Arthur Guimarães

Apesar de considerar o patamar da taxa de juros brasileira uma excrecência, não é à força que o país conseguirá reduzi-la. "Tem que ser feito mexendo na estrutura da economia, não é de forma voluntariosa, dizendo: Ah, já que o Brasil é feito de um monte de rentistas, vou reduzir a Selic na marra", diz Bráulio Borges, economista da LCA e pesquisador do FGV IBRE, que enxerga na política fiscal o maior desafio para a economia brasileira hoje.
O economista considera que a autonomia do Banco Central foi um avanço institucional importante para o Brasil e avalia que apesar de algumas críticas do presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lula">Luiz Inácio Lula da Silva</a> (PT) terem mérito, a forma traz preocupação. "Toda a forma de questionar o Roberto Campos Neto, a autonomia do Banco Central, a meta de inflação, dá a entender que o presidente Lula quer mandar na política monetária. Isso suscita temores de que a gente repita algumas experiências muito mal sucedidas mundo afora", afirma.
Sobre o valor da meta da inflação, Borges avalia que se ela for ousada demais, o risco é não conseguir cumpri-la. "Uma meta pouco factível vai arranhando a própria credibilidade da política monetária", analisa.
Confira os principais trechos da entrevista de Bráulio Borges.
O presidente Lula defendeu que a meta de inflação deveria ser mais alta para permitir que o país cresça. Ele disse que o Banco Central quer uma inflação em patamares de países desenvolvidos e ignora a realidade brasileira, que seria de uma inflação mais alta. O senhor concorda com essa afirmação? Qual é a sua avaliação sobre a atual meta de inflação, que está hoje em 3,25%?
O debate sobre o valor numérico da meta de inflação tem mérito, mas como está sendo conduzido pelo presidente Lula está gerando muito ruído e sendo até contraproducente, porque está trazendo junto a questão da autonomia do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a>. Isso foi um avanço institucional importante para o Brasil. Toda a forma de questionar o Roberto Campos Neto, a autonomia do Banco Central, a meta de inflação, dá a entender que o presidente Lula quer mandar na política monetária. Isso suscita temores de que a gente repita algumas experiências muito mal sucedidas mundo afora, particularmente na Turquia, onde há um Banco Central autônomo, independente, já há bastante tempo. Porém, de uns anos para cá, o presidente Erdoğan começou a pressioná-lo, fazendo de tudo para a economia bombar às vésperas da eleição e encomendando muitos desequilíbrios, que ele mesmo vai ter que arrumar depois das eleições, caso saia vitorioso.
O que o senhor pensa da meta de 3,25%?
Infelizmente o número de estudos que tentam estimar uma inflação ótima para o Brasil é escasso, mas há alguns recentes que colocam essa meta de inflação mais perto de 4% a 4,5%. Tenho que citar um desses que é do professor Aloisio Araujo, da FGV-Rio. Ele defende desde 2018 que foi um erro ter reduzido a meta. Junto dele, tem o Sergio Werlang, que também defende que a gente foi ousado demais na redução da meta. Se sua meta for ousada demais, o risco é você não conseguir cumpri-la. Uma meta pouco factível vai arranhando a própria credibilidade da política monetária.
Alguns economistas que têm uma visão mais favorável à redução da meta dizem que esse movimento foi correto porque fez o Brasil convergir para a meta de outros países emergentes. Só que ninguém se deu ao trabalho de saber se ela foi cumprida. Não foi. Se pegarmos países da América Latina que têm mais similaridades com o Brasil, são três que têm metas de 3% pelo menos desde 2010: Chile, México e Colômbia. O Chile está conseguindo entregar a sua meta, mas, no México e na Colômbia, a inflação têm sido de 4%. Em dois dos três países nos quais a gente deveria se inspirar, a inflação efetiva tem sido de 4%. A meta de 3% é metade do que a gente teve de inflação desde que o regime foi implantado no Brasil.
Na visão do senhor, qual seria o impacto de uma eventual revisão da autonomia do Banco Central?
Arrisco dizer que a gente veria nosso câmbio se aproximar de R$ 5,60, R$ 5,70. Isso traria mais inflação, mais instabilidade. Talvez obrigue o Banco Central a elevar mais a taxa básica de juros. Seria um cenário muito ruim.
Agora, eu não acho que a autonomia do Banco Central é uma panaceia. Foi um avanço, principalmente porque, com mais liberdade, veio mais responsabilidade.
Mas onde dá pra melhorar? Primeiro, o Banco Central poderia mostrar alguma preocupação com relação ao objetivo adicional que ganhou formalmente, de suavizar flutuações econômicas e fomentar o pleno emprego. Parece que esse objetivo virou letra-morta. O Fed tem esse mandato dual, de olhar para a inflação e para o pleno emprego. Não é colocar o desemprego em zero, é colocar a taxa de desemprego em torno do nível de equilíbrio. Cada país tem um. No Brasil, hoje, está em torno de 8,5%. A teoria econômica padrão, mainstream, prescreve esse mandato dual. Acho que um avanço importante seria cobrar mais transparência e accountability em relação a todos os objetivos definidos pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp179.htm">Lei Complementar 179</a>.
Campos Neto é o primeiro a presidir o BC nessa nova era de autonomia, mas o Brasil não é o único a ter um Banco Central autônomo. A gente falou do Fed. Tem o banco central do Japão, na Europa. Como é a relação do líder de Estado e o presidente do central em outros países?
Nem sempre a relação é a amistosa. Teve um momento em que Donald Trump estava em guerra aberta contra o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, principalmente um pouco antes da pandemia, quando os juros dos Estados Unidos estavam subindo. No mundo todo há esse tipo divergência. É justamente para isso que serve autonomia do Banco Central, para proteger a política monetária desses rompantes populistas que surgem principalmente em épocas de eleição. Nem sempre é uma convivência harmoniosa. 
Pelo menos no Brasil, esses atritos entre políticos e Banco Central já existiam antes. Eu lembro do Paulo Guedes alfinetando o próprio Campos Neto, criticando o Banco Central pela política monetária, enquanto o Banco Central dizia que a culpa era da política fiscal. Na visão do senhor, em que área o Brasil precisa de mais ajustes, na política fiscal ou na monetária?
Na fiscal. A gente está em um processo que de desancoragem fiscal. As projeções colocam a dívida pública subindo, e subindo muito, daqui até o final da década. Isso atrapalha a política monetária. Se a gente tivesse uma questão fiscal mais bem encaminhada, a nossa taxa de câmbio hoje talvez estivesse mais perto de R$ 4,80, R$ 4,90, e não a R$ 5,20, R$ 5,30 como a gente tem observado. Se o câmbio é mais baixo, a inflação é mais baixa. Isso facilita a vida do Banco Central, dá mais grau de liberdade para a política monetária, reduz a incerteza com relação à trajetória futura da inflação. Hoje, um dos maiores problemas do Brasil está na parte fiscal. Mas o monetário não atrapalha o fiscal, com uma <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/selic">Selic</a> muito alta, tornando o custo de rolagem da dívida muito exagerado?
Esse é o argumento do presidente Lula…
Se a gente olha os juros dos papéis públicos, de 10, 20, 30 anos, nesse horizonte que já está muito além daquele que a política monetária consegue influenciar, hoje, o Brasil está pagando um juro real de 6,5% ao ano. É muito juro. Isso não é por conta do Banco Central, é por conta da percepção de insustentabilidade fiscal.
Hoje, a Selic está muito alta. Ela está acima do que a gente chama de juro de equilíbrio no Brasil, que seria um juro real mais perto de uns 4,5%. Hoje, está em 8%. Conjunturalmente, a política monetária está encarecendo o custo da dívida, mas, se a gente olha nesses prazos mais longos, o juro real brasileiro está na lua.
Tem pouco a ver com a política monetária e mais a ver com a fiscal. Sempre tem uma interação entre as duas políticas. O ideal é que elas sejam coordenadas, o que não temos visto nos últimos tempos.
A Selic está em 13,75% já faz um tempo. Trata-se, como o Copom explicou na ata da última reunião, de uma política contracionista para reancoragem das expectativas de inflação. Por quanto tempo a Selic deve se manter nesse patamar? E qual é a opinião do senhor sobre uma fala do presidente Lula: existe uma cultura de juros altos no Brasil ou se trata de uma necessidade do momento fiscal do país?
Hoje, o Banco Central está numa situação delicada. O mercado está prevendo uma inflação de quase 4% no ano que vem, e a meta é 3%. Para o Banco Central agir by the book, ou seja, pelas regras formais, vai ter que manter a Selic alta por um tempo razoável. Por que o mercado está projetando 4% de inflação no ano que vem? Porque tem muita gente que já está achando que a meta de inflação do ano que vem não é de 3%, é de 4% ou 4,5%. Só que o Banco Central tem que operar com o que está escrito, não pode especular que a meta do ano que vem pode ser elevada. Quanto mais tempo se arrastar essa discussão da meta, mais o Banco Central vai ter que endurecer o pão dele.
Historicamente o juro no Brasil é alto na comparação internacional, mas ele caiu muito, entre outras coisas, porque o Brasil fez a lição de casa. Reduziu a vulnerabilidade externa, acumulou reservas internacionais, fez reformas. Eu compartilho dessa inquietação. É uma excrecência. Agora, eu não acho que a maneira mais adequada de mudar isso é à força. Tem que ser feito mexendo na estrutura da economia, não é de forma voluntariosa, dizendo: 'Ah, já que o Brasil é feito de um monte de rentistas, vou reduzir a Selic na marra'. Se você fizer isso, vai colher o que a Turquia está colhendo nos últimos dois anos. A gente tem que construir uma base sólida que permita realmente reduzir em bases sustentáveis a nossa taxa de juros. Quero que o juro real caia para 2% ou 3% e que isso dure 10, 15, 20 anos. Para isso, a gente tem muito a fazer. Não é com bravata e voluntarismo que a gente vai conseguir transitar para um patamar de juro mais baixo de uma maneira sustentável. Não tem fórmula mágica para isso.

Bráulio Borges

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Em relação à inflação, economista considera que uma meta pouco factível acaba arranhando a credibilidade da política monetária

Bráulio Borges: Não é com 'bravata e voluntarismo' que Brasil reduzirá taxa de juros

Em relação à inflação, economista considera que uma meta pouco factível acaba arranhando a credibilidade da política monetária