Fabio Graner

Luiza Stievano

<p>Ao colocar as expectativas de mercado nos últimos meses e um câmbio mais depreciado na modelagem de cálculo do próprio <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a> (BC), uma taxa de juros em 10,5% atinge o objetivo de levar a inflação para ao redor da meta. Não haveria, portanto, necessidade de uma subida de juros no próximo Copom dia 18 de setembro. O raciocínio é de Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval e sexto entrevistado da série “Cenários Macroeconômicos” do JOTA. Cardoso, além de explicar sua avaliação por uma não subida de juros neste momento, também não acredita que o BC fará esse movimento agora.</p>
<p>Uma atividade econômica aquecida como a atual, entretanto, é o que o economista-chefe aponta como variável que coloca seu cenário em risco.<br />
Sobre o futuro da autoridade monetária para 2025, Cardoso avalia a indicação de Gabriel Galípolo como mediana: não é nem o nome dos sonhos do mercado, e nem o pior possível. Para ele, o futuro presidente do BC evidencia o pragmatismo deste governo. “Se a gente for olhar o Lula, ele [Galípolo] é um espelho do presidente nesse sentido, que também é um cara pragmático. Lula tem as convicções dele, não é um liberal, mas tem pragmatismo necessário para eventualmente restringir algumas medidas um pouco mais heterodoxas. Galípolo é um bom nome nesse sentido”, disse.</p>
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/poder ?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_poder_q2&amp;utm_id=cta_texto_poder_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_poder&amp;utm_term=cta_texto_poder_meio_materias">Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político e regulatório  com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!</a></h3>
<p>Cardoso aponta como um fator de incerteza no mercado se o governo vai efetivamente sustentar o arcabouço fiscal e, caso descumpra as metas, aceitar o acionamento dos gatilhos previstos de contenção de gastos. Ele também sinaliza alguns riscos para a estratégia deste governo de crescimento centrada no consumo e não no investimento. Isso torna mais complexo a sustentação do nível de atividade no longo prazo.</p>
<p>A entrevista é a sexta da série “cenário macroeconômico” que o JOTA tem publicado. Confira abaixo os principais pontos.</p>
<h3>Taxa Selic</h3>
<p>Estamos na posição que não deveria e [acredito que] não vai ter alta. A gente até entende que tem fatores que levem o Banco Central (BC) eventualmente a ter uma postura mais conservadora, como realmente tem tido. No último comunicado, ele sinalizou a probabilidade de subir a taxa de juros. Quando a gente olha as expectativas de mercado um pouco mais altas nos últimos meses, isso seria um dos principais indícios, somado ao efeito de um câmbio mais depreciado. Se são essas as duas razões por trás, vamos colocá-las na conta e ver se somadas a um juros de 10,5% é necessário ter alta ou não da taxa de juros. Quando a gente faz isso, e o arcabouço que a gente usa é o [modelo] de pequeno porte do BC que ele usa na ata e nas projeções, o que encontramos é que a estratégia de 10,5% é vencedora, ou seja, atinge o objetivo de levar a inflação para a meta, com algumas condicionais: câmbio abaixo de 5,75% e expectativas de inflação em 2025 em 3,6% e 2026 em 4%. Portanto, não vemos razões, dentro da modelagem do BC, para subir a taxa de juros. Achamos que não deve acontecer e não deveria acontecer, pois os 10,5% são suficientes.</p>
<p>Mas temos que lembrar que os modelos têm uma série de implicações, como a taxa de juros neutra, que é a taxa não observável. Vamos supor que ela seja bem maior do que a gente imagina. Nesse caso, pode ser que os 10,5% não sejam suficientes. Agora, vamos descobrir isso a <em>posteriori</em>.</p>
<p>Qual é o maior risco e que coloca nosso call em dúvida: uma atividade econômica muito forte. Não discuto muito no sentido de eventualmente ter alta na taxa de juros por uma alta na atividade econômica, o que preocupa na verdade é que, se não tiver um arrefecimento da atividade econômica, o BC lá na frente não corta. Vamos supor que ele mantém os 10,5% e a atividade não arrefeça, ele não vai ter espaço ano que vem. Vamos supor que as expectativas ancorem, que o câmbio fique estável e que os riscos externos cessem. O BC teria espaço para cortar taxa de juros hoje? O hiato onde está e o mercado de trabalho como está? Então o que eu ia fazer de ressalva do nosso cenário é que, se a atividade econômica continuar pujante como está, o BC deve continuar conservador por mais tempo. Ele precisa de algum arrefecimento. Antes, se olhássemos meses atrás, a gente diria que ele precisava de um fiscal melhor, de uma inflação de curto prazo comportada, que o câmbio não depreciasse. Hoje o BC precisa de uma atividade econômica mais fraca.</p>
<h3>Comunicação do Copom</h3>
<p>O Copom teve a dissidência lá atrás e, para mim, na última ata o principal recado não foi o cenário de alta de juros, esse é um recado importante, mas o principal foi a unanimidade gerada no comitê. A grande discussão era essa – “o comitê rachou” – e a ata tentou sinalizar nessa direção e passar uma ideia de unanimidade. Mas o que aconteceu foi que [agora] inverteram os papéis. Galípolo passou a ser o cara mais “hawkish”, e o Roberto Campos Neto e Diogo Guillen moderaram um pouco o discurso. O problema é que eles perderam o grande trunfo que eles tinham ganhado na última ata, que foi ter mostrado uma unanimidade. Então estamos entendendo o que o BC está falando, só não sabemos agora como está dividido o comitê. A gente conhece o raciocínio, o que levanta dúvida de novo é se, dado esse cenário, eles têm o mesmo diagnóstico.</p>
<p>Outra ponderação é que o mercado precifica alta de juros, portanto, diretores como Galípolo ficam no corner falando que não vai ter, o câmbio pode andar, etc, então é uma discussão válida para comunicação. Armínio [Fraga] fala que o BC tem que ancorar o mercado, portanto, o que importa é a projeção do BC. Gustavo Franco falou que não, que o que importa é a projeção do mercado, porque o consenso é de mercado e, portanto, o BC tem que reagir e criar o consenso. Parece que o Galípolo está na onda do mercado e o Campos Neto e Guillen falando que o mais importante é o modelo do BC.</p>
<h3>Banco Central a partir de 2025</h3>
<p>[A indicação de Gabriel Galípolo] Reduz a incerteza? Sim. Entre milhões de nomes prováveis, a gente já sabe quem é. É o nome dos sonhos do mercado? Não. É o pior nome possível? Também não. É um nome mediano, do qual a gente conhece, que tem mostrado um certo pragmatismo. O Galípolo sabe onde está se metendo, conhece como é o jogo, é um pragmático. Não dá para falar que ele é um economista liberal, ortodoxo, ele mesmo não se define assim, mas é um pragmático. Não acho que é um cara que vai “peitar” o mercado.</p>
<p>Se a gente for olhar o Lula, ele é um espelho do presidente nesse sentido, que também é um cara pragmático. Lula tem as convicções dele, não é um liberal, mas tem pragmatismo necessário para eventualmente restringir algumas medidas um pouco mais heterodoxas. Galípolo é um bom nome nesse sentido.</p>
<p>Com uma diretoria majoritariamente lulista, isso altera muito a tocada do BC? Pelos indícios que temos, não deveria. O Paulo [Picchetti] é um cara sério, o Galípolo é um pragmático, o Lula não parece que vai alterar de forma substancial a diretoria do Copom. Porque a gente vai apostar que os nomes que ele vai colocar são diferentes do perfil que já fez? Não consigo ver nessa direção, acho que é uma continuidade.</p>
<p>Não acho que é um BC que vai se tornar leniente. Não será um BC dos sonhos, com a maior credibilidade logo de entrada, mas também não será um BC que vai pular do precipício, pelo perfil do próprio presidente. Eu acho que o Galípolo não vai ousar e nem acho que precisa. Se fizer tudo certinho, manter os juros agora, esperar o FED cortar, o BC terá um cenário mais confortável.</p>
<h3>Atividade econômica</h3>
<p>[Sobre o risco da atividade econômica esfriar demais] Acho que é um cenário válido para se especular, mas difícil para se defender nos dados hoje. A gente pode discutir eventualmente que os juros mais altos vão desacelerar bastante, mas podemos tentar pensar o que aconteceu nos últimos anos. Será que os 13,75% geraram toda desaceleração imaginava? Não. A mesma coisa lá fora, os 5% de juros no FED geraram a desaceleração imaginada? Não. Então será que sendo mais conservador, vamos conseguir gerar essa desaceleração? Essa é a dúvida que temos.</p>
<p>Nos últimos dois anos, a política monetária em um patamar muito contracionista foi, em parte, contrabalanceada pelos estímulos fiscais. Agora, o que podemos ter é a ausência desses estímulos, com juros ainda altos e, portanto, uma “tirada de escada” da atividade econômica. Vale a pena discutir, mas não consigo olhar os dados hoje e falar que isso está acontecendo.</p>
<p>O que a gente vê é uma desaceleração gradual nos últimos meses deste ano e ganhando um pouco de ímpeto em 2025. Nosso cenário é de um PIB em 2024 próximo de 3% e para 2025, próximo de 2%.</p>
<p>Porém, se olharmos o final do ano passado, falávamos a mesma coisa. “Esse ano cresceu 3%, é o agro, ano que vem vai crescer 2%”, e estamos vendo que vai crescer 3%. Então nós, economistas no geral, temos errado sistematicamente a atividade econômica. Eu não consigo dizer exatamente o que é. Ano passado foi agro crescendo 15%, se não me engano, no PIB. Se tirasse o agro, não teríamos esse crescimento. Mas esse ano já é mais consumo e retomada de investimento, então já é um pouco diferente, não tem exatamente a ver com o crescimento do ano passado.</p>
<p>Mas na história, estamos sempre sendo surpreendidos. Não só nós. Se formos olhar os EUA, aconteceu a mesma coisa. Tivemos um PIB crescendo em torno de 3% com desemprego na margem subindo e inflação em queda. Então, como a gente teve um fenômeno parecido no BR — PIB forte e inflação em queda — a gente pode auferir um grande PIB potencial. Ele é perene? Acho mais difícil argumentar.</p>
<p>Olhando nossos níveis de investimento nos últimos anos, é difícil falar que nós temos uma alteração de estrutura econômica relevante. O que sabemos é que tiveram algumas medidas que podem ter maturado.</p>
<p>Mercado de trabalho pujante — será que foi a reforma trabalhista? Não sabemos afirmar com certeza. Acho difícil mapear de curto prazo esses fenômenos que tem acontecido. Mas a lição para nós economistas é ter em mente que a gente vem errando, mas é um erro que tem acontecido não só no Brasil.</p>
<p>Acho que falar em uma alteração do modelo econômico de forma geral é um pouco demais. O que a gente tem [no atual governo] é uma alteração da tocada da política fiscal, principalmente atrelada a benefícios sociais. Essa nova configuração de política fiscal gera um crescimento sustentável? Não. A gente deveria ter estímulos para ter uma maior capacidade de oferta, e não de consumo. A grande discussão quando falamos de modelo de economia e crescimento econômico é pensar se cria as bases para o futuro. Um modelo econômico baseado no consumo não cria essas bases, e o governo Lula tem o grosso do fiscal direcionado para consumo. Então a gente vê com bastante ressalva.</p>
<h3>Política fiscal vs monetária</h3>
<p>A diferença do monetário e do fiscal é que o primeiro passa pelo crivo do setor privado. “Dado os juros, eu gasto ou não gasto”. Quando o governo gasta, ele gastou, já era. Se o setor privado vai poupar aquele dinheiro, é uma outra história, já gerou PIB num primeiro momento. Agora, se vai gerar sustentabilidade no crescimento é uma discussão diferente. Nesse caso, se for fiscal mesmo, vamos supor que esses impulsos sejam com background bem fiscal, não é sustentável, porque a gente não teve o nível de investimento pujante.</p>
<p>É diferente, por exemplo, dos Estados Unidos (EUA), onde o governo Biden deu estímulos fiscais que não foram puramente assistencialistas. Será que lá aumentou o estoque de capital e poderia, portanto, esse crescimento de curto prazo se traduzir num crescimento potencial mais a frente? Acho que é uma discussão para Brasil difícil porque o fiscal não foi expansionista na parte de investimentos.</p>
<p>Se você conseguir entregar o resultado de 2025, você tem um fiscal contracionista. Então isso [desempenho fiscal nos próximos anos] ajuda o BC com certeza. Mesmo sendo mais receita do que corte de despesa, tudo bem. Se você conseguir fazer o ajuste, você está tirando receita. Antes, por mais que você conseguisse receita, você estava dando muito benefício fiscal. Daqui para frente é um pouquinho diferente, então é mais contracionista sem dúvida.</p>
<h3>Orçamento de 2025, arcabouço e meta fiscal</h3>
<p>O pente fino [nos gastos] é uma incerteza do que você realmente consegue fazer. O que a gente acredita é que a “provação” da política fiscal é do dia a dia, porque as dúvidas permanecem. O que quero dizer é: o governo eventualmente não consegue aprovação das medidas, mas ele vai contingenciar e bloquear? O que vimos até então é que, a princípio, sim. Mas o anúncio do orçamento reduz o nível de incerteza? Não. A gente olha o orçamento e pensa “preciso ver isso acontecendo”.</p>
<p>O que a gente pode auferir é olhar o que o governo fez este ano. Ele contingenciou/bloqueou? Sim. Mas quero ver isso acontecer no futuro. Então quando a gente olha para 2025, é a mesma dúvida que a gente tem hoje: qual é o comportamento que o governo vai ter quando se deparar com as restrições? Financeiras e sociais, porque eventualmente você vai ter que não cumprir alguma coisa, ou ser mais suave em alguma promessa de campanha, ou fazer algo nesse sentido que tire popularidade.</p>
<p>Quando olhamos 2025, a gente acha que o cenário é olhar mês a mês, acompanhando receita e despesa, e ver se o governo vai ter o ímpeto de contingenciar e bloquear. Se não conseguir cumprir, se dispara gatilhos. É claro que você prefere atingir os resultados da meta, mas se for impossível, tem a regra, vai disparar o gatilho. A dúvida é se o governo cumpre gatilho ou não. Queremos ver o arcabouço funcionando.</p>
<p>Quando a gente olha para o futuro da trajetória do fiscal, acho que é altamente condicionado a isso. Se cumprir o arcabouço, a trajetória é uma. Se não cumprir, a trajetória é outra completamente diferente. E não digo em relação só ao fiscal em si, mas quando a gente olha dívida bruta, vai depender muito de juros, então para além do fiscal, tem um efeito exponencial. Fiscal arrumado, a gente cai, a dívida fica convergente. Então a percepção em torno do arcabouço é importante porque ela vai ajudar nessa parte financeira dos juros a ser mais baixa. Eu tenho impressão que o arcabouço, excluindo a parte de previdência, é factível. Mas tem que rever, esse pente fino tem que funcionar. Então acho muito difícil o governo ter outra possibilidade que não buscar o cumprimento do arcabouço. Isso significa entregar as metas? Não. Cumprir o arcabouço significa buscar as metas e, caso não sejam atingidas, disparar os gatilhos. Não vejo hoje o mercado com a desconfiança pré-arcabouço do governo Lula. Acho que a incerteza é menor, mas tem alguma incerteza, porque você não sabe se o arcabouço vai ser respeitado.</p>
<p>[Sobre mirar a banda inferior e não o centro da meta] Não tem intervalo, tem meta. O intervalo é para caso dê alguma coisa errada. Você não pode contar que o cenário bom é que dê errado. Eu acho que o governo deveria perseguir o centro do intervalo porque, caso você tenha alguma surpresa no meio do caminho, você utiliza a banda. Agora, não estamos na cadeira. Eventualmente mirando a banda inferior, ele sabe que tem alguma gordura para caso dê algo, bloquear e não disparar gatilhos.</p>
<h3>Questão cambial</h3>
<p>O BC operou mal. Pelo que entendi, ele deixou para fazer um leilão em um determinado momento do dia que ¾ da PTAX já estava definida. Então o leilão distorce o preço: o cara fecha um preço no leilão e entrega a PTAX em outro, então ele ganha. O BC fez um leilão com parte do preço fixado. O BC deveria ter intervido ou não? A gente não sabe exatamente qual modelo ele tem, mas ele deve comparar o câmbio com a curva de juros, câmbio com a bolsa, câmbio CDS, e aí vê que está esquisito e talvez tenha que atuar no câmbio. Outra forma de ver é ele comparar — nosso câmbio andou, mas o de todo mundo andou, então também não preciso intervir. Então o BC tem essas formas de análise. Dentre seus próprios ativos de risco – o câmbio distorceu ou não distorceu? E, dentre seus pares, distorceu ou não distorceu? Nesse caso, não conseguimos achar razão para a atuação recente, parece mais o caso do fluxo específico.</p>
<h3>Reforma Tributária</h3>
<p>No longo prazo acho que faz sentido, caminha-se para uma estrutura tributária melhor. Agora, temos que pensar no curto prazo, e nesse curto prazo eu tenho minhas dúvidas sobre os possíveis ganhos. Nos próximos anos as empresas vão ter que ter duas contabilidades, você vai ter que manter toda a anterior e ter novos processos para essa nova. Outra coisa é que no futuro as empresas podem ter tomado melhores decisões de investimento e lá na frente você ter mais produtividade, mas e aquelas empresas que hoje estão alocadas em alguns locais, por exemplo, que não são mais viáveis com a nova estrutura tributária? Quem era muito beneficiado por subsídios estaduais, como vai se comportar ao longo do tempo?</p>
<p>Então, pensando no longo prazo, a reforma vai na direção correta. A criação do IVA, que todo mundo usa, por exemplo. Acho que a discussão nem é se é bom ou ruim, mas sim que se temos algo diferente dos outros – precisamos ter algo parecido. Só que no curto prazo tem várias dúvidas, principalmente em relação aos ganhos de produtividade, que tendo a ser mais cético.</p>


Rafael Cardoso, economista-chefe do Daycoval.

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JOTA

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