitou a oferta da CPFL pelo preço proposto de R$ 12,2 por ação. Na ocasião, a área técnica entendeu que o preço justo a ser definido seria de R$ 16,69.
Para tomar essa decisão, a área técnica havia argumentado que o preço de R$ 12 "não encontrava respaldo em nenhum dos preços encontrados com a aplicação de uma série de critérios objetivos e baseados em dados isentos", o que gerou descontentamento da State Grid, que teria de desembolsar cerca de R$ 1 bilhão a mais que o previsto.
Na análise do recurso interposto pela companhia chinesa ao colegiado, o presidente da CVM, Marcelo Barbosa, relator do caso, entendeu que não cabe à SRE estabelecer um preço mínimo a ser praticado numa OPA, mas manteve a determinação da área técnica para que a Demonstração Justificada de Preço (DJP), documento apresentado com vistas a justificar o preço atribuído à empresa na alienação indireta de seu controle, seja reapresentado com alguns ajustes.
O art. 254-A da Lei das S.A determina que numa alienação do controle da companhia, seja ela direta ou indireta, o adquirente deve se obrigar a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
Sobre isso, Barbosa entendeu que a DJP não é apenas um requisito formal, pois sua análise deve ter o grau de profundidade necessário para que a SRE possa decidir se o documento serve como justificativa razoável para o preço que a ofertante pretende apresentar na OPA.
Por outro lado, votou o presidente, qualquer consideração que vá além da verificação de sua existência e razoabilidade "estaria além do escopo da tutela permitida à CVM, não cabendo à autarquia se substituir ao ofertante na tarefa de determinação do valor, ou mesmo de uma faixa de valor, a ser utilizado na OPA por alienação indireta".
Em seu <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/05/voto-barbosa-cpfl.pdf" target="_blank" rel="noopener">voto</a>, o relator ressaltou que "é importante ter claro que a CVM não poderá determinar ao avaliador a tomada de nenhuma atitude com que este não esteja confortável".
"A independência do avaliador é regra que deve ser aplicada não apenas em relação ao cliente, mas também em relação à CVM. Isto significa, neste caso, que o avaliador, ao receber pedidos de realização de ajustes por parte da CVM, estará livre para, caso assim entenda, decidir que os referidos ajustes são incabíveis, e que o laudo entregue é um documento pronto e acabado, devendo ser considerado em seu estado original."
No entendimento de Barbosa, seguido pelo colegiado, "não cabe à CVM exigir do ofertante que ofereça o preço justo, mas que justifique sua oferta e comprove ter assegurado aos minoritários da controlada o dito tratamento igualitário em relação àquele oferecido ao controlador-vendedor".
Metodologia
Com relação à metodologia utilizada pela State Grid para comprar as ações, o presidente Marcelo Barbosa entendeu serem procedentes as críticas da SRE no sentido de que não ficou claro o tratamento igualitário para fins de avaliação da companhia controladora alienada diretamente e da companhia controlada alienada indiretamente.
A CPFL alegou que não era possível utilizar o mesmo parâmetro de preço para a OPA dela, controladora, e a da controlada (CPFL Renováveis), devido à liquidez das ações da companhia, "o que descaracterizaria a cotação da ação em bolsa como uma 'referência de valor de mercado apropriada'".
Com isso, a companhia adotou uma metodologia a partir do EBITDA, que representa o quanto a empresa gera de recursos apenas em suas atividades operacionais, afastando efeitos financeiros e os impostos.
O problema do uso desse indicador no caso concreto, segundo entendeu o relator, é que, embora ambas integrem o setor de energia em seu sentido amplo, elas "possuem ramos de atuação distintos, com consequências importantes em questões relacionadas à avaliação que delas se pretenda fazer para os fins em questão".
"A igualdade de tratamento só poderia ser assegurada no caso concreto se a DJP fosse ajustada a fim de incorporar alguma visão prospectiva da Companhia, podendo a Ofertante, se entendesse oportuno, apresentar novo laudo de avaliação que corroborasse seus ajustes", argumentou o presidente.
Segundo ele, uma das maneiras de se desincumbir dos ajustes solicitados seria por meio da utilização de metodologia baseada em cotação das ações em mercado para calcular o preço-alvo da CPFL Renováveis, de modo a refletir o método de avaliação empregado em CPFL Energia".
"Seria de interesse do ofertante que o laudo a ser entregue à CVM fosse preparado de acordo com as melhores práticas e que sua fundamentação e conclusões se apresentassem de forma clara e em consonância com a boa técnica, já que caso a CVM entenda que o laudo não atende à finalidade para a qual foi solicitado (permitir a realização do teste de consistência), terá maior dificuldade de proceder em relação ao pedido de registro", explicou Barbosa.
A decisão final foi tomada por quatro votos. O diretor Gustavo Gonzalez se declarou impedido e não participou do julgamento.
Análise conjunta
Ao final de seu voto, Marcelo Barbosa recomendou que, em casos de pedido de registro de OPA por alienação de controle concomitantes, tanto para a companhia alienada diretamente quanto para aquela cujo controle se transfere indiretamente, o deferimento seja feito em conjunto.
"Assim, seria possível evitar situações como a presente, em que apenas uma das etapas foi concluída e o não prosseguimento do rito com a reversão ao status quo anterior, se necessário, mostrar-se-á demasiado gravoso para o mercado e as partes envolvidas", defendeu o presidente.

stock-market-quotes1

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Diretores analisaram o 'Caso CPFL', no qual a SRE havia determinado valor da ação em R$ 16, não R$ 12

CVM não pode estabelecer preço de ação em oferta pública, decide colegiado

O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entendeu, por unanimidade, que não cabe à área técnica da autarquia estabelecer um patamar de preço mínimo a ser praticado numa oferta pública de aquisição de ações (OPA). O tema foi debatido na análise do "Caso CPFL"